Xingamentos e constrangimento: negros relembram racismo sofrido em viagens
Pedir para tocar no cabelo, questionar quem é dono do cartão de débito e ainda receber olhares o tempo todo. Essas são algumas das situações que pessoas negras tiveram que passar durante suas viagens.
A reportagem de Nossa conversou com cinco brasileiros que contam um pouco sobre o racismo sofrido em alguns países e mostram que a discriminação ainda está muito presente no exterior.
Constrangimento por cartão
"No fim de 2015, resolvi fazer uma longa viagem pelo Leste Europeu com uma amiga e logo no início do ano fomos para a Sérvia. Chegamos no hostel, a recepcionista pegou nosso passaporte, fez a gente preencher um cartão de identificação e nos disse para andarmos sempre com esse documento.
Na primeira noite que fomos andar pela cidade, a gente já chamava atenção. Minha amiga tinha um dread e eu estava de boné. Algumas pessoas nos olhavam curiosos, mas o mais impressionante foi um policial nos observando o tempo todo. A gente pensava 'será que eles não estão acostumados com negros nos Balcãs ou eles não gostam mesmo?'.
Ao chegar no hostel, conhecemos uns alemães, conversamos e eles disseram que não receberam nenhum papel de identificação ou recomendação para que andassem com o documento que recebemos logo no primeiro dia.
Nós ficamos bem desconfortáveis e hoje penso que não tenho a menor vontade de visitar o país novamente. Para mim, foi um lugar podre.
Ainda na viagem, durante uma visita à Cracóvia, na Polônia, a gente estava em um shopping center, passamos para comprar uma roupa na loja Pull Bear e na hora de pagar, o vendedor pediu meu documento de identificação — mesmo o cartão sendo de chip e eu tendo que colocar minha senha. Eu falei que aquilo não existia, que iria digitar a senha e ele disse que só sairia dali apresentando o documento.
Ele ficou olhando o cartão, meu documento e depois deixou a gente ir embora. Eu fiquei muito desconfortável.
Em uma outra vez, no mesmo país, estava com uma amiga que tem a aparência bem latina, e algumas crianças passaram por nós, começaram a mostrar a língua e fingir que iam vomitar. Não quero nunca mais voltar lá e acho que nem no Brasil sofri ataques tão diretos."
Thiago Souza, 31 anos, intérprete e assistente legal
Revista em cabelo
"Estava fazendo um mochilão pela Ásia e cheguei no Vietnã. Era quase difícil ver uma pessoa preta e nem turistas negros tinha por lá.
Meu cabelo já era um evento, algumas pessoas pediam para tirar foto comigo e falavam até 'nice hair' (cabelo legal). Não sabia se o sorriso era deboche ou outra coisa.
Estava na cidade de Ho Chi Minh e ia pegar um voo para Tailândia. No aeroporto, minha mochila já tinha passado pelo detector de metais e ele não apitou nem nada. Mas a segurança me chamou, disse que seria necessário olhar dentro do meu cabelo — estava com tranças e black —e me levou para um cantinho.
Ela tocou minhas tranças, perguntou se o cabelo era meu, pediu para eu soltar o penteado, começou a olhar e deu até uma esfregadinha na raiz. Ela achou que podia estar com drogas ou algo do tipo.
Para mim, isso é claramente racismo. Se qualquer outro turista tem um cabelo grande, ela não iria pedir para revistar o cabelo dele. Lembro que fui chorando dentro do voo inteiro e fiquei morrendo de vergonha."
Dandara Rosa, 31 anos, professora de inglês
Interrogatório em aeroporto
"Eu sempre ando com o máximo de documentos possíveis para provar que realmente moro na Europa. Uma vez durante uma viagem para Alemanha, no aeroporto de Frankfurt, eu estava com uma amiga e nós iríamos ficar no mesmo local. Levamos o comprovante de hospedagem e ela, que era branca, passou rapidamente pelo guichê da imigração.
Na minha vez, a agente ficou fazendo diversas perguntas. Questionou se eu realmente estava fazendo minha graduação, onde eu trabalhava, o que estava fazendo na Irlanda. Ainda tive que explicar que justamente por ser feriado em Dublin e a cidade costumava ficar extremamente cheia, eu optei por viajar.
Por último, ela perguntou com quem eu estava viajando e eu apontei para a minha amiga que já tinha passado. Depois, ela falou: 'Ah, você está com ela'.
Quando ela viu com quem eu estava, ela deixou eu passar e parecia que eu estava com a 'branca salvadora'.
O pior é que não tenho dificuldades com comunicação. Moro há 12 anos fora, já residi inclusive nos Estados Unidos e, mesmo assim, eu ainda preciso provar uma centena de coisas toda vez que viajo e passo pela imigração de algum país."
Bruna Palmeira, 35 anos, administradora
Olhares tortos
"Eu já tinha viajado para França e outros locais. Aí no final de 2016, resolvi ir para Berlim, na Alemanha, justamente por ser uma cidade histórica. Quando chegou na imigração, percebi que a fila estava andando bem rápido, mas na minha vez a mulher me olhou meio torto. Não levei em consideração o racismo, pensei que podia ser questões da imigração mesmo.
Mas isso mudou quando a funcionária começou a me perguntar se eu estava sozinha, me olhar de cima para baixo e se eu ficaria só o fim de semana. Comecei a achar que ela pensou até que era algo relacionado à prostituição.
Fiquei muito mal com aquilo, me senti discriminada e acho que estragou a minha entrada na cidade."
Cláudia Vieira, 31 anos, intérprete freelancer
Ajuda rejeitada
Durante meu intercâmbio e estadia em Dublin, na Irlanda, vivenciei duas situações de racismo. Na época que morei lá, precisava mandar uma encomenda para o Brasil e fui até o correio.
Como era bem no início, não sabia falar termos como envio expresso, encomenda rápida. Quando estava no guichê, tentei explicar para a mulher e ela disse: 'Se sua cor não permite ter inteligência para fazer o que está fazendo, é melhor não estar aqui'.
Na hora, eu entendi o que ela disse e até uma pessoa que estava atrás de mim na fila disse para eu não ligar que lá algumas pessoas eram assim mesmo. No dia seguinte, fui em uma outra agência e uma funcionária me ajudou e foi super solícita.
Na segunda vez, eu estava andando na rua à noite e vi uma mulher bêbada caindo no chão e fui ajudá-la.
Uma amiga dela disse que era para aquela pessoa preta sair do lado dela. Foi bem desagradável."
Sarah Costa, 35 anos, professora de educação física
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