Conheça os rituais do Dia da Pachamama, a festa mais famosa dos Andes
No mundo andino, tudo é reciprocidade. Para receber da terra, é preciso dar algo em troca. E é isso que Adrian Ilave faz, há sete anos, desde que chegou do Peru para morar em São Paulo.
Em todo 1º de agosto, a América Latina hispânica celebra o Dia da Pachamama, um dos eventos mais populares em países andinos, quando são feitas oferendas em rituais de agradecimento à deusa da fertilidade, a Mãe Terra ("terra", "pacha"; "mãe", "mama", nas línguas quéchua e aimara).
Conhecido como "Pago a la Pachamama", algo como "Tributo à Mãe Terra", em português, o ritual é o momento de compartilhar tudo o que se colheu na temporada anterior. É como dar de comer e de beber à terra ("corpachada"), em agradecimento por tudo o que ela ofereceu. "Sullpay Pachamama", como se diria "obrigado" em quéchua.
"Tem o ritual urbano e o ritual feito pelos camponeses. Mas os dois se conectam de alguma maneira ", explica o limenho em entrevista para Nossa.
Adrian conta que enquanto no campo as oferendas são enterradas, na cidade penduram-se arranjos de flores amarelas nas sacadas ou nas portas.
Na versão metropolitana desse artista e pesquisador da história andina, a mesa é montada com uma tigela de barro com produtos da estação, como frutas vermelhas, e elementos sagrados para os incas (milho e batata).
As folhas de coca são substituídas por louro, e no lugar da tradicional chicha, bebida de milho fermentado, Adrian costuma usar espumante ou até cachaça que, após o brinde "sempre com a mão direita", devem ser espalhadas no centro da mesa.
Nos despachos rituais mais tradicionais são usados também cigarros, fetos de ovelhas ou lhamas para pedir a multiplicação do gado, cabelos ou unhas humanas para mandar mensagens aos Wak'as ("os oráculos") e até saliva ("as secreções humanas são consideradas sagradas para os incas", descreve Adrian).
Por ser diferente, o mundo andino às vezes é incompreendido pelos olhares ocidentais, sobretudo o sacrifício de animais. Mas a religião dos Andes é adaptável e não exige usar aquilo que você não quer usar", avisa o pesquisador.
No entanto, ele lembra que o 1º de agosto em homenagem à Pachamama é uma data recente, de cerca de 60 anos, quando as comunidades andinas faziam a primeira plantação do inverno, que seria colhida em dezembro.
"Os espanhóis que chegaram nas Américas nos proibiram muitas coisas e essa cerimônia ficou escondida. Com o passar do tempo, as pessoas voltaram a realizar esse ritual, que era chamado também de Haywarikuy", explica.
Daquele encontro de culturas tão díspares surgiriam sincretismos em que a Pachamama, que é a provedora e não a criadora, é identificada com figuras católicas como a Virgen de la Candelaria, no Peru, e Nuestra Señora de Copacabana, em La Paz, na Bolívia.
Pachamama na América do Sul
Embora a data seja celebrada em países como Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Equador, os rituais podem ter algumas variações nos ingredientes usados ou até no nome da celebração, que no norte do Chile, por exemplo, é conhecida como "Qulqi Uru".
Em Cusco, antiga capital do Império Inca, 1º de agosto é marcado pela Pachamama Raymi, festa no distrito de Ccatca com cerimônias que incluem oferendas, danças e cantos. Nesse dia, os camponeses não trabalham para que a terra possa descansar.
Na província argentina de Jujuy, conhecida pela Quebrada de Humahuaca, no noroeste do país, é preparada uma comida comunitária, seguida de danças ao redor de um buraco no chão com comidas e bebidas oferecidas à divindade.
Em San Antonio de los Cobres, também na Argentina, defumações de limpeza com munha, mirra ou sândalo são feitas nas casas e comércios locais, seguidas de orações comunitárias.
Já no norte do Chile, o Dia da Pachamama tem comidas cozidas, bebidas alcoólicas e folhas de coca colocadas em panelas de barro e enterradas em buracos.
A Bolívia é conhecida pelo ritual de reciprocidade, em que oferendas como flores, folhas de coca, lã colorida e q'oa (espécie de kit com doces e ervas aromáticas) são queimadas e as cinzas, enterradas.
Turismo pachamama
Nem o mundo do turismo fica de fora das celebrações.
Segundo Andres Adasme, da rede de hotéis Mountain Lodges of Peru, há diversas atividades para os hóspedes relacionadas à Pachamama, como a cerimônia com um xamã na lagoa glaciar Humantay e visitas a comunidades rurais com colheitas e rituais de agradecimento.
"É um espetáculo natural que conecta o passageiro com o lugar e com a energia da montanha", define Andres.
E a relação do inca com a Pachamama é tão intensa que, até na hora de cozinhar, a terra tem papel protagonista.
No povoado de Viacha, próximo a Pisac, no Vale Sagrado, é possível participar de um ritual ancestral de preparo de um prato andino.
Conhecido como "Pachamanca" ("pacha'', terra; "manca", panela), o processo de cozimento se dá em um forno natural aberto no chão e com pedras pré aquecidas por três horas, antes que os ingredientes sejam divididos por camadas, segundo o tempo de preparo de cada um deles.
A Pachamanca é feita em datas especiais, como aniversários e celebrações oficiais nas cidades. É uma tradição muito anterior à colonização, sem registros escritos, mas que vem passando de geração em geração", explica o guia Beto Guerra.
Festa do Sol
No dia mais curto e na noite mais longa do ano, 24 de junho, o solstício de inverno marca a celebração ancestral mais importante para os incas.
Patrimônio Cultural do Peru, "Inti Raymi" é a festa que representa o respeito e a admiração pelo Deus Sol ("Inti") e tem dramatização grandiosa no Complexo Arqueológico de Sacsayhuamán, em Cusco.
Em 2021, o evento teve até a participação indireta do Brasil.
O artista Adrian Ilave, cuja pesquisa é centrada nos tecidos e rituais andinos, foi o responsável pela confecção do figurino da Qoya, a representante da Lua na Terra, interpretada por Norbina Gallegos.
"Nas edições anteriores, o figurino lembrava mais incas coloniais, praticamente um cristão. Por isso me encomendaram essa peça a partir das pesquisas que fiz sobre o assunto", conta Adrian.
Devido à pandemia, desde o ano passado, o evento tem sido sem público e é transmitido virtualmente.
A Pachamama agradece.
* com informações da Promperú no Brasil
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