A vida de quem é pago para aproveitar e avaliar os hotéis secretamente
Sorria, você está sendo observado: não seria surpresa se placas com este aviso começassem a ser colocadas no interior de hotéis do Brasil e do exterior, com o recado direcionado aos funcionários dos estabelecimentos.
Isso porque, periodicamente, o staff e os serviços de negócios hoteleiros são avaliados secretamente por um curioso profissional: o hóspede oculto (também chamado de cliente oculto).
Trata-se de uma pessoa paga para fingir que é um cliente qualquer e, do momento da reserva até o check-out, avaliar nos mínimos detalhes a experiência de hospedagem nestes locais.
E quem contrata seus serviços costuma ser a própria direção do hotel, na intenção de saber se seus empregados (como recepcionistas, camareiras e concierges) estão desempenhando seu trabalho corretamente.
Paulo (nome fictício para preservar sua identidade) trabalha como hóspede oculto há aproximadamente oito anos — e já avaliou a estadia oferecida por dezenas de estabelecimentos ao redor do Brasil.
"No meu trabalho, tenho que estar pronto para examinar todo o processo da hospedagem. Ligo para o hotel para fazer a reserva e já começo a avaliar como sou tratado no telefone. Se o hotel oferece transfer de chegada, também fico atento à qualidade do meio de transporte", relata ele.
E ficamos de olho em muitas outras coisas, como o atendimento dado na hora do check-in, a limpeza do quarto e a qualidade da comida".
Filmagem escondida
Paulo atua no estilo dos espiões: além de não poder deixar, de maneira nenhuma, o staff descobrir que é um hóspede oculto, ele grava secretamente suas interações com os funcionários (para poder provar posteriormente, no relatório enviado à direção do hotel, eventuais falhas nos serviços).
"Geralmente, deixo o celular ligado e gravando no bolso da minha camisa, com a câmera virada para meu interlocutor. E também tiro fotos das coisas erradas, como um banheiro que não foi limpo corretamente ou uma mesa de café da manhã malfeita", conta.
E Paulo tem técnicas para provocar situações tensas com os funcionários e ver como eles reagem quando pressionados.
"Certa vez, pedi um omelete no quarto e o alimento veio um pouquinho queimado. Dei uma de cliente exigente e liguei para reclamar. E, no check-out, frequentemente questiono a conta do quarto, mesmo que ela esteja correta, dizendo que não consumi tudo aquilo e que não vou pagar. O objetivo é saber como o staff lida com situações de estresse que costumam acontecer no dia a dia".
Paulo avalia muitos hotéis que recebem viajantes de negócios — e, nestes locais, sua estadia geralmente dura apenas um dia.
Mas, às vezes, ele recebe a missão de examinar resorts. "Nestas ocasiões, passo o fim de semana inteiro, para ver como as coisas estão funcionando durante o pico de movimento de clientes. E levo junto meus filhos pequenos, para saber como aquele lugar está recebendo famílias".
Entre os detalhes analisados nos resorts estão a qualidade das piscinas e o trabalho dos monitores responsáveis por entreter o público infantil.
Costumo deixar meu filho mais travesso sob a responsabilidade dos monitores, para que ver como eles lidam com crianças cheias de energia", revela.
Cada caso, um caso
A dinâmica deste trabalho de avaliação hoteleira muda de acordo com a necessidade e o nível do hotel que contratou o serviço.
"Às vezes, tenho que avaliar toda a experiência da hospedagem, do começo ao fim. Mas há ocasiões em que me contratam para observar e documentar apenas aspectos específicos, como passeios oferecidos aos hóspedes ou um novo serviço de alimentação.
E meu nível de exigência é compatível com o que aquele estabelecimento promete para seus clientes. Por exemplo, não esperamos encontrar um serviço e estrutura de hotel cinco estrelas em um hotel três estrelas", conta Paulo.
E jamais um funcionário percebeu que ele era um hóspede oculto.
"Mas já vivi uma situação engraçada em relação a isso. Um dia, cheguei para fazer check-in e uma das recepcionistas estava falando com a outra: 'acho que ontem atendi um cliente oculto'. Dei risada, pois o verdadeiro hóspede oculto estava bem na frente delas".
Racismo exposto
Além disso, em seu trabalho, Paulo consegue identificar algo muito importante no atendimento de hotéis e resorts: possíveis atitudes racistas entre o staff.
"Sou negro e sempre fico atento se sou tratado de maneira diferente, em comparação com os clientes brancos", conta ele.
Já houve casos em que cheguei a hotéis de luxo para fazer check-in e notei que membros da equipe de segurança ficaram de olho em mim".
Ele afirma, entretanto, que jamais recomenda a demissão de pessoas quando produz o relatório sobre sua estadia.
"Ao fazer o relatório, meu trabalho é apresentar soluções construtivas que melhorem os serviços daqueles estabelecimentos, para que os clientes que venham depois de mim tenham uma experiência de hospedagem de melhor qualidade. Jamais pedimos a demissão de ninguém".
Hóspedes ocultos homossexuais
O Instituto Ibero-Brasileiro de Relacionamento com o Cliente (IBRC) é uma das empresas que fornecem o serviço de hóspedes ocultos para estabelecimentos hoteleiros no Brasil (e é a organização para a qual Paulo trabalha).
Segundo Alexandre Diogo, presidente global e CEO Brasil do IBRC, há uma crescente presença, neste mercado, de clientes ocultos negros e homossexuais, que buscam identificar possíveis atitudes racistas e homofóbicas entre os funcionários de hotéis, resorts, pousadas e afins.
"Estamos com um foco grande no tratamento dado à diversidade", afirma Diogo, dizendo que as direções dos hotéis estão cada vez mais preocupadas em garantir que todos os hóspedes sejam tratados de maneira igual, independentemente de sua raça, gênero ou orientação sexual.
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