Medo de viajar? Pandemia entra na lista de fobias que atrapalham turistas
Ariano Suassuna não gostava de viajar ("normalmente as pessoas acham que eu não gosto de avião, mas eu não gosto de viajar de jeito nenhum").
Para o escritor Graciliano Ramos, aviões eram como "encrencas voadoras", e o arquiteto Oscar Niemeyer preferia as estradas aos aeroportos.
Mas isso está longe de ser uma exclusividade de intelectuais ou artistas. Em plena pandemia (e mesmo com tanta vontade reprimida de sair por aí), ainda tem gente com medo de viajar (independente do meio de transporte).
Sob olhares leigos, pode parecer um capricho, esquisitice ou até soar engraçado, mas o medo de viajar tem nome, hodofobia, e é capaz de causar sintomas como sudorese, tremores, falta de ar, taquicardia, dores de estômago, diarreia e, nos casos mais graves, ataques de pânico.
Assim como explica para Nossa a psicóloga clínica Fernanda Gomes, especialista em medicina comportamental pela Unifesp, a fobia "é um medo que não tem razão de ser e isso passa a ser um problema quando a pessoa deixa de fazer algo, como andar de avião ou ir a um restaurante".
E para cada medo, existe um nome.
Tem o medo do frio (criofobia), de escada rolante (escalafobia), de trovão (astrofobia), de lagos (limnofobia) e, pasmem, até de ruínas (atefobia). Já o medo de voar é chamado de aerofobia.
Esses transtornos mentais podem ter sido potencializados ou originados durante a pandemia de coronavírus, que aliás trouxe mais um item na lista de fobias específicas, a coronofobia, o medo de contrair a covid-19.
A pandemia trouxe um cenário de ansiedade para o mundo inteiro. No começo, foi por não sabermos o que ia acontecer. Agora é um retorno à ansiedade inicial, o medo de encontrar amigos, viajar ou se infectar", diz a psicóloga.
A atual situação sanitária do mundo trouxe também uma sensação de ambivalência que não existia no prazeroso mundo das viagens. "E se" passou a ser um questionamento que antes parecia não ser relevante.
"Com o coronavírus, o viajar pode ser algo bom e ruim, quase na mesma proporção. Sabemos que vai ser bom, mas que também corremos risco de contaminação ou até de sermos pegos por um lockdown em outro país", compara Fernanda.
Por outro lado, ela lembra que o medo é importante para a sobrevivência do ser humano, pois "serve para nos proteger e nos ajudar a desconfiar de um perigo".
Quando procurar um especialista?
"Para quem já era mais suscetível ou tinha um certo potencial, isso tudo pode ter sido um fator estressor. Já outras pessoas desenvolveram problemas emocionais durante a pandemia, como ansiedade, depressão e até fobias", explica por telefone Alfredo Maluf, psiquiatra do hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Por isso, ele acredita que quando a pessoa nota que algo está mais difícil do ponto de vista emocional, como encarar uma viagem, é a hora de procurar ajuda.
Geralmente, essas fobias específicas estão relacionadas com algum trauma ao viajar, como uma situação difícil que a pessoa teve que enfrentar. Mas em alguns casos podem ser também por aspectos genéticos ou por alguma suscetibilidade", explica.
Assim como ele lembra, o Brasil é o país com o maior número de pessoas com transtornos de ansiedade, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Alfredo explica também que tudo depende de como se lidam com os fatores causadores de estresse, porém um dos caminhos que ajudam "a pessoa a voltar ao normal" é a psicoterapia, em alguns casos, aliada à uma medicação que ajude na superação do medo.
"Mas ninguém vai superar o medo apenas evitando-o, mesmo que seja com pequenos avanços, é preciso expôr-se a ele", alerta o psiquiatra.
Já a psicóloga Fernanda acredita que a própria pessoa vai saber o que pode ajudá-la a controlar seus medos, com atividades como meditação, exercícios de respiração ou terapia.
"Enfrentar o medo é buscar uma ajuda especializada", define.
No entanto, muitos medos podem ser evitados quando se tem informações prévias à viagem.
Medicina do Viajante
Embora não trate de casos específicos de transtornos mentais, como a fobia social, a Medicina do Viajante é o serviço que orienta quem está com viagem marcada.
Em funcionamento há 20 anos, o Ambulatório dos Viajantes do Hospital das Clínicas, em São Paulo, oferece consultas de orientação sobre possíveis riscos em uma viagem, como contaminação alimentar e transmissão de doenças através da água.
"Falamos de profilaxia, de medicações e da importância de um seguro médico internacional. Muitos viajantes não pensam nos possíveis perigos", conta Amanda Lara, médica infectologista do Hospital das Clínicas, em entrevista por telefone.
Mais do que prevenir doenças, esse tipo de serviço também auxilia o viajante no caso de infecções como a malária, uma das maiores preocupações de quem procura o HC, e que exige tratamento rápido para evitar o agravamento da doença.
Muitos viajantes dizem que acabam ficando com mais medo após o atendimento, mas é justamente o medo que pode protegê-los", diz Amanda.
Além das orientações prévias, o hospital oferece também consultas de pós-viagem, para passageiros que retornam com sintomas ou dúvidas sobre seu estado de saúde.
Apesar da baixa procura durante a pandemia, o serviço no HC foi mantido de acordo com a necessidade de cada viajante, e as consultas podem ser agendadas pelo telefone (11) 2661-6392.
O médico infectologista Jessé Reis Alves lembra também que ainda tem muita gente que viaja para locais de alto risco, sobretudo regiões tropicais como a Amazônia ou países da Ásia e da África, sem ter esse tipo de informação.
"O intuito é orientar o indivíduo com conhecimentos sobre os riscos e como ele pode evitar certas doenças", explica esse profissional do núcleo de Medicina do Viajante do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, cujo agendamento deve ser feito por email (agendamento@emilioribas.sp.gov.br).
Embora considere difícil prever neste momento, Alves acredita que as mudanças de comportamento trazidas pela pandemia podem ser um caminho para uma discussão futura sobre questões relacionadas à saúde durante as viagens.
Já pode viajar?
Todos os profissionais ouvidos para esta reportagem foram unânimes em dizer que ainda não é seguro fazer viagens durante a pandemia.
Jessé acredita que o mundo ainda vive um momento de incertezas, sobretudo devido aos potenciais variantes, e isso deverá nos acompanhar "por um período considerável, independente das vacinas".
"A indústria do turismo movimenta muito dinheiro e profissionais dependem disso, mas ainda me parece precoce [viajar]. É o momento de aguardar um pouco", recomenda.
Já Amanda defende que apenas as viagens essenciais devem ser estimuladas, como voos de repatriação e envio de itens como remédios e alimentos.
Tanto não é seguro viajar que muitos países ainda adotam medidas de mitigação da pandemia, como quarentena e testes de entrada e de saída. As exigências de comprovação de vacinação vão ser cada vez maiores", analisa.
Para quem faz questão de viajar mesmo assim, ambos médicos recomendam que o passageiro esteja totalmente imunizado, continue usando máscara e lavando as mãos ou usando álcool em gel com frequência.
Amanda alerta também para uma maior atenção à etiqueta respiratória, conjunto de medidas que deverão ser levadas em conta daqui para frente, como distanciamento social e cuidados ao tocar objetos em locais públicos, como elevadores e corrimãos.
"É preciso ter ciência de que a pandemia não acabou", alerta.
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