Bacon, bacon de verdade, não é simples de se encontrar no Japão. O toucinho curado e defumado, com sal no ponto certo, capaz de ficar crocante e dourado, é quase uma iguaria no arquipélago, onde a dieta é historicamente marcada por ingredientes como arroz, algas, peixes e soja.
Nos mercados nipônicos comuns, o que muitas vezes é etiquetado como bacon lembra, na verdade, um tipo de presunto pré-cozido. Torresmo à moda mineira, carnudo e com pururuca, é ainda mais raro.
Foi salivando de saudade desses quitutes que o paulista Bruno Masuzake, 31, passou a defumar carnes em sua casa na cidade de Toyohashi, a cerca de 300 quilômetros de Tóquio.
Masuzake trabalhava como operário na produção de asfalto e, certo dia, decidiu postar um vídeo mostrando o bacon maturado e a costelinha defumada de porco que fizera para a família. Em 24 horas, vendeu todas as peças. Em 7 dias, o vídeo teve mais de 30 mil visualizações e ele passou a receber mensagens com encomendas de diversos cantos do arquipélago.
No início, a produção era muito pequena, pois estava acostumado a defumar carnes só para casa. Vi que as pessoas estavam dispostas a esperar 15 dias por um pedaço de bacon. Pensei: pode render", lembra.
Aos poucos, a produção foi crescendo. "Era um hobby, virou uma fonte de renda extra. Depois, virou um negócio", relata Masuzake, que abriu uma charcutaria artesanal na cidade, a Pata Negra.
Lembrança agridoce
Masuzake nasceu em Rinópolis, uma cidadezinha de 10 mil habitantes no interior de São Paulo, a cerca de 200 quilômetros de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul. Passou a infância e a adolescência em um sítio, onde aprendeu a fazer defumados e tomou gosto, graças ao avô de origem europeia — por parte de pai, Masuzake é descendente de italianos e espanhóis; por parte de mãe, de japoneses.
Em 2011, após a morte da mãe, sem perspectiva de estudo ou emprego no Brasil, ele decidiu tentar a sorte como dekassegui (trabalhador temporário imigrante) no Japão.
"Tudo estava muito difícil no Brasil. Fui vendedor de carro e de álbum de formatura, mas mal conseguia passar o mês. Tinha uma caminhonete e capotei. Chegou num ponto em que só tinha água na geladeira e açúcar na despensa. Precisei pedir comida para familiares", conta.
Em 2013, após acertar os documentos, emigrou. Desembarcou no Japão com R$ 730 no bolso. "Lembro até hoje o valor. Era tudo o que eu tinha."
Primeiro, ele trabalhou em fábricas e fez bicos em açougues na província de Mie. Em 2015, mudou-se para Toyohashi, na província de Aichi, que concentra mais de 60 mil brasileiros, segundo dados do Ministério da Justiça do Japão. Na época, casou-se com a brasileira Patrícia Kadowaki, 44, com quem tem uma filha, Sofia, 6.
Até fevereiro de 2020, ele trabalhou cerca de 12 horas por dia, 6 dias por semana como operário em uma fábrica que faz autopeças para montadoras japonesas como Honda, Suzuki e Subaru.
Eram pressões fora da realidade. Vi que não queria trabalhar em uma fábrica para sempre", conta.
Sob pressões, decidiu pedir demissão e foi trabalhar na produção de asfalto, mas seus rendimentos caíram consideravelmente. "Sempre gostei de churrasco e nunca gostei de fábrica", ele brinca, ao lembrar do momento em que teve a ideia de investir em um novo negócio, um encontro entre a fome e a vontade de comer.
"Não sou chef de cozinha. Chef sabe fazer tudo, eu não sei; eu sei fazer carne defumada", pondera.
O segredo da receita é um mix de temperos e tradições. Do avô ítalo-brasileiro, ele herdou as técnicas de defumação. Da mãe nipo-brasileira, o espírito empreendedor, com direito a adaptações para dar conta das diferenças culturais.
Mix de temperos
No Brasil, Masuzake utilizava uma casa de defumação de madeira; no Japão, uma defumadora de inox, que ele mesmo projetou e construiu. No Brasil, usava galhos de goiabeira e laranjeira, que eram comuns no sítio; no Japão, adaptou-se a chips de madeira de macieira e cerejeira americana — que, segundo ele, dão um defumado mais suave, não tão doce quanto a cerejeira japonesa, a sakura.
O sal de cura vem do Brasil. A carne é importada de países como Austrália, Estados Unidos, Espanha e Itália. Masuzake as tempera, marina, matura, defuma e transforma em produtos como charque artesanal, lombo canadense, kit feijoada e torresmo de rolo.
"O lombo leva 12 dias. O bacon, 7. A costela, 3. Cada carne tem um tratamento, um tempo diferente", diz ele, orgulhoso, mostrando as carnes penduradas em uma das instalações projetadas por ele.
Segundo o empreendedor, a clientela ainda é majoritariamente brasileira, mas, mesmo sem marketing, japoneses também passaram a frequentar a pequena loja licenciada, no centro da cidade, o que reflete uma tendência recente de alta do consumo de carne no Japão: entre janeiro e junho de 2020, por exemplo, a importação de produtos derivados de carne (avinos, bovinos e suínos) registrou recorde de 1,04 milhão de toneladas — a maior marca desde o início da série de dados, que data de 1988.
Masuzake apostou alto: decidiu investir em um nicho novo, com capital inicial mínimo, o suficiente para sustentar o negócio por apenas um mês.
Teve sorte com a indicação de fornecedores, conseguiu geladeiras e construiu outros equipamentos com baixo custo — nova, uma das geladeiras custaria 900 mil ienes (R$ 45 mil), mas ele arrematou uma usada na internet por 20 mil ienes (R$ 1 mil).
Tinha tudo para dar errado, mas deu certo. Não recomendo o risco para quem quer empreender."
Kadowaki, com quem ele é casado, também ficou com um pé atrás no início. "Tem hora que a gente fica perdido e pensa 'será que está no caminho certo?' Mas está, sim. Com o tempo, a gente viu que acertou o ponto e conquistou um público", diz ela.
Masuzake agora quer produzir itens como salame com pimenta, mortadela com pistache e linguiça artesanal, um contraponto aos frios industriais mais comuns no Japão.
Também quer incluir no menu mais pata negra, o prestigiado presunto ibérico, cujo custo ainda é muito alto para as contas do pequeno empreendimento. "Minha mãe dizia: quando você é dono do próprio negócio, você é dono de tudo, do seu norte, do seu destino. Pode demorar, mas um dia vai ter mais pata negra no Pata Negra."
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