No Japão, quando um jovem marceneiro sai de uma marcenaria e está pronto para seguir sua carreira solo, é presenteado pelo dono da oficina com ferramentas melhores que as suas. Quem nos conta essa história é Morito Ebine (@morito.ebine), que veio de Tochigi, região entre Fukushima e Tóquio, há 26 anos.
Na bagagem para o Brasil, o jovem de 28 anos trazia as lições milenares da Universidade de Kanagawa, onde cursou Marcenaria e Desenho de Mobiliário. "No Japão, a faculdade te forma para ensinar. Aprendemos com os mais velhos e devemos ensinar o que sabemos aos mais novos", conta.
Na chegada, estabeleceu-se em Mogi das Cruzes, SP, e começou a trabalhar. "Comprei máquinas bem simples e fiz mesas para uma madeireira, em troca de material".
Um amigo carpinteiro, que estava fazendo o mobiliário de um restaurante japonês, o convidou para dividir a tarefa — foi o pontapé para que seu trabalho na marcenaria chamasse a atenção de gente que valorizava a madeira. "Depois disso aumentou o trabalho", lembra.
Criar móvel é como cozinhar. Há vários tipos de comida, mas sempre pensamos em quem vai receber isso. Devemos ter todo o respeito à matéria-prima também".
Anos depois, quando chegou a Santo Antônio do Pinhal, SP, passou a fazer esquadrias e móveis como armários embutidos — mas sentia falta da liberdade de desenhar suas próprias peças.
Quando apostou no desenho próprio e em ensinar sua arte com os encaixes de madeira, seu nome se firmou em território brasileiro. "Há 20 anos passei a fazer meu próprio desenho".
Morito é um homem de fala simples e séria, transmite a leveza oriental e a humildade. A revista inglesa "Monocle" o classificou como um dos 25 estúdios de arte mais importantes do mundo. Mas ele não liga muito para a fama. Olhando sua oficina bem cuidada podemos entender sua preocupação maior: assim como uma árvore leva 100 anos para crescer, seus móveis devem durar pelo menos essa idade para se justificarem no planeta.
Mais lições do marceneiro
1. Empatia
Há muitas lições na fala de Ebine. Mas uma das grandes é sobre empatia, sobre pensar em quem vai utilizar seus móveis — todos feitos a partir de um briefing.
"Em duas horas de conversa busco saber o que a pessoa gosta. Fazer móveis não é como fazer arte e simplesmente expressar algo que tem dentro de você."
2. Respeito à madeira e à natureza
A madeira, cada vez mais escassa, ganha reverência nas mãos do marceneiro.
"Penso no que gosto, mas no que cliente gosta e no que temos disponível. Atualmente uso freijó nas cadeiras. É possível usar outras madeiras, claro, mas nem sempre estão curadas com o tempo necessário nas madeireiras. Hoje faço a cura aqui mesmo, por anos."
3. O que é mais importante em um móvel
"Acabamento, mas também a madeira estável, curada no tempo certo, para durar, além de um bom desenho e cor agradável que dure bastante tempo. De vez em quando faço móveis com cor, mas as pessoas podem enjoar. Usando menos contrastes, eles ficam mais atemporais."
4. Encaixes são arte e valem ouro
"Nem sempre é o caminho mais fácil fazer um móvel com encaixes, mas é um caminho que vale a pena. O móvel fica mais firme, pois a madeira se estabelece melhor. Muitas vezes o clima de onde esse móvel ficará influencia muito no comportamento da madeira. Mas os encaixes ajudam nisso: se a madeira ceder, podemos fazer ajustes e ele dura muito tempo."
5. Observações preciosas
"Observo um pedaço de madeira já há 20 anos e percebo que ele se movimenta sempre — chega a 1 cm de movimentação, entre contração e dilatação. Parece nada, mas de vez em quando é fatal para um móvel. É muito importante observarmos a madeira para descobrirmos esses detalhes. Percepção não é algo que se ganha de um dia para outro. Você demora a ver os detalhes e enxergar mais."
6. A marcenaria ensina a ter paciência
"Paciência é uma das coisas mais importantes, demoramos anos para secar a madeira e um tempo enorme para criar um desenho bom. A cadeira Saci, por exemplo, há mais de 30 anos aprimoro seus traços. Ao fazer móveis desenvolvemos um olhar mais amplo. De 10 anos para cá passei a me preocupar com o desenho dos veios para determinar o corte de cada móvel."
7. Precisamos deixar um legado
"Os japoneses são mais concentrados que os brasileiros e aprendem muito com os mais velhos para ensinar aos mais novos. Como lá é tudo muito concorrido, quem faz melhores móveis quando é aprendiz recebe trabalhos melhores e pode ir para marcenarias mais sofisticadas, usar ferramentas mais complexas — e ao fim da experiência recebe de presente o aprendizado e bons equipamentos como salário."
@s que me inspiram
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