Ponto turístico de Lisboa é pichado para questionar heroísmo de navegadores
O Padrão dos Descobrimentos, um monumento de 56 metros de altura em Belém, às margens do rio Tejo, que é uma das principais atrações turísticas de Lisboa, apareceu pichado na manhã de domingo (8).
A frase em inglês, "Blindly sailing for monney [sic], humanity is drowning in a scarllet [sic] sea" (algo como "Velejando às cegas por dinheiro, humanidade afundando-se num mar escarlate") reacendeu o debate sobre a pertinência da homenagem a navegadores e seus patrocinadores dos séculos 15 e 16.
A frase, com uma extensão de 20 metros, começou a ser apagada no final da tarde do dia seguinte. "A melhor resposta que se pode dar a quem vandaliza o património é a limpeza imediata", escreveu Fernando Medina, prefeito de Lisboa, em seu Twitter na segunda (9).
O serviço só não começou mais cedo porque a polícia quis fazer uma perícia no local e levantar pistas que levem a identificar o pichador. Não há câmeras no local.
Semelhança com outros atos
Ato de vandalismo para uns, manifestação de resignificação histórica para outros, a pichação ganhou a mídia e as redes sociais em Portugal, de forma semelhante ao incêndio à estátua de Borba Gato, em São Paulo. "Padrão" e "descobrimentos" se tornaram os dois maiores trend topics do Twitter na segunda (9).
Em poucos dias o monumento deverá estar sem marcas da ação, mas a discussão sobre o papel histórico dos navegadores deve ainda perdurar. Até porque, as polêmicas envolvendo o Padrão não são recentes.
Em março, um artigo de opinião do deputado Ascenso Simões no jornal "Público" sugeriu que o Padrão fosse demolido.
Mesmo o Padrão, num país respeitável devia ter sido destruído", escreveu.
Na época, o texto gerou enorme comoção política à esquerda e à direita.
Polêmica antiga
A origem do debate vem ainda de mais tempo.
"O debate que se tem registrado em Portugal, nos últimos meses, a respeito da permanência de monumentos e símbolos no espaço público conotados com o colonialismo ou o racismo, por um lado, e com determinadas leituras sobre o passado colonial português e as formas de o memorializar, por outro, já têm algum lastro, na verdade", afirmou a Nossa Andre Caiado, pesquisador da Universidade de Coimbra, que fez seu doutorado sobre patrimônio e memória.
Ele cita que ainda em 2017, a inauguração de uma estátua do Padre António Vieira, em Lisboa, levou a chamamentos a manifestações de protesto e de contraprotesto, mas que acabaram não acontecendo.
Também em 2108 e 2019, foram feitas pichações no "monumento ao Esforço Colonizador", no Porto, e na estátua de homenagem a Pedro Álvares Cabral, na praça homônima em Santarém. "Não tiveram, contudo, tanto destaque mediático", lembra Caiado.
Mudanças nos contextos globais e nacionais fizeram com que esse tipo de manifestação passe a mobilizar a opinião pública de maneira mais ampla em Portugal, explica o historiador.
Desde que começou o movimento #Statues Must Fall, a estátua lisboeta do Padre António Vieira voltou a ser pichada e, dias mais tarde, em Coimbra, um busto do fundador do escotismo, Baden Powell, foi decapitado.
Dentro do país, o debate ganha peso por dois fatores, indica Caiado. Um deles é deve-se ao protagonismo de cidadãos e associações antirracistas, grupos e movimentos de afrodescendentes e acadêmicos, que têm levado esses questionamentos para a esfera pública.
Também há o papel de grupos e partidos conotados com a direita ou a extrema direita. Agindo ativamente para polarizar estes debates, procuram capitalizar estas polêmicas para fins políticos", afirma.
Solução: manter a polêmica
O Padrão dos Descobrimentos foi erguido pelo ditador Antonio Salazar (1932-1968), com o propósito de glorificar o imperialismo colonialista enquanto lutava para manter as colônias na África.
No artigo que falava sobre a demolição do monumento, Ascenso escreveu: "Os regimes totalitários constroem uma história privativa. Em Portugal, o salazarismo foi muito eficaz nessa construção, garantindo, até hoje, a perenidade dos mitos do desígnio português, dos descobrimentos, ou do império."
Mas se a demolição de um momento tão grande e visitado — em 2019, antes da pandemia, o Padrão recebeu mais de 300 mil visitantes, 90% dos quais turistas estrangeiros — pode parecer um exagero, levar a cabo o papel de questionar a glorificação do passado talvez seja uma forma de reabilitá-lo.
Desde 2013, a empresa que gere o espaço faz com frequência exposições com temáticas que tratam de racismo, violência dos exploradores, vida nas antigas colônias.
Em meu entendimento, estes atos de ressignificação deveriam ser mais frequentes e ambiciosos, devendo para tal ser enquadrados institucionalmente, de forma a serem dotados de verbas financeiras e recursos técnicos, humanos e formais para a sua concretização", defende Caiado.
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