Após acusações de racismo, Farm anuncia novo líder: "Não dá para ignorar"
O jornalista Diego Francisco foi anunciado neste mês como o novo Head de Marketing da Farm. A marca carioca dá um passo para tentar uma reinvenção, com a promessa de "representar a pluralidade e a diversidade na moda brasileira". A nova liderança vem depois de uma série de acusações de racismo e apropriação cultural contra a etiqueta nos últimos anos.
A mais recente delas envolveu Kathlen Romeu, que trabalhou em uma das lojas físicas da Farm em Ipanema, no Rio de Janeiro. No dia 8 de junho de 2021, a jovem, de 24 anos e grávida de 14 semanas, foi assassinada com um tiro no tórax, na comunidade Lins Vasconcelos, Zona Norte do Rio de Janeiro. A família acusa a Polícia Militar pelo crime e a corporação nega o envolvimento.
Com o assunto gerando repercussão na mídia e nas redes sociais, há dois meses, a marca carioca decidiu compartilhar o código que a funcionária utilizava para marcar suas vendas, a fim de criar uma "campanha social", que destinaria parte dos lucros obtidos à família de Kathlen.
Assim que divulgada, a iniciativa recebeu uma onda de acusações de racismo — que apontavam a "insensibilidade pelo caso brutal" e o uso inadequado de sua imagem para o marketing das roupas.
Como resposta, a Farm se desculpou em um comunicado oficial, informando que reverteriam 100% das vendas do código à família da jovem assassinada e assumindo a responsabilidade pela gravidade do ato.
Em entrevista para Nossa, Diego Francisco, o novo líder do marketing da Farm, relembrou o caso. O jornalista, antes de ser contratado pela marca, participou do gerenciamento de crise na época, como um dos integrantes do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), parceiro do Grupo Soma — dono da Farm e Animale — desde 2019.
"Não dá mais para ignorar quando alguém diz que estamos nos apropriando de algo", diz.
Essa nossa última experiência na Farm produziu uma reflexão para entender que nós podemos ir para esse lugar, de liderar esse debate na moda brasileira".
Mais polêmicas
Antes do caso de Kathlen Romeu, a label carioca enfrentou outro episódio que envolvia acusações de racismo. Em 2017, foi lançada uma estampa que retratava pessoas negras como escravas no Brasil. A "Ruas do Mar", como foi nomeada, sofreu repercussão negativa, o que fez com que a Farm retirasse os produtos disponíveis nas lojas físicas e virtuais.
"Ficamos tristes com a repercussão negativa despertada por ela. Não era esta a nossa intenção (...) Pedimos desculpas a todos pelos sentimentos negativos gerados", lamentaram em comunicado.
Em 2014, a figura de Iemanjá levou a Farm a ser acusada de apropriação cultural. A marca, há sete anos, utilizou uma mulher branca para representar o orixá de origem africana.
A imagem levou o rapper Emicida a se pronunciar sobre a iniciativa: "Usar a cultura afro como base de criação de elemento de autenticidade sempre. Empregar modelos negros nunca. Racismo brasileiro onde ninguém é e assim todos são livres para continuar sendo sem culpa. Triste, mas sem novidade", escreveu o artista.
André Carvalhal, que assumia o cargo de gerente de marketing da Farm nesse ano, respondeu: "Não era de exaltação de nada, nem ninguém. É uma fantasia. Fantasia não tem raça, pode ser usada por qualquer um. Não representa bandeira alguma da marca seja de sexo, religião ou raça".
Debate sobre apropriação cultural
O tema, como um todo, foi mencionado também por Diego Francisco, o novo diretor de marketing, durante a conversa com Nossa. Quando questionado sobre como a moda pode ser inclusiva atualmente, ele responde sobre a necessidade de "olhar para diferentes pontos de partida".
A construção de um produto, em suas palavras, deve ir muito além do desenho de uma estampa, mas ser pensada também nos "diferentes corpos que vão utilizar e as diferentes histórias que vão se apropriar desse produto".
Diego denomina o conceito de apropriação cultural em si como complexo, associando a discussões gigantescas na sociologia, antropologia e história:
A mesma definição de cultura é complexa também. O que é cultura? Não existe uma maior, menor, mais importante ou menos importante".
A sensação de apropriação cultural, segundo ele, tem como origem uma narrativa mal construída: "Hoje, o que é entendido como apropriação cultural, amanhã pode não ser", opina Diego. "Depende muito da reputação e a história que você tem para contar sobre isso. Não adianta ser uma marca que ignora essas populações para sempre ou não tem espaços de liderança com essas comunidades, e aí você simplesmente inclui um produto como esse no seu portfólio".
Ainda sobre o assunto, Diego reforça a importância de diferenciar-se racismo de apropriação cultural, sendo esse último um "incômodo gerado por uma apropriação de algo que não faz parte da história e narrativa", enquanto o primeiro é uma "manutenção de uma imagem racista".
"A gente precisa saber para onde está caminhando", diz ele. "É algo a ser construído e não acontece rápido, não muda de uma hora para outra. A gente pode até pensar: 'estamos aqui com uma excelente intenção e as pessoas não conseguem perceber'. No entanto, precisamos entender o tempo disso".
Para liderar o debate na moda brasileira, temos que incluir todos os 'Brasis' que o Brasil tem. Trazer um pouco mais de todas características e construir a legitimidade de carregar esse papel [...] O que a gente chama de crise é também a sociedade cobrando de uma marca, como a Farm, que tem grande potencial e poder ter ainda mais".
Diversidade em questão
A Farm foi acusada de homofobia, também em 2014, após um cliente compartilhar no Facebook ter sido hostilizado por uma funcionária por querer comprar uma roupa feminina.
Já em 2017, como apurado por Universa, mãe e filha sofreram gordofobia em uma das lojas físicas. Segundo elas, mesmo com o estabelecimento vazio, as funcionárias, em vez de atendê-las, faziam comentários e trocavam risadas entre si.
Em ambos os casos, cada um a sua época, a Farm reforçou que "este tipo de atitude não faz parte do que acreditam ou celebram", ofereceu um pedido de desculpas e conversou com suas funcionárias, como um "exemplo do que não deve ser feito" e de que "todos são bem-vindos".
O olhar atento a toda a diversidade, principalmente na era digital, é outra responsabilidade de Diego Francisco.
"Apesar de termos essas discussões há muito tempo, agora temos uma nova arena de debate, impulsionada pelas redes sociais. Essas discussões ganham outro patamar", comenta ele ao mencionar as adições de mais trajetórias para serem observadas, como com a comunidade negra e LGBTQI+.
Estratégia de reinvenção
Anunciar novas lideranças e ações voltadas à diversidade não é algo novo na indústria da moda. A exemplo disso, podemos mencionar algumas grifes internacionais que, após serem acusadas de racismo ou apropriação cultural, também decidiram se reinventar.
Depois de lançar um suéter de lã preta que se assemelhava ao "blackface", a Gucci anunciou, em 2019, Renée Tirado como diretora global de sua primeira divisão de diversidade, equidade e inclusão — criada logo após o incidente. De acordo com a grite italiana, o objetivo "era criar novas estratégias para aumentar a representatividade e tornar o ambiente de trabalho mais inclusivo".
Além da Gucci, a Prada, em 2021, anunciou uma série de programas voltados a esse universo depois que, em 2018, a Comissão de Direitos Humanos de Nova York abriu um inquérito contra a grife por vender estatuetas que remetiam às caricaturas historicamente usadas para desumanizar os negros.
A Chanel, por sua vez, deu um passo à frente e procurou se blindar de protagonizar polêmicas. Em 2019, a grife francesa contratou Fiona Pargeter para o cargo recém-criado de Diretora Global de Diversidade e Inclusão.
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