Disfarce e silêncio: brasileiro driblou o Taleban em visita ao Afeganistão
O brasileiro Mike Weiss, de 38 anos, já pisou em mais de 150 países e, no último mês de março, teve a oportunidade de visitar o território que ganhou as manchetes do mundo nesta semana: o Afeganistão.
E a jornada foi uma das experiências mais únicas que ele viveu em sua longa trajetória como viajante.
Ao circular pelo país asiático, Mike cruzou áreas onde já havia significativa presença do Taleban e, para evitar ser reconhecido pelo grupo, teve que, literalmente, se disfarçar de afegão.
Durante quase todo o tempo, usei as mesmas roupas que os nativos utilizam. Também deixei a barba crescer e, quando estava no meio de muita gente na rua, evitava falar alto, para que as pessoas não percebessem que eu era alguém de fora", conta ele.
O brasileiro afirma que a maioria dos afegãos é extremamente pacífica, receptiva e amigável com estrangeiros. Mas esta atitude não existe entre membros do Taleban.
"Na interpretação do islamismo feita pelo grupo, nós, ocidentais, somos infiéis. E isso pode nos transformar em alvo deles. E os talebans não têm um uniforme, como a polícia ou o exército. Quando estive no Afeganistão, alguns deles poderiam estar no meio da multidão e perceber que eu era estrangeiro. Por isso, me preocupei em parecer como um local a todo momento".
Mike tem amigos afegãos, que conheceu em viagens anteriores pelo mundo. E estas pessoas o ajudaram a viajar com mais segurança pelo país.
Ele ficou um total de 10 dias no Afeganistão e, durante este tempo, visitou alguns dos principais atrativos do território, como o Parque Nacional Band-e-Amir, o Vale do Panjshir e a área dos antigos Budas de Bamiyan, gigantescas estátuas budistas destruídas pelo Taleban em 2001.
Em grande parte de suas locomoções, utilizou carros de seus amigos, o que o deixava incógnito nas estradas.
Mas isso não impediu que ele se visse frente a frente com o grupo extremista islâmico.
"Medo de ser extorquido. Ou pior"
Um dia, ao sair da cidade de Cabul e viajar rumo a Bamiyan, Mike conta que chegou a um trecho de estrada que já estava controlado pelo Taleban.
"Eu estava em um carro guiado pelo meu amigo afegão e junto com um casal de brasileiros que viajou comigo. E já sabíamos que eram membros do Taleban os responsáveis pelo controle daquela rota", relata o brasileiro.
Eles poderiam pedir os documentos das pessoas e fiscalizar todos os veículos. O medo de sermos reconhecidos como estrangeiros era real. Se isso acontecesse, eles poderiam querer nos extorquir ou nos sequestrar".
Mike conta que, na hora, seu amigo afegão falou para que ele entregasse seu celular para a brasileira que estava no carro. "Ele disse que os talebans não revistam mulheres. E isso impediria que eles pegassem nossas fotos, mas não impediria que notassem que éramos estrangeiros. Tivemos que apostar na sorte para poder passar sem sermos revistados".
Com todos discretos e vestidos como afegãos dentro do carro, os membros do Taleban não pararam seu veículo — e eles puderam seguir viagem com mais tranquilidade.
E Mike se encantou com muitos lugares que visitou nestes trajetos.
"O Afeganistão é um país de lindas belezas naturais. E o local mais belo em que estive lá foi o Parque Nacional Band-e-Amir. É um cenário natural com lagos, vaquinhas pastando na grama, estradas cercadas por cerejeiras e montanhas cobertas de neve".
Já no Vale do Panjshir, o brasileiro tirou fotos em cima da carcaça de um tanque soviético destruído nos anos 1980, durante a malfadada ocupação da União Soviética no Afeganistão.
E, em Bamiyan, ele pôde ver de perto, em paredões rochosos, os enormes vácuos deixados pela destruição das enormes estátuas budistas, que tinham sido construídas, provavelmente, entre os séculos 6 e 7 d.C. (e com uma delas chegando a mais de 50 metros de altura).
Com poucas pessoas ao seu redor nestes lugares, Mike conseguiu se portar mais como turista, tirando fotos e falando alto sem medo de ser reconhecido por algum possível membro do Taleban.
Tristeza pelas mulheres
Em Bamiyan, o brasileiro também conheceu um mercado de artesanatos que era inteiramente gerido por mulheres.
"São mulheres empreendedoras. E consegui conversar com a filha da idealizadora do mercado, que me falou da luta que elas travaram para construir aquele espaço. Algumas delas haviam ido ao exterior para representar o Afeganistão em feiras.
E me dá muita tristeza pensar no que vai acontecer com elas. Nos últimos anos, elas ganharam uma liberdade que, agora, vai ser tolhida pelo Taleban".
Mike também tem mantido contato com seus amigos afegãos desde que o grupo extremista islâmico reassumiu o poder no país. "Neste primeiro momento, estão todos recolhidos em casa e com medo, sem sair na rua. De repente, acabou a liberdade de todo mundo".
E o brasileiro faz questão de recordar um dos momentos mais especiais que viveu no Afeganistão.
"Lá, participei da celebração do Nowruz, que marca o Ano Novo deles. É uma festa de esperança por dias melhores. Nesta data, os afegãos usam roupas novas, como símbolo de renovação.
Estávamos todos muito esperançosos de que o Afeganistão poderia viver tempos de paz. E, por isso, é muito triste ver o que aconteceu no país nos últimos dias".
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