Família Schurmann parte para nova volta ao mundo; veja detalhes da aventura
É nos oceanos que acontece quase toda a química fundamental para a manutenção do planeta, da regulação do clima ao ar que respiramos.
E foi de lá que veio também a voz que inspirou a nova expedição da Família Schurmann que, no próximo domingo, 29, sai para mais uma volta ao mundo a bordo do veleiro Kat, em um roteiro de 24 meses que passará por cerca de 60 pontos, entre o Brasil e a Oceania.
Há sete anos, durante uma expedição até a Ásia inspirada nas viagens do explorador chinês Zhen He, a família se chocou com a quantidade de lixo encontrado em West Fayu, um atol minúsculo com menos de três quilômetros de comprimento, na Micronésia.
Quando paramos o barco, você não podia imaginar a quantidade de lixo que encontramos em uma praia de apenas 150 metros. Enchemos um inflável inteiro só com plástico para ser compactado no nosso barco", lembra Vilfredo
Com apoio do PNUMA, programa da ONU para o Meio Ambiente, da Fundação Plastic Soup e de empresas privadas, o projeto "A Voz dos Oceanos" parte com o objetivo de documentar a poluição plástica encontrada nos endereços mais remotos do planeta.
"Diferente das outras, que eram viagens em família ou com um objetivo histórico, esta expedição tem olhos para o futuro. É uma viagem com um propósito de vida e pelo bem do planeta", conta Heloisa.
E pela empolgação dos dois durante entrevista exclusiva para Nossa, cinco dias antes de ganharem o mundo outra vez, dava para ver que esses experientes marinheiros partem como se fosse a primeira.
É uma paixão voltar para o mar e navegar com uma missão. O entusiasmo é o mesmo", descreve Heloisa.
"E é o friozinho na barriga também", brinca Vilfredo.
Viagem com ciência
A tripulação de oito pessoas passará dois anos singrando mares no Caribe, Estados Unidos, Galápagos e Polinésia.
Parece até viagem dos sonhos, mas não é. Nem aqui, nem no Ponto Nemo, conhecido também como "Polo da Inacessibilidade do Pacífico" por ser o local no planeta mais distante de qualquer outra terra firme (e por onde os Schurmann também devem passar).
Esta será a viagem mais científica dessa família, que em 37 anos de mar já carrega no currículo três voltas ao mundo, como a de dez anos de duração e 120 mil quilômetros navegados, entre 1984 e 1994.
Assim como lembra Vilfredo, serão analisadas 21 propriedades das águas a partir de um equipamento alemão que fará análises a cada minuto, e de um drone que produzirá imagens hiperespectrais (espécie de registro da composição química por meio de imagens) em busca de microplásticos encontrados em até dois metros de profundidade.
Porém a primeira família latino-americana a circunavegar o mundo em um veleiro não estará sozinha naquela solidão oceânica. Além do apoio dos filhos David e Pierre ("nossos tripulantes de terra", nas palavras de Heloisa), ao longo da travessia, o público poderá acompanhar pela internet o quanto será produzido e consumido, como a quantidade de óleo e energia.
Temos banda larga dentro do barco, então as pessoas saberão também o que cada país está fazendo ou não com relação ao plástico e os desafios que cada um deles tem, além de propormos soluções", explica Vilfredo.
Até a última terça-feira, quando a reportagem falou com o casal por chamada de vídeo, as malas não estavam totalmente prontas e a tripulação ainda aguardava os últimos detalhes, como o bote salva-vidas que voltava da revisão, pouco antes desta entrevista.
"Tudo acontece ao mesmo tempo, mas até sexta ou sábado está tudo pronto para a gente partir", garante Formiga, o apelido que Heloisa ganhou do filho Pierre, ainda pequeno, por ela ser tão dinâmica e agitada como a Formiga Atômica dos desenhos animados.
E mesmo com a experiência de quase quatro décadas no mar, a sensação nos dias que antecedem a partida é sempre a de ser a primeira viagem de uma eterna família aprendiz.
A única certeza que se tem, porém, é que sob os pés irão 71 toneladas e mais de 12 quilômetros de fios e cabos.
Veleiro sustentável
Com 24 metros de comprimento, mais de seis metros de largura e área vélica de 505 m², o veleiro Kat é o primeiro a ser construído pelos Schurmann, que fizeram questão de ter uma embarcação autossustentável, um dos únicos modelos do gênero no Brasil.
A energia 100% limpa do veleiro é gerada a partir de painéis solares e hidrogeradores, e seis tanques de 80 litros farão o tratamento do esgoto a partir de um compressor de ar e luzes ultravioletas, cuja tecnologia Vilfredo pretende levar também para barcos pequenos no Brasil, onde poucas embarcações contam com tratamento de esgoto.
O veleiro, que levou dois anos e seis meses para ficar pronto, carrega também uma máquina de triturar vidro, cujos resíduos serão doados nas pequenas vilas por onde a expedição passar.
Aliás, as viagens dos Schurmann são conhecidas pela interação com a população ao redor do mundo, como o dessalinizador que o veleiro Kat levava na Expedição Oriente, entre 2014 e 2016, doado à população de Gonubalabala, na Papua-Nova Guiné, que sofria com a falta de água.
"Temos também um aparelho hidráulico que compacta 80% do lixo. Na última expedição com 11 pessoas durante 25 dias na Antártica, tínhamos três pacotinhos assim", lembra Vilfredo aproximando as mãos para mostrar as dimensões reduzidas do lixo gerado ao final da viagem.
Mas o maior orgulho do casal são as duas hortas do veleiro que, em plena imensidão oceânica, oferecem produtos frescos como salsinha e manjericão.
Nos ventos da pandemia
A rota da viagem já está traçada até 2023, quando a família chega à Nova Zelândia, depois de ter passado por destinos como as Bahamas, no Caribe, as Bermudas, no Atlântico Norte, e a Ilha do Coco, na Costa Rica.
Como lembra o capitão Vilfredo, o roteiro é sempre feito de acordo com a temporada de furacões na região do Caribe e da costa leste dos Estados Unidos. "A questão meteorológica é uma das nossas maiores preocupações", conta a matriarca dessa família que já encarou tempestades na Patagônia e ventos extremos na Antártica.
Eles só não esperavam a tempestade chamada "pandemia de coronavírus".
Apesar de a tripulação estar vacinada e seguir todos os protocolos de segurança sanitária, Heloisa avisa que querem evitar causar aglomeração nos locais onde irão atracar, uma tarefa nem sempre fácil, sobretudo pela curiosidade da população de pequenas ilhas quando chega um veleiro com gente de tão longe.
Ela conta também que estão preparados para algum possível fechamento de fronteiras, caso a pandemia tome outros rumos em alguns países do roteiro. Até o Ministério das Relações Exteriores e a ONU já foram acionados para assim evitar problemas na chegada em cada porto.
Se for preciso, no caso de alguma fronteira fechar, iremos desviar a rota para outro país. Nós já estamos fazendo esse planejamento também"
Mas para essa família que fez do mundo sua escola a céu aberto (literalmente, se considerarmos os estudos dos filhos por correspondência na viagem dos anos 80), os Schurmann fizeram da pandemia seu maior aprendizado.
Isolados em 2020 (ela em São Paulo com o filho David e o neto, e Vilfredo em quarentena nas Malvinas com o filho Wilhelm e a esposa), eles aproveitaram o momento para adquirir novos conhecimentos, inclusive o tecnológico que eles não tinham.
"As outras expedições foram a nossa universidade, e essa vai ser o nosso "doutorado" de todas as expedições. Embora o mar seja igual desde a época de Cabral, com as mesmas tempestades, ele nos ensina uma lição todos os dias", compara a ex-professora graduada em Pedagogia.
E, desta vez, eles querem que a gente aprenda juntos com eles a ser também a voz dos oceanos.
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