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"A volta do turismo já está acontecendo", diz diretor do Airbnb

Leonardo Tristão,  diretor-geral do Airbnb na América do Sul - Tulio Vidal/Divulgação
Leonardo Tristão, diretor-geral do Airbnb na América do Sul Imagem: Tulio Vidal/Divulgação

Adriana Setti

Colaboração para o UOL, de Menorca, Espanha

27/08/2021 04h00

A maior busca por viagens que os analistas de tendência previram com o avanço da vacinação já está acontecendo. No segundo trimestre de 2021, o Airbnb já teve mais reservas no Brasil do que no mesmo período de 2019, antes da pandemia.

"As pessoas querem se reconectar com amigos e parentes e uma viagem é a melhor forma de fazer isso", diz Leonardo Tristão diretor-geral do Airbnb na América do Sul, que conversou com Nossa sobre a retomada do turismo, a redescoberta do Brasil e os novos hábitos de viagem que vieram pra ficar:

Analistas de tendências têm falado de um "estouro da boiada" assim que as pessoas estiverem vacinadas e as fronteiras abrirem, o que já está em andamento. Você acha que isso vai mesmo acontecer?
Já está acontecendo. As pessoas passaram um ano e meio com a vida totalmente impactada pela pandemia, tanto no trabalho como nas relações pessoais e no lazer. Agora, elas querem uma reconexão e viajar é um dos melhores jeitos de fazer isso.

Recentemente, encomendamos uma pesquisa da Ipsos [empresa multinacional de inteligência de mercado] sobre esse tema e descobrimos que 84% dos entrevistados pretendem fazer uma primeira viagem para se reconectar com amigos e parentes. Com o avanço da vacinação, vemos isso claramente no Brasil, a ponto de, no segundo trimestre de 2021, termos recebido mais reservas do que no mesmo período de 2019, antes da pandemia.

Os governos estão anunciando que haverá uma retomada das festas e do Carnaval essa perspectiva também está se refletindo nas nossas reservas. Já temos uma demanda muito grande para os feriados do segundo semestre e para o Réveillon.

Leonardo Tristão, do Airbnb - Tulio Vidal/Divulgação - Tulio Vidal/Divulgação
Leonardo Tristão, do Airbnb
Imagem: Tulio Vidal/Divulgação

Na data do Halloween, por exemplo, o Airbnb reforçou ainda mais a política antifestas que vem adotando nos Estados Unidos e em outros países. Deve existir alguma medida do gênero no fim do ano no Brasil?
Estamos monitorando a situação para ver se faz sentido implementar uma política antifesta no Brasil, mas ainda não há nada concreto. De toda forma, esse é um tema muito importante para nós. Tanto é que, em abril, lançamos a ferramenta do vizinho para que qualquer pessoa possa usar esse canal para reportar festas.

Há quem preveja um fenômeno de "revenge travel", ou seja, uma época de exageros, com gastança desenfreada. O Airbnb já detectou algo nesse sentido?
A diária média no segundo trimestre de 2021 foi de US$ 161, representando um aumento de 41% em comparação ao mesmo período do ano anterior em termos globais. Mas as pessoas também estão viajando em grupos maiores, com suas bolhas de familiares e amigos, o que contribui para esse aumento.

É difícil falar em gastança desenfreada no Brasil de hoje. Estamos em uma situação diferente dos países desenvolvidos do ponto de vista do acúmulo de poupança. Por aqui, uma pequena parte da população economizou com a redução forçada do consumo e vai contribuir para a retomada das viagens.

Mas, por outro lado, a maioria sofreu um impacto muito grande na pandemia e teve queda de rendimento. O que nós observamos é um número crescente de anfitriões brasileiros. São pessoas que enxergam o outro lado da moeda dessa retomada, ou seja, uma oportunidade para obter renda extra para cobrir os gastos.

Mala de viagem com novos itens "obrigatórios": máscaras e álcool em gel - Getty Images - Getty Images
Mala de viagem com novos itens "obrigatórios": máscaras e álcool em gel
Imagem: Getty Images

Vocês acham que conseguiram conquistar a confiança do viajante que, até a pandemia, nunca tinha usado o Airbnb?
Sim. Muita gente chama o Airbnb de acomodação alternativa, mas a verdade é que na pandemia ele está sendo a principal.

Desde o início, vimos que os brasileiros estavam até reservando acomodações na mesma cidade, buscando espaços maiores para acomodar a nova dinâmica de vida. Ou então em lugares remotos, para se isolar.

E, se as pessoas decidirem amanhã que é a hora de voltar em massa a São Paulo ou outros centros urbanos, também vamos conseguir acomodá-las. Foi justamente a capacidade de adaptabilidade e flexibilidade do nosso modelo de negócio que atraiu os novos usuários.

A busca por locais tranquilos para conjugar isolamento com o "resort office" saltou na pandemia - Zsuzsa Darab - Zsuzsa Darab
A busca por locais tranquilos para conjugar isolamento com o "resort office" saltou na pandemia
Imagem: Zsuzsa Darab

Que impacto a possibilidade de fazer home office está tendo no Airbnb no Brasil?
Esse é o ponto onde observamos uma verdadeira quebra de paradigmas durante a pandemia -- e que terá continuidade. As pessoas estão mais flexíveis. E isso tem muito a ver com trabalho e estudo no modelo remoto ou híbrido. Essas novas possibilidades transformaram completamente a jornada que o viajante empreende até tomar uma decisão.

Antes, o tradicional era: definir o destino, ver como chegar até lá e decidir onde se hospedar. Agora, as pessoas estão procurando, em primeiro lugar, o que é importante para manter a comodidade.

A pergunta que elas fazem é: onde consigo encontrar a acomodação que vai me permitir manter a harmonia entre trabalho, lazer e vida pessoal?

Vemos isso acontecer de uma forma muito forte, tanto é que 40% dos nossos hóspedes mostraram flexibilidade em datas ou em destinos durante a pandemia. Desde que lançamos a busca flexível em fevereiro deste ano, a ferramenta foi usada mais de 500 milhões vezes! Aqui no Brasil, são pessoas tentando encontrar a melhor acomodação para elas, seja no interior de São Paulo, no litoral do Rio de Janeiro ou na Bahia, desde que tenha wi-fi bom, cozinha equipada, estacionamento, ar-condicionado e aceite pets — as cinco amenidades que vêm sendo valorizadas para esse tipo de viagem.

Como reflexo da pandemia, o brasileiro está "redescobrindo" as viagens nacionais  - Getty Images - Getty Images
Como reflexo da pandemia, o brasileiro está "redescobrindo" as viagens nacionais
Imagem: Getty Images

E que consequências essa quebra de paradigmas está tendo para o turismo no Brasil?
Essa quebra de paradigmas tem duas consequências importantes. A primeira é um impacto em estadias mais longas. No primeiro trimestre deste ano, 22% de todas as noites reservadas no Brasil foram para diárias de 28 dias ou mais. O segundo ponto é que o turismo está sendo descentralizado. Isso é um legado muito bacana para o Brasil.

Existe uma procura muito grande de lugares fora dos roteiros tradicionais. Em destinos com menos de 50 mil habitantes, por exemplo, houve um crescimento de 50% na demanda. O Brasil está sendo redescoberto!

As pessoas deixaram de viajar simplesmente para o Rio de Janeiro, Florianópolis ou Salvador e estão explorando Serra Negra, Cunha e Piracaia, no interior São Paulo. Ao invés de Rio de Janeiro, querem Itatiaia. Na Bahia, Prado está em alta. E isso está acontecendo no Brasil inteiro, principalmente em um raio de 500 quilômetros ao redor das capitais, até onde as pessoas podem chegar de carro.

Colocando uma lente internacional, também observamos um interesse por destinos além de Orlando, Miami, Paris ou Barcelona. Essa tendência é parte do mesmo movimento que a gente está vendo aqui.

Turismo da vacina 1 - Getty Images - Getty Images
Com a ampliação da vacinação, os países começam a abrir fronteiras com regras próprias
Imagem: Getty Images

Os brasileiros já começaram a viajar para os países permitidos no exterior?
É muito cedo para dizer, porque essa abertura é muito recente. A expectativa que temos é que, com a vacinação em curso e os países aceitando brasileiros totalmente vacinados, esse fluxo cresça. Mas, a médio prazo, o que eu espero é que exista um equilíbrio maior entre viagens internacionais e domésticas.

O brasileiro está descobrindo que pode ter uma experiência muito legal sem ir ao exterior, com mais facilidade, sem deslocamento aéreo.

Além disso, o real se enfraqueceu muito diante do dólar e do euro, o que cria uma barreira para a retomada do ritmo de antes.

Um ano atrás, quando o Airbnb lançou os seus protocolos de limpeza direcionados à covid-19, a higiene era a maior preocupação dos viajantes. As pessoas já estão mais tranquilas quanto a isso?
É muito difícil mesurar, porque se trata de uma questão pessoal. Do nosso lado, essa preocupação continua. Os protocolos avançados que desenvolvemos e implementamos na plataforma continuam valendo e os novos anfitriões precisam passar pelo treinamento.

No primeiro trimestre deste ano, 22% de todas as noites reservadas no Brasil pelo Airbnb foram para diárias de 28 dias ou mais - Getty Images - Getty Images
No primeiro trimestre deste ano, 22% das reservas no Brasil pelo Airbnb foram para diárias de 28 dias ou mais
Imagem: Getty Images

As acomodações compartilhadas do Airbnb, vocação original da plataforma, foram as que mais sofreram com a pandemia. Já está havendo alguma retomada nesse sentido?
Em termos de tendência, não vimos essa chavinha virar ainda. A grande maioria das reservas é para espaços inteiros. Pode ser que isso mude quando a população estiver predominantemente vacinada e as pessoas comecem a se sentir mais confiantes. Mas hoje a realidade não é essa.

A flexibilidade de cancelamento virou praticamente uma condição na hora de reservar uma viagem. Para os viajantes, isso é ótimo. Mas as políticas de flexibilidade do Airbnb vêm sendo alvo de muitas queixas dos anfitriões. A empresa tem algum plano para equilibrar essa balança?
Esse foi um tema muito difícil para nós, mas acabamos ficando do lado dos governos que, em março de 2020, estavam pedindo para as pessoas ficarem em casa. De lá pra cá, acho que evoluímos bastante. Agora, as pessoas que fazem uma reserva sabem da volatilidade que a pandemia pressupõe. Ao mesmo tempo, os anfitriões voltaram a poder contar com cláusulas de cancelamento mais equilibradas.

É claro que, se alguém prova que está com covid-19, não queremos que essa pessoa viaje. Mas, hoje, incentivamos a comunicação entre hóspedes e anfitriões para que essa viagem aconteça no futuro. Deixamos nas mãos de ambas as partes.

A redescoberta do Brasil

As reservas em destinos com menos de 50 mil habitantes cresceu 50% com a pandemia. Veja os lugares em alta:

Cunha, SP
Itatiaia, RJ
Mata de São João , BA
Torres, RS
Camanducaia, MG
Imbituba, SC
Porto Belo, SC
Itacaré, BA
Pirenópolis, GO
Ilhabela, SP