Expert em fotos da Via Láctea indica locais no Brasil para cliques noturnos
O fotógrafo e astrofísico Marcos Terra (@mf.terra), 29, cresceu na montanhosa Conceição dos Ouros, cidade de pouco mais de 11 mil habitantes, encravada no Vale do Sapucaí, no extremo sul de Minas Gerais.
Mas bastou um amigo propor uma viagem terrestre até Cusco, no Peru, em 2012, para Marcos se dar conta de que era hora de tomar novas estradas.
"Quatro dias depois, eu estava dentro do ônibus. Senti que alguma coisa me chamou naquele momento", descreve a Nossa esse físico que trocou a Engenharia Elétrica por exoplanetas, telescópios e astrofotografias.
E se a morte da irmã em um acidente de carro, há exatos 10 anos, ainda lhe rondava as ideias, foi nas cordilheiras dos Andes que descobriu que aquela era a hora da virada.
"Em La Paz, quando vi a Illimani [a segunda montanha mais alta da Bolívia] comecei a chorar e me imaginei no cume dela. Senti que era o meu lugar e que eu pertencia àquilo", conta Marcos que, depois da experiência, decidiu que todo o ano subiria um cume na América do Sul.
Quando não está no topo de alguma montanha de uma das cordilheiras mais extensas do mundo, é no quintal de casa que esse fotógrafo faz os registros que ilustram este matéria.
No pé da serra
Atualmente, Marcos mora em Itajubá, no pé da Serra da Mantiqueira, onde se refugia para fazer fotografias inspirado em seus estudos técnicos sobre telescópios (e todas as outras engenhocas complexas que a gente não tem ideia para que serve).
Na minha iniciação científica percebi que um telescópio é como uma lente e tem a mesma física aplicada em uma câmera"
"Os processos físicos de um valem para o outro, e a trajetória da luz é a mesma", explica o astrofísico que, até o início da pandemia, conduzia worskhops de fotografia e fazia saídas guiadas na Serra da Mantiqueira.
Localizada entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, a Mantiqueira é uma cadeia montanhosa que abraça destinos turísticos como Campos do Jordão (SP), Monte Verde (MG), Penedo (RJ), Visconde de Mauá (RJ), Aiuruoca (MG) e Gonçalves (MG).
A inspiração para fazer suas fotos noturnas dos céus da região é facilitada pela pouca poluição luminosa em destinos muito próximos a pequenas cidades, por onde costuma viajar sem roteiro definido.
Vou pelo cenário da Mantiqueira e pelas possibilidades de composições que ela oferece"
Um dos seus locais preferidos é o Parque Nacional do Itatiaia, cujos abrigos internos para montanhistas, como o Rebouças, em Itamonte, garante bons registros noturnos.
"O parque tem um um céu surreal. A qualidade é impecável por conta da altitude, e isso é muito importante para o registro da Via Láctea", uma de suas especialidades fotográficas.
Criado em 1937 como o primeiro parque nacional do Brasil, nos municípios fluminenses de Itatiaia e Resende, o Itatiaia fica a uma altitude que varia de 600 a 2.791 metros, cujo ponto culminante é o Pico das Agulhas Negras.
Quanto menos massa de ar a luz precisa cruzar para chegar até os nossos olhos ou à câmera, menos essa luz vai ser espalhada e mais intenso será o brilho do objeto que estamos observando, como as estrelas"
Marcos lembra também que a melhor época para registrar a Via Láctea é durante o inverno, quando o tempo é mais seco e o centro dela fica visível no céu. "Esteticamente é a parte mais bonita da Via Láctea para fotografar", acredita o fotógrafo.
Outro destaque na Mantiqueira é a Serra Fina, entre Itamonte e Passa Quatro (MG), uma das travessias mais desejadas pelos praticantes de escalaminhadas, como são conhecidas as trilhas que, embora não sejam técnicas, têm trechos de escaladas.
Com pico a 2.798 metros, na Pedra da Mina, a Serra Fina é considerada o teto da Mantiqueira e é famosa pela grande variação de altitude e elevado grau de exigência, em roteiros de até quatro dias de trilha sobre as cristas da montanha. Infelizmente, devido aos incêndios do ano passado, essa Área de Proteção Ambiental deve permanecer fechada até dezembro para recuperação.
Em Minas Gerais, Marcos recomenda também o Parque Estadual da Serra do Papagaio, em uma área remanescente de Mata Atlântica, em Aiuruoca.
Lá é melhor ainda com relação à luz porque não tem nenhuma cidade perto. O Pico do Papagaio é a coisa mais linda e a região tem muita cachoeira a céu aberto que facilita na hora de compor as fotos"
O mineiro só não recomenda ir durante o verão, quando "não tem Via Láctea no céu" e as subidas às montanhas ficam mais perigosas, devido ao excesso de chuvas e à alta quantidade de descargas elétricas.
"Na Lua Cheia, então, nem pensar. O brilho dela ofusca a Via Láctea", avisa o fotógrafo, que costuma pesquisar as condições dos céus em sites que mapeiam as cidades de acordo com a poluição luminosa, como o Light Pollution Map. Para ver a posição dos astros, Marcos recomenda programas como o Photopills e o Stellarium.
Virada do universo
Quando começou a trabalhar com astrofotografia, suas fotos chamavam mais a atenção pelo inusitado dos cenários escolhidos do que pela técnica em si.
E essa é outra dica importante desse fotógrafo que aprendeu, na faculdade e nos Andes, a olhar para cima.
Gosto de acampar no cume de montanhas, dificilmente vou para pontos turísticos. Abro o Google Earth e procuro lugares opostos aos explorados, turisticamente"
Apesar do "jardim de rochas" na porta de casa, suas experiências fotográficas mais marcantes foram durante férias nos Andes, como a subida do Acotango, vulcão na Bolívia a mais de seis mil metros, e no trekking de 120 quilômetros na região da cordilheira Huayhuash, no Peru, em 2016.
Foi a coisa mais doida que fiz na vida. Eu estava sozinho e sem nenhuma comunicação. Dos oito dias de caminhada, fiquei quatro sem encontrar ninguém"
Mas doido mesmo seria ter continuado naquela vida que Marcos não queria mais levar, após perder a irmã de 21 anos.
"Do nada tudo acabou e me fez ver que não valia planejar sem fazer as coisas acontecerem. Eu deixava tudo sempre em segundo plano e estava jogando minha vida fora", analisa.
Trocou então o curso de Engenharia Elétrica pelo de Física, concluiu um mestrado em astrofísica, colocou a mochilas nas costas e, mais do que o mundo, ganhou o universo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.