llha nas Canárias que queimou por seis anos virou "Disney do vulcanismo"
"No dia 1º de setembro, entre nove e dez horas da noite, a terra se abriu repentinamente. Uma enorme montanha se ergueu e as chamas continuaram a arder por dezenove dias".
Escrito por um padre do município de Yaiza, este é um dos relatos que contam a história das potentes erupções que aconteceram, ininterruptamente, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, entre 1730 e 1736.
Massas de fumaça espessa tomaram a ilha, cataratas de lavas correram para o mar e vilas inteiras desapareceram, obrigando a população a deixar suas casas.
Aquela paisagem nunca mais foi a mesma.
Mas sabe aquela história de fazer do limão azedo, limonada? Pois em Lanzarote, 300 anos depois daquelas erupções, os locais criaram uma das experiências turísticas mais impactantes em toda a Espanha e fizeram até… vinho vulcânico.
Nessa espécie de parque de diversões para fãs de vulcanismo, uma das ilhas mais ativas em todas as Canárias, para onde se olha são cones vulcânicos. Tem restaurante que funciona dentro de um corredor de lavas, roteiro de ônibus que cruza vulcões e até praias aos pés de... montanhas vulcânicas.
Próxima da costa africana e a mais oriental de todas, Lanzarote é uma das sete ilhas do arquipélago espanhol das Canárias, destino a mil quilômetros da Península Ibérica, formado também por Fuerteventura, Gran Canaria, Tenerife, La Gomera, El Hierro e La Palma, que nos últimos dias ganhou o noticiário mundial com a ação devastadora da erupção do Cumbre Vieja.
Lanzarote, assim como a vizinha Fuerteventura, teria dado origem à formação de todo o resto do arquipélago, algo em torno de 20 e 12 milhões de anos. De acordo com o IN-VOLCAN (Instituto Volcanológico de Canarias), o arquipélago é a única região vulcanicamente ativa da Espanha com risco vulcânico.
Montanhas do fogo
Os seis anos de atividades incandescentes garantiram a atual paisagem lunar de Lanzarote, onde hoje uma sequência de casas brancas se destaca em meio à monotonia do cenário monocolor.
Conhecido como "Montañas del Fuego", o Parque Nacional de Timanfaya é o atrativo que nos faz chegar o mais perto do que teria acontecido na ilha naquele século 18. São 25 crateras, ao longo de uma área de 200 quilômetros quadrados.
A bordo de um ônibus, é possível percorrer a Rota dos Vulcões, um roteiro de 14 quilômetros que guarda formações da época das erupções históricas. Já o vizinho Parque Natural de los Volcanes guarda o Caldera Blanca, uma das maiores crateras da ilha.
Isso não é tudo em Lanzarote, conhecida também como a Ilha Diferente (aliás, não poderia haver apelido mais literal para descrever o destino).
Por ali, vulcões são a principal atração. Mas nem todos são iguais.
Próximo ao Timanfaya, o vulcão mais ativo de Lanzarote, fica El Golfo, uma cratera colapsada diante do mar que abriga uma lagoa interior de fortes tons esverdeados. Em outras palavras, é vulcão, praia e lagoa. Tudo no mesmo lugar.
Conhecido como Laguna de los Clicos, o local foi cenário de uma das cenas de "Abraços Partidos" filme dirigido pelo espanhol Pedro Almodóvar.
Rumo à Atlântida
As Canárias ficam em uma região conhecida como Macaronésia, formada também pelas ilhas portuguesas de Cabo Verde, Madeira e Açores.
Durante séculos, acreditou-se que essa região do Atlântico Norte guardava os restos de Atlântida. Mas se as terras do rei Atlas soam como mitologia, o cenário surreal de Lanzarote parece levar o visitante muito perto do que teria sido o continente perdido.
Com projeto arquitetônico de César Manrique, o escultor local que fez arte com vulcões, Jameos del Agua é um centro cultural que funciona dentro de um tubo vulcânico ("jameo", em espanhol) que surgiu da erupção do Monte Corona ('Volcán de la Corona', em espanhol).
Não fosse suficiente toda aquela surrealidade toda, o atrativo tem também um lago interior, habitat de caranguejos cegos, um pequeno crustáceo albino endêmico de Lanzarote.
Daquele cone vulcânico de 600 metros de altura e 21 mil anos de idade surgiram outros corredores naturais transformados também em atrativo turístico.
Considerada um dos corredores vulcânicos mais extensos do mundo, a Cueva de los Verdes é uma galeria de seis quilômetros de extensão que segue em direção ao mar.
Essa antiga área de refúgio durante ataques piratas do norte da África, nos séculos 16 e 17, foi transformada em centro cultural na década de 60, onde o artista Jesús Soto criou um belo projeto de luz e música em seu interior.
O local abriga também um auditório, cuja qualidade dos concertos é favorecida pela porosidade da lava interior.
Vinho fruto da lava
É difícil acreditar que algo se produz naquele terreno pouco convidativo. Mas, na beira da estrada, a terra argilosa dá origem a vinhos.
A viticultura em Lanzarote é conhecida pelas parreiras que crescem em buracos cavados no chão, que podem chegar a 10 metros de profundidade, ou protegidas por mu-ros de pedras semicirculares de até 70 centímetros de altura.
Dali saem os exclusivos vinhos minerais e frutados, elaborados a partir de uvas como Listán Negro, Moscatel e Malvasia Vulcânica.
Assim como explicam por ali, essa técnica de proteção subterrânea, que exige colheita manual das frutas, ajuda na sua termorregulação, de modo a preservar a umidade nessa terra de raras chuvas, acostumada a receber as baforadas quentes vindas da África.
De acordo com o órgão de promoção do turismo local, a ilha conta com 2 mil hectares de vinhedo e 17 vinícolas produtoras, aproximadamente. Dona da primeira vindima da Europa, geralmente a partir de julho, Lanzarote tem o título de Denominação de Origem, desde 1993.
La Graciosa
Não tem como escapar. Na Ilha dos Vulcões, essas temidas e fascinantes formações estão por todos os lados.
De Órzola, no norte de Lanzarote, saem embarcações para o endereço turístico mais popular do destino, La Graciosa, a única ilha habitada do Arquipélago Chinijo, considerada a maior reserva marinha da Europa.
Com 27 quilômetros quadrados e pouco mais de 700 habitantes, La Graciosa tem praias de águas turquesas em enseadas minúsculas de águas tranquilas. É ali que fica a inusitada Playa de la Cocina, uma pequena faixa de areia aos pés de outra formação vulcânica do destino, a
Montanha Amarela.
E no final da viagem, a gente entende por que o escritor português José Saramago escolheu passar em Lanzarote seus últimos anos de vida, cuja casa onde viveu com a esposa María del Pílar também recebe visitantes, no município de Tías.
"Nosso futuro passa por Lanzarote, José?", perguntou Pilar ao Prêmio Nobel, quando desejou morar em Lanzarote.
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