Pode ser difícil imaginar, mas até os anos 1990 comida japonesa e salmão não tinham muito a ver um com o outro. Trinta anos atrás, no Japão, salmão só se servia frito ou em refeições baratas. Quem mudou isso foi um outro país, que entende como poucos desse peixe, a Noruega.
O salmão que os japoneses conheciam era um peixe do Pacífico, que se reproduz em rios e tem muita propensão a carregar parasitas. Não era muito diferente do salmão dos noruegueses — só mudava o oceano. Mas, na década de 1960, os noruegueses começaram a desenvolver técnicas para criar esses peixes em cativeiro. Quando conseguiram conduzir a reprodução dos salmões em tanques aquáticos, viram que era possível livrá-los dos parasitas e engordá-los.
Outra coisa que engordou foram os subsídios governamentais para o desenvolvimento das fazendas. A Noruega se tornou tão bem-sucedida que o mercado interno já não dava conta e era preciso exportar salmão.
Em 1974, uma comitiva norueguesa viajou ao Japão para estreitar laços entre os países. O representante da indústria pesqueira observou que, enquanto o atum era valorizado, vendido a preços elevados, o salmão era uma carne desprezada, vendida frita ou em pó em altas quantidades nos mercados nipônicos.
Na época, o Japão era autossuficiente em peixe. Mas o rápido crescimento da população e da economia, além da pesca excessiva, um problema que já assolava os mares, fizeram com que o país passasse a importar peixe.
A maré virou
De um lado, um país que estava com peixe em excesso, graças a novas técnicas de criação. Do outro, um país que queria mais peixes, mas olhava com desconfiança essas novidades.
Lá estava o salmão norueguês de prontidão, e as vendas começaram em 1980. Só que o peixe chegava e ia para a grelha. Não virava sushi. Por mais que houvesse demanda, existia uma barreira cultural. Os noruegueses viram então que não era apenas uma questão de vender, mas de convencer os japoneses de que seu salmão poderia ser um ingrediente refinado em sua cozinha.
Em 1986, nasceu o Projeto Japão. Bjorn Eirik Olsen, escalado para a missão, lembrou, em uma entrevista à rádio americana NPR, o que os executivos da indústria japonesa pensavam sobre o salmão:
É impossível, não comemos assim. O gosto não é bom, a cor é errada, tinha que ser mais vermelha. Não cheira bem. A cabeça do peixe não tem formato correto".
Não seria nada fácil.
O projeto investiu em campanhas publicitárias voltadas a importadores, distribuidores, restaurantes e supermercados. O embaixador da Noruega serviu salmão em uma visita do príncipe do país ao Japão. Chefs-celebridades foram abordados. Nada dava certo.
Até que, após insistentes negociações, uma rede de supermercados especializada em comida congelada aceitou vender sushi de salmão. Aos poucos, a ideia de usar esse peixe começaria a ser menos estranha. Uma mudança gradual, que durou quase dez anos para se estabelecer.
A modinha que virou padrão
Já corria a década de 1990 quando o salmão foi "normalizado" no Japão. Para a tremenda sorte dos noruegueses, a culinária japonesa estava entrando em seu período áureo de dominação mundial. Já havia restaurantes do tipo espalhados em vários países, só que eles se concentravam em comunidades de imigrantes.
No Brasil, por exemplo, a moda começou a aparecer nos anos 1980, mas decolou na década seguinte e não parou mais.
No resto do mundo houve uma aceleração semelhante. Segundo números do ministério da agricultura do Japão, havia em 2006 cerca de 23 mil restaurantes japoneses ao redor do planeta. Em 2017, eram 117 mil. Entre 2015 e 2017, só o Oriente Médio teve um crescimento maior (60%) do que as América Central e do Sul, que tiveram um salto de 50% em apenas dois anos na quantidade de restaurantes do tipo.
Ou seja, quando a comida japonesa passou a ser algo cada vez mais presente no cotidiano de muita gente que não vive no Japão nem tem ascendência japonesa, o salmão já estava razoavelmente estabelecido no país. Não houve choque cultural quanto a isso, pois muita gente já conheceu a comida japonesa com o salmão incluso.
A Noruega agradeceu. Nos últimos anos, bateu sucessivos recordes de exportação: em 2019, atingiu US$ 12,2 bilhões e 2,7 milhões de toneladas em peixes e frutos do mar comercializados. O salmão é disparado o principal produto, correspondendo a US$ 8,6 bilhões e 1,1 milhão de toneladas, de acordo com o Conselho de Frutos do Mar da Noruega.
Comida japonesa com "jeitinho"
O salmão pode ser o grande trunfo do sucesso da indústria pesqueira da Noruega, que hoje é a segunda maior exportadora do mundo, atrás apenas da China. Mas ele sozinho não explica a expansão da comida japonesa. Muito disso se deve também às adaptações culturais.
Segundo Marc Luber e Brett Cohen no livro "Stuff Every Sushi Lover Should Know" ("Coisas que todo amante de sushi deveria saber", sem edição brasileira), um marco em relação a isso aconteceu em 1974, no Canadá.
O chef Hidekazu Tojo, de Vancouver, precisava resolver um impasse. Como convencer as pessoas a serem menos relutantes com peixe cru e alga?
Ele virou o rolinho do avesso, escondendo as algas no arroz, e o recheou com carne de caranguejo cozida, pepino e abacate, ingredientes familiares a muitos norte-americanos", explicam os autores.
O famoso sushi califórnia — que, pelo visto, nasceu no Canadá — conquistou canadenses e americanos e abriu as portas para uma inventividade que, no Brasil, teve terreno fértil para prosperar.
Já o salmão reina tranquilo no Japão: segundo uma pesquisa divulgada pelo jornal Japan Times em 2017, o peixe, "uma novidade relativamente recente nos cardápios", foi o mais popular por seis anos seguidos.
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