Ano sabático: viajantes contam como se planejaram para "férias sem fim"
Um longo período sem trabalho, sem rotina e sem ''casa''. Essa é a vida de pessoas que escolheram viver durante um ano ou mais viajando. Conheça profissionais que decidiram mudar a rotina para aproveitar a vida de forma despretensiosa e ainda poder conhecer novas culturas e lugares diferentes, tendo o tempo como grande aliado.
Letícia Serrão (41) e Fred Magalhães (41)
Sabático: 02/2011 a 02/2012
Destino: 27 países e mais de 100 cidades
Como era a vida antes do ano sabático
Quando moravam em São Paulo, Letícia, administradora, trabalhava em uma empresa de telecomunicações, e Fred atuava como um administrador para uma consultoria, na qual estava sempre disponível para viagens durante a semana, por isso, os dois tinham pouco tempo para ter o lazer que queriam. Na época, a carga horária de trabalho chegava de 10 a 12 horas por dia.
Por que decidiram fazer o ano sabático
Sentindo a necessidade de ter mais tempo com eles mesmos e explorar diversos lugares, veio a decisão. 10 meses depois, o casal embarcou com "destino à felicidade".
A ideia de parar um ano era exatamente para realizar esses tantos sonhos. Fomos para o Tibet, China, safári no interior da África, Namíbia e Botsuana", conta Letícia.
Como foi viajar tanto
"Depois que você tem uma experiência dessa, é difícil voltar para a vida real, né? Era tudo muito intenso. Cada dia a gente tinha alguma atração incrível para viver", relata a viajante. A possibilidade de conhecer realidades diferentes trouxe uma transformação duradoura, de acordo com o casal. Houve dias de perrengue também porque o planejamento da viagem era de baixo custo, o que incluiu percorrer longas distâncias de ônibus.
O impacto dessa experiência foi tanto que, há três meses, Letícia e Fred, que têm uma filha criança, compraram um motorhome e vivem como nômades digitais. Tantas aventuras deram origem a um livro independente lançado em julho: "Três mochilas pelo mundo: construindo caminhos", disponível no perfil do Instagram.
As experiências mais marcantes
Conhecer o Tibet é um dos momentos de destaque da trajetória por causa do lugar bastante remoto e da cultura que, aos poucos, está sendo extinta devido à colonização chinesa. No mesmo trecho, o casal dormiu no acampamento de base do Everest (a maior montanha do mundo).
No interior da África, na Namíbia, chegamos em um parque nacional que tinha uns cinquenta elefantes livres tomando água, e um recém-nascido de uns dois dias. Foi um negócio muito lindo, muito marcante", recorda Letícia.
Os monumentos de Taj Mahal na Índia, a cidade perdida de Petra (foto abaixo), na Jordânia, e Angkor, no Camboja, também geraram lembranças por causa das paisagens. Enquanto na Nova Zelândia, os dois rodaram o país em um carro, equipado com uma cozinha.
Como organizaram a parte financeira
No Brasil, durante o planejamento de dez meses, todas as despesas desnecessárias foram cortadas. Na Ásia, os gastos diminuíram bastante em decorrência do baixo custo de vida. A viagem teve o planejamento para ser econômica, sem medo de viajar longas distâncias de ônibus, hospedagem em albergue e caminhando bastante.
Monah Legat (36)
Sabático: 11/2016 a 01/2018
Destino: 23 países e mais de 100 cidades
Como era a vida antes do ano sabático
Quando estava trabalhando para uma grande multinacional americana por mais de 7 anos, Legat gastava pelo menos 3 horas para ir e voltar da empresa. "Trabalhava em casa quase todos finais de semana e estava sempre lutando contra o relógio para conseguir dar conta de tudo. Sensação de que minha vida era totalmente cronometrada", enfatiza.
A rotina de trabalho tinha uma sequência de pressões e ocupações que faziam a publicitária ter a ideia de que seria comum levar uma vida dessa maneira. A dedicação culminou em ficar dois anos sem férias para conseguir uma promoção. Abaixo, o antes e depois que ela postou em suas redes.
Por que decidiu fazer o ano sabático
Um dia ela se deu conta de que a rotina estava sendo totalmente controlada pela empresa. Quando notou o que estava acontecendo, chegou à conclusão de que "iria ter aquela vida até eu me aposentar".
Considerei minha condição na época e percebi que eu não tinha nada que me impedisse de experimentar outras realidades"
Como foi viajar tanto
As diferentes experiências possibilitaram inspiração e recompensas pessoais, conforme afirma a viajante, que passou por quatro continentes aproveitando o verão de cada um. Os períodos intercalavam entre permanecer numa casa fixa e ir para algum lugar de maneira mais passageira. Hoje, Monah é uma criadora e mentora de um programa para quem sonha em se tornar nômade digital. Além disso, criou o site www.soulnomade.com.br.
As experiências mais marcantes
Entre as principais estão a trilha de três dias nos fiordes da Nova Zelândia. No Japão, os Alpes despertaram o desejo de subir a montanha mais alta da região, o monte Tateyama, mesmo com uma quantidade inesperada de neve em pleno verão.
Eu resolvi tentar subir com meu tênis de corrida normal e chegar até o topo. Foi a maior sensação de superação que senti na vida"
Em um overland tour na África, sete países foram percorridos em um tipo de caminhão adaptado com cozinha e comida. Em cada dia, um acampamento diferente. Durante o trajeto, as vilas e as pessoas locais fizeram parte das descobertas turísticas. Abaixo, Monah na Namíbia.
Como organizou a parte financeira
No momento de planejar as economias, um valor por dia foi estipulado para os gastos. O preço da hospedagem diminuiu as despesas porque os moradores locais indicavam conhecidos para oferecer moradia. As experiências e os passeios eram o maior alvo dos custos da viagem.
No momento de se locomover, a preferência se manteve sempre por transportes públicos. Também houve um equilíbrio entre os países mais baratos, nos quais passava mais tempo, e os mais caros, onde permanecia por um período breve.
Ana Paula Carneiro Lima (45)
Sabático: desde 03/2021
Destino: Brasil
Como era a vida antes do ano sabático
Ela tinha uma vida regrada com horários e dedicava tempo para fazer coisas que não queria. Viajava por curto período e quando sobrava espaço na rotina -- o trabalho e os compromissos tinham prioridade.
Por que decidiu fazer o ano sabático
"Quis tirar esse momento para mim porque tinha uma rotina que não me fazia bem. O corpo gritou e tive alguns problemas de saúde, inclusive um AVC. Eu acredito muito que, quando não respeitamos nossos limites, o alerta vem de outra forma'', diz. Enquanto estava na UTI recuperando os movimentos, Ana tomou a decisão.
Como está sendo viajar
Desde março. ela passou por locais como Búzios e Cabo Frio, no Rio de Janeiro, e Porto Seguro e Arraial d'Ajuda, na Bahia. Ana tem pela frente Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Segundo a viajante, percorrer regiões por um período longo é transformador por despertar maneiras diferentes de olhar a vida. Ela passou a perceber os lugares com a visão de uma moradora, ao observar os detalhes e ter tempo para conversar com os nativos.
As experiências mais marcantes
Foram os aprendizados com os viajantes que encontrou no caminho. Ela conheceu pessoas de profissões distintas e que estavam se reinventando durante o percurso. Também teve a oportunidade de conviver com quem estava buscando, assim como ela, o autoconhecimento.
Como organizou a parte financeira
Em 2020, juntou dinheiro e estipulou um valor para pagar como ''salário mensal'' durante o período da viagem. Fez um orçamento para que o montante guardado ajudasse por todo o ano. "O objetivo era estar totalmente livre. Realmente conectada comigo e com o que me faz bem", afirma.
Valéria Patrícia Martins (38)
Sabático: 12/2015 a 02/2017
Destino: 20 países e mais de 100 cidades
Como era a vida antes do ano sabático
Ela estava insatisfeita com os oito anos de trabalho no serviço público e do relacionamento amoroso desgastante. "Eu estava esgotada, bem cansada e muito estressada'', conta. "Pedi afastamento do trabalho nesse período para poder viver em algo que eu acreditava ou me levar a ter uma experiência diferente", conta a psicóloga.
Por que decidiu fazer o ano sabático
O interesse em ter o contato com novas culturas, de conhecer a diferença entre as pessoas e o desejo por viajar foram fatores decisivos na escolha.
Como foi viajar por tanto tempo
Segundo a mochileira, o tempo não se torna uma preocupação e não é determinante no percurso a longo prazo.
O que vale é a experiência. Nesse momento sabatino, mergulhamos mesmo na cultura do lugar, o que torna uma viagem sem pressa''
Por meio dessa vivência, conseguiu enfrentar medos, conviver com outras mulheres que viajavam sozinhas, lidar com o incomum e aprender a se resignar.
As experiências mais marcantes
Uma parte curiosa foi a oportunidade de reencontrar amigos que fez durante o caminho. Por exemplo, conheceu argentinos e espanhóis e, ainda no ano sabático, conseguiu visitá-los nos seus países. ''As amizades coroaram ainda mais a jornada''.
Um dos momentos marcantes da funcionária pública inclui passar o Natal na casa de um espanhol que morava em Londres (foto abaixo) e que conheceu durante o percurso em Budapeste, Hungria. Era um grupo de conhecidos, cada um de um país distinto. ''Essa oportunidade se tornou um símbolo do que eu queria viver, poder celebrar as diferenças culturais"
Percebi que o mundo tem mais gente bondosa do que imaginava''
Como organizou a parte financeira?
Ela tinha algumas economias guardadas e alugou o apartamento para custear todo o período. Também vendeu o carro, mas não precisou utilizar este dinheiro. A psicóloga diz que as pessoas consideram viajar a longo prazo caro. Para a viajante, o que eleva os preços são os valores das passagens e as hospedagens nas altas temporadas. Apesar das economias, se hospedou em lugares mais baratos, como albergues. Ela também participou de programas de hospedagem grátis como a rede Couchsurfing.
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