Vigiado pela polícia e sozinho em ponto histórico: como é visitar a Líbia
O dinamarquês Erik Futtrup, de 52 anos, já esteve em nada menos do que 155 países. E, em junho deste ano, conseguiu visitar um dos mais fechados e turbulentos territórios do globo: a Líbia.
"Tenho o objetivo de conhecer todos os países do mundo. E sei que, em todo lugar, há coisas interessantes para ver", diz ele.
Esta decisão de viagem, entretanto, não estava livre de consideráveis riscos. A Líbia, afinal, passou a última década marcada por conflitos bélicos que geraram milhares de mortos.
Em 2011, uma guerra civil levou à morte brutal do ditador Muammar Gaddafi. E, em 2014, após tentativas frustradas de reorganização do país, grupos rivais entraram em sangrentos e longos confrontos para conquistar poder dentro do território líbio.
Em outubro de 2020, houve um cessar-fogo, mas a atmosfera no país continua volátil.
Mesmo assim, Erik se empenhou para conseguir ingressar na Líbia, que abriga fascinantes atrativos turísticos, como paisagens banhadas pelo mar Mediterrâneo e Leptis Magna, um dos mais importantes sítios arqueológicos do norte da África, com construções da época do Império Romano.
E a jornada, logicamente, teve momentos únicos, como os passeios que Erik realizou por lá sem nenhum outro turista à vista e com a polícia monitorando-o constantemente.
Monitorado pela polícia
Erik diz que, atualmente, é extremamente complicado conseguir um visto de turismo para visitar o país — que, com tantos problemas internos para resolver, ainda não vê o desenvolvimento de um mercado de viagens de lazer como prioridade.
Por isso, deu um jeitinho: "contratei uma agência de viagens líbia e eles me conseguiram uma espécie de visto de negócios", conta.
Com o visto aprovado, o dinamarquês teve que enfrentar uma longa jornada até chegar ao país do norte da África, onde hoje pousam poucas companhias aéreas: saindo da Dinamarca, ele precisou fazer uma conexão de várias horas na Tunísia. E, ao desembarcar em solo líbio, constatou que aquele não seria um passeio de férias qualquer.
"O guia da agência que me conseguiu o visto foi me receber no aeroporto que serve a cidade de Trípoli e já me levou para o carro.
E, ao entrarmos no veículo, fomos escoltados pela estrada pela polícia. Me senti uma pessoa VIP", brinca.
Desde o primeiro momento, Erik afirma que não teve liberdade de movimento: ele foi obrigado a seguir um roteiro predeterminado pela agência e aprovado pelo governo líbio, que incluía apenas passeios por certas áreas de Trípoli e por sítios arqueológicos como Leptis Magna — e sempre na companhia de um guia.
"Perguntei para o guia se também poderíamos visitar mesquitas e prédios históricos fora da rota estabelecida. Ou dar um mergulho no Mediterrâneo. Mas ele me disse que não era possível.
E, a cada hora, policiais ligavam para o guia para saber onde estávamos".
O dinamarquês também relata que não estava autorizado a sair para a rua após voltar para seu hotel no fim do dia — e que nunca lhe explicaram por que tinha que se submeter a tantas restrições (uma das hipóteses é que, devido à recente guerra civil, a Líbia ainda seja um lugar altamente suscetível a episódios de violência, que podem facilmente transformar estrangeiros em alvo).
Viagem na bolha
Mesmo viajando em uma espécie de bolha, Erik viveu experiências marcantes na Líbia.
Ele, por exemplo, curtiu Leptis Magna praticamente sozinho: com o mar Mediterrâneo no horizonte, caminhou entre as antigas colunas e arcos desta antiga cidade do Império Romano, famosa por seu ótimo estado de preservação.
"É um lugar tão incrível quanto os locais históricos que você vê na própria cidade de Roma. Ao mesmo tempo, você anda por lá e se depara com ruínas que não estão escavadas direito. É preciso tomar cuidado para não pisar em afrescos que surgem no chão. E eu era o único turista ali", conta.
Além disso, explorou o sítio arqueológico de Sabrata, também com construções da época do Império Romano e que têm o Mediterrâneo como pano de fundo.
Já em Trípoli, ele conseguiu passear por partes bem preservadas ou reconstruídas da cidade, frequentando modernos cafés e restaurantes. E também foi a partes mais antigas da metrópole, como os tradicionais mercados de rua típicos de centros urbanos do norte da África.
Mas algumas marcas da guerra ainda são visíveis: "vi prédios com marcas de tiros e terrenos de edifícios que haviam sido demolidos, depois de terem sofrido danos durante o conflito", relata. "E há militares em muitas esquinas".
E houve um dia em que o dinamarquês passou junto à carcaça de uma bomba aérea caída perto de uma estrada.
Erik afirma que em nenhum momento se sentiu ameaçado, mas relata que, durante a viagem, entrou em contato com outra dura realidade que marca a Líbia atualmente.
Em Trípoli, ele viu muitos imigrantes de outros países da África amontoados em calçadas e praças. São pessoas que estão na cidade esperando os perigosos barcos que, desde a costa da Líbia, levam pessoas de maneira precária e ilegal para a Europa, cruzando o Mediterrâneo.
Vi milhares deles. Todos sonhando em chegar à 'Terra Prometida' da Europa. São pessoas que hoje fazem parte da paisagem da Líbia", afirma.
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