Brasileiros criam condomínio na Itália com casas de 1 euro
Em agosto de 2019, o empresário Douglas Roque, 49 anos, decidiu conhecer vilarejos na Itália. Ele levava consigo uma lista de cidadezinhas com casas à venda por 1 euro. A primeira parada foi em Fabbriche di Vergemoli, localizado na região da Toscana, a 100 km de Florença.
Lá, viu o rio Turrite com águas transparentes cortando a cidade e a ponte della Dogana (ponte da alfândega, em tradução livre), uma via de pedras construída em 1429, que mais parece cenário de conto de fadas.
Douglas estava à procura de um imóvel com o preço simbólico. E, nem bem começou a busca, decidiu investir no vilarejo com menos de 800 habitantes. "Na hora, pensei: 'Eu quero morar aqui."
A venda de imóveis pelo preço de um cafezinho não é uma iniciativa recente. Desde 2016, o governo da Toscana oferece propriedades a custos módicos para repovoar os municípios da região. Cada cidadezinha tem as suas próprias regras. Geralmente, os novos proprietários precisam reformar as casas em um determinado período de tempo e arcar com as despesas da documentação.
Menos burocracia
Ao contrário de outros municípios, a prefeitura de Fabbriche di Vergemoli não fez nenhuma exigência a Douglas, contanto que ele finalize a renovação da casa, sem estipular um período para concluir a obra.
Foi o incentivo necessário para criar um negócio na região. O brasileiro se uniu ao arquiteto italiano Alberto da Lio, 49, para auxiliar os interessados no processo de compras das casas de 1 euro. Na Sonho It, eles assessoram os futuros proprietários com as burocracias legais e tributárias e realizam a construção e restauro dos imóveis. O serviço custa em média 9 mil euros.
A empresa de Douglas está construindo o primeiro condomínio formado por brasileiros com casas de 1 euro na Itália. O local escolhido foi Borgo di Ventriceto, um povoado abandonado em Fabbriche di Vergemoli. São 15 famílias brasileiras e duas italianas com o sonho de recomeçar a vida em uma região tranquila e histórica.
Ajuda do governo italiano
Quando Douglas comprou a casa, contou a novidade para os amigos brasileiros, mas na época ninguém tinha fundos para investir em uma propriedade. Desde que o projeto de casas de 1 euro foi lançado, pessoas de diferentes nacionalidades se interessaram pelo negócio. Muitos candidatos são dos Estados Unidos, China e Rússia.
A prefeitura recebe mais de 2 mil e-mails por ano sobre o investimento. Porém nem todos fecham negócio. Apesar de custar 1 euro, a reforma em uma casa medieval pode chegar a milhares de euros por conta das diversas atualizações que as moradias precisam — gire a galeria abaixo e veja estado inicial de algumas delas.
"O Douglas me contou sobre as casas de 1 euro e na hora eu gostei da proposta", conta a empresária Andreia Leda, 58 anos. "Mas não tinha dinheiro para reformar o imóvel." A situação mudou este ano.
O governo italiano criou um incentivo fiscal chamado SuperBonus 110%. É um pacote para aquecer a economia do país e tornar as casas mais seguras e sustentáveis.
O decreto vale para diversos tipos de obras, dentre elas as casas de 1 euro. Os proprietários dos imóveis podem realizar alguns tipos de reformas com um desconto fiscal de 110%.
Algumas das reformas incluem a restauração das fachadas originais, sistemas de eficiência energética e a prevenção contra terremotos. A dedução fiscal vale até 2023.
O SuperBonus 110% cobre cerca de 98% da obra. Ele não vale para portas internas, louças, metais de pias e, obviamente, móveis e eletrodomésticos", explica Douglas
Os itens extras custam, em média, 2 mil euros. Sendo assim, uma casa reformada de 1 euro custa aproximadamente 11 mil euros, contando os 9 mil euros referentes às burocracias tributárias e o restauro dos imóveis e os 2 mil euros dos materiais extras. "Pela minha pesquisa de mercado, os 2 mil euros são para os itens básicos. Claro que o céu é o limite. A pessoa pode gastar muito mais se quiser", conta o empresário.
No dia em que o governo italiano lançou o decreto, Douglas ligou para Andreia. Prontamente a empresária garantiu a sua casa na serra da Toscana. "Eu sempre me encantei com a comida e a língua italiana. Sempre imaginei morar lá", conta.
Andreia foi a primeira cliente de Douglas. E a primeira a organizar as suas documentações. Para as compras de casas de 1 euro é preciso reunir as papeladas dos futuros proprietários e os registros dos herdeiros italianos, donos dos imóveis.
Se as burocracias no Brasil são complicadas, na Itália são ainda mais. Douglas demorou mais de um ano para organizar as documentações das 17 casas. "É um processo muito difícil. Um dos maiores desafios no projeto. Cada imóvel possui proprietários de todos os tipos: os que não moram na Itália, os anciãos que dependem de tutores e os parentes que estão brigados e não querem conversar. É um trabalho de detetive."
Recomeço em uma casa medieval
Os imóveis do condomínio, ou pelo menos o que resta deles, foram construídos entre os anos 1.500 e 1.600. No passado, eram construções rústicas de pedras de ardósia e janelas altas com formato arredondado.
A restauração das casas pretende unir o moderno com o antigo, explica Douglas. A estimativa é que fiquem prontas em 1 ano e meio. "Nós temos uma preocupação em manter o patrimônio e os materiais históricos."
É justamente a história do vilarejo que fascina a futura proprietária Andreia Leda. Ela é apaixonada pela era medieval. "Sinto que eu já vivi naquela época", brinca. A empresária tem até uma tatuagem da cruz de malta no pulso esquerdo.
É maravilhoso saber que vou viver em uma cidadezinha medieval, dona de uma casa de mais de 500 anos. Vou transcender."
Andreia irá trocar o agito em São Paulo por uma vida pacata em Fabbriche di Vergemoli, com a possibilidade de visitar cidades cosmopolitas como Londres, Paris e Roma.
Ela viaja com frequência para a capital da alta-costura, Milão. Trabalha com planejamento estratégico em empresas de moda. Mas na Itália, pensa em mudar de profissão.
Quero abrir um café com espírito brasileiro. Quem sabe vender pães artesanais feito por pessoas do vilarejo"
Além de Andreia, outros 34 brasileiros irão morar, encontrar um trabalho, passar temporadas no verão, estudar, e se adaptar ao estilo de vida na Toscana.
Nossa conversou com futuros proprietários das casas de 1 euro: casais com filhos, criança, jovem adulto planejando a aposentadoria e descendentes de italianos com o sonho de se reconectar com as suas origens. Independente da história, todos têm o mesmo propósito: chamar a Itália de lar.
Mesa farta e cozinha integrada
Seguindo a tradição italiana, a família da atriz e terapeuta Wania Merigo, 50, se reúne ao redor de uma mesa farta com massas de todos os tipos. "A minha mãe costuma fazer conchiglione recheado, rondelli, lasanha e risoto. É uma delícia."
Wania mora em São José dos Campos, município de São Paulo. A atriz não irá viver longe da família e se mudar de vez para a Itália. E sim passar temporadas na serra da Toscana.
A reforma do imóvel de 1 euro ainda não começou, mas ela já imagina a sua futura casa: "Quero uma cozinha integrada com a sala para receber os amigos. Gosto muito de cozinhar." O caderno de receitas está completo. O próximo passo é renovar o passaporte italiano e aprender a língua dos antepassados.
Planos para aposentadoria
A cidadezinha de Fabbriche di Vergemoli será uma parada obrigatória nas férias da coordenadora de operações financeiras, Vanessa Alves, 36. A futura proprietária da casa de 1 euro irá passar algumas temporadas na Itália e alugar o imóvel para os turistas.
Vanessa gosta dessa parte do mundo. Em 2002, estudou um ano do ensino médio na Alemanha e, em 2008, morou dois anos na Inglaterra. "Trabalhei em cafés e fui babá em Londres. Foi uma experiência ótima viver em outro país e aprender inglês."
Viver novamente na Europa, mais especificamente na Itália, é um planejamento de longuíssimo prazo. Daqui a 15 ou 20 anos, diz Vanessa. "Eu moro no centro de São Paulo. Gosto da agitação da cidade. Mas sei que uma hora vou querer uma vida mais tranquila. E por que não em um vilarejo na Europa?"
De mala e cuia com a família
O farmacêutico Evaldo Molinari, 55, escutava com curiosidade as histórias sobre os seus bisavós italianos que cruzaram meio mundo em um navio até chegar no Brasil, em 1890. Ele sempre se interessou pelos seus antepassados e pela cultura italiana.
Em 2014, conheceu a igreja em que o bisavô paterno foi batizado, em Bovolone, uma província de Verona, e solicitou a cidadania italiana. O farmacêutico não hesitou em comprar uma casa de 1 euro quando a oportunidade surgiu no ano passado.
Evaldo e a família têm planos de morar no vilarejo assim que o imóvel ficar pronto. A nutricionista Adriana Cardoso, 50, e o filho Mateus, 10, estão animados com a mudança.
Faz um tempo que a gente quer sair do Brasil, principalmente pela segurança e qualidade de vida. O Mateus vai estudar e fazer faculdade na Itália. Será ótimo", explica Adriana.
Mateus não vê a hora de chegar. "A cidade tem bastantes rios e lagos. Eu tô animado para sair correndo e ver como é tudo lá", diz. De fato, o vilarejo é cercado por colinas e montanhas da cordilheira dos Alpes Apuanos. A região é conhecida pelas trilhas feitas a pé ou de bicicleta e esportes e passeios nos bosques.
É certo que a natureza e o cenário bucólico conquistaram a família. Agora o que Evaldo e Adriana procuram é um trabalho nas suas áreas de atuação. Ele está validando o diploma de farmacêutico no consulado italiano. "A expectativa é que eu consiga uma recolocação profissional. Não é fácil, mas vou tentar."
Adriana também está pesquisando como trabalhar como nutricionista no país. "Eu brinco que vou vender sanduíche natural e suco de frutas", diz. "A gente vai estudar as possibilidades de trabalho." Evaldo completa: "São tradições e modos de vida diferentes. A gente vai ter que se adaptar".
O filho mais velho de Evaldo, Victor, 30, ficará no Brasil. Mas tem estadia garantida na Itália. Para o farmacêutico, a mudança representa mais que um recomeço, é um retorno. Ele pretende procurar familiares e parentes em Bovolone, cidade dos bisavós.
"Depois de quase 130 anos, a família Molinari está voltando para a Itália. O meu pai morreu há 10 anos. Mas tenho certeza que ele ficaria muito contente. É um regresso às raízes."
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