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Tesouro em Salvador e amor por NY: assistente relembra Anthony Bourdain

Anthony Bourdain, em gravação de Lugares Desconhecidos, em 2015 - David Scott Holloway
Anthony Bourdain, em gravação de Lugares Desconhecidos, em 2015 Imagem: David Scott Holloway

Bruno Calixto

Colaboração para Nossa

18/11/2021 04h00

Editora de gastronomia e viagens de veículos de prestígio como "The New York Times", "GQ" e "Food and Wine", Laurie Woolever conheceu Anthony Bourdain quando leu seu ensaio de estreia na revista "New Yorker", intitulado "Don't Eat Before Reading This", em 1998.

"Lembro-me muito bem, eu estava em uma praia e absolutamente paralisada com a escrita", relembra em entrevista para Nossa. Passados cinco anos da impactante leitura, Tony estava procurando alguém para ajudá-lo a editar e testar as receitas de seu primeiro livro, "Les Halles Cookbook" e Laurie foi contratada para ser assistente do chef e autor de best-sellers — trabalho que durou até a morte dele, em 2018.

Laurie Woolever, assistente de Bourdain até a morte do chef, em 2018 - David Scott Holloway - David Scott Holloway
Laurie Woolever, assistente de Bourdain até a morte do chef, em 2018
Imagem: David Scott Holloway

Antes do primeiro encontro presencial com Bourdain, em 2002, Laurie (ou "tenente", como ele geralmente se referia a ela) esperava que ele fosse "ousado, franco, engraçado e barulhento". Em vez disso, topou com, nas palavras dela,

uma pessoa quieta e modesta que parecia um pouco tímida e socialmente desajeitada, o que, claro, era bastante cativante."

Memórias viram livro

Por mais de uma década trabalhando juntos e dividindo as mesas mais cobiçadas, a gastronomia evoluiu: "alimentos e sabores entram e saem de moda", afirma Laurie. E um recorte bem íntimo desta mudança, além de um resgate das memórias afetivas do nova-iorquino, está em "Volta ao Mundo: Um guia irreverente", livro assinado pela dupla, que chega ao Brasil pela Intrínseca (R$ 89,90).

Poucos meses antes de sua morte, Tony e eu nos sentamos e conversamos sobre todos os lugares do mundo que ele havia visitado. Eu tentei o meu melhor para permanecer fiel a essa lista. Em alguns casos, havia lugares que ele amava, mas que não tinham pontos óbvios de interesse público, como o Irã."

Capa de "Volta ao Mundo: um guia irreverente", de Anthony Bourdain - Divulgação - Divulgação
Capa de "Volta ao Mundo: um guia irreverente", de Anthony Bourdain
Imagem: Divulgação

É a segunda obra, depois de "Appetites" (2016), que inclui o nome do braço direito do chef na capa. Após o falecimento do amigo, Laurie assumiu a missão de tirar do papel os planos de uma obra de memórias. Como ela detalha nesta entrevista ao Nossa.

"Depois que ele morreu, inesperadamente, era minha obrigação encontrar uma maneira de terminar o que havíamos começado", diz a escritora, debruçada sobre o espaço deixado por artigos não escritos. "Tive muita sorte de ter acesso a todas as transcrições dos vários anos de programas de televisão que ele havia feito, bem como licença para citar outras publicações."

Ela também contou com o tempo e a experiência de muitos produtores e diretores que ajudaram a fazer os programas de TV de Tony.

"Volta ao Mundo" percorre 43 países com recomendações de Bourdain para restaurantes, hotéis e outras atrações. O resultado são lugares diversos como Sri Lanka, Manila, Paris, Uruguai, Toronto, Seul, Xangai e Chicago. Uma reunião de textos ricos em detalhes, cuja introdução, assinada por Laurie Woolever, entrega ser "um atlas do mundo visto através dos olhos dele".

De Nova York a Salvador

Anthony Bourdain colaborou com grandes veículos internacionais, como "The New York Times" e "Food Arts Magazine". Como apresentador de séries, foi aclamado por "Fazendo Escala", "Sem Reservas" e "Lugares Desconhecidos" — este último com 12 temporadas gravadas, que estava no ar até a sua morte.

Ilustrações de Wesley Allsbrook - Divulgação - Divulgação
Ilustrações de Wesley Allsbrook
Imagem: Divulgação
Desenhos ilustram todos os capítulos - Divulgação - Divulgação
Desenhos ilustram todos os capítulos
Imagem: Divulgação

"Não viajei tanto quanto Tony, mas estive em vários lugares do livro e, por isso, gosto muito dos capítulos ambientados em Hue (Vietnã), Sri Lanka, Roma, Nápoles e Hong Kong.

No entanto, gosto igualmente daqueles capítulos para os quais tive de aprender muito ao mesmo tempo, porque são locais que ainda não visitei, incluindo Brasil, Moçambique, Macau, Laos e Malásia, afirma.

Já Nova York ganha um carinho especial, segundo Laurie, por ser a cidade que já dividiu com Tony: "Esse capítulo é particularmente rico e emocionante", comenta Laurie.

No texto dedicado ao Brasil (cuja primeira visita foi relembrada em Nossa), Bourdain compartilha suas impressões ao provar caipirinha, queijo coalho e acarajé (da Dinha, no Largo do Santana) quando visitou Salvador.

Você não pode perder um lugar como este porque não existem muitos no mundo que cheguem perto", escreveu o autor.

Ilustrações de Wesley Allsbrook - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação
Ilustrações de Wesley  - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Na vizinha Argentina, ele sempre bateu ponto no Bodegon Don Carlos, em La Boca, casa que historicamente (abriu em 1970) nunca teve menu: os clientes são recepcionados e questionados sobre o tamanho da fome e sobre o que gostam de comer.

Parte da crítica aponta que o capítulo de Tóquio contém poucas surpresas, apesar de Park Hyatt Tokyo, Robot Restaurant e Albatross Bar terem sido os primeiros lugares mencionados pelo autor durante o planejamento do livro, como confidencia Laurie.

"Numa cidade vasta e densa como Tóquio, pode-se passar a vida descobrindo novos e maravilhosos lugares para comer e beber."

Entre memórias e indicações

Cada capítulo do livro concentra informações sobre o país escolhido, desde aspectos da culinária local e lugares inusitados para visitar, até recomendações úteis sobre como se deslocar nas cidades. Além disso, a obra traz ainda relatos de amigos e familiares do chef.

Anthony Bourdain no documentário "Roadrunner" - CNN/Focus Features - CNN/Focus Features
Anthony Bourdain no documentário "Roadrunner"
Imagem: CNN/Focus Features

Uma das memórias, por exemplo, é de seu irmão, Christopher, sobre uma viagem de carro por Nova Jersey e um tour proposto pelo produtor musical Steve Albini — que trabalhou com o Nirvana — pelos melhores lugares para comer gastando pouco em Chicago.

Essa mescla se justifica: Anthony Bourdain nunca se considerou fã de guias de viagem. Numa entrevista, chegou a admitir inclusive raramente lê-los.

Curto o clima do lugar. Não quero uma lista de melhores hotéis e restaurantes, mas sim livros de ficção que se passem em lugares interessantes até pela descrição."