"Odiava um lenço da minha avó, até enxergar seu glamour e 'roubar' pra mim"
Minha avó Chuchu (sim, esse é o apelido dela e por muitos anos achei que era o seu nome) sempre foi muito perua. Apesar da origem humilde, é muito conectada com a moda. Ama acessórios, principalmente lenços, echarpes e cachecóis, a ponto de ter uma coleção. Um dos que ela mais usava era esse lenço azul com estampa de flores.
O lenço foi comprado em uma das idas ao Uruguai nos anos 1990. Como uma boa moradora da fronteira, minha avó frequenta bastante o país vizinho, visto que é só atravessar a rua. A peça é de uma feirinha tipo camelô mesmo. Não tem nada de muito especial: é de cetim, sem marca conhecida, mas tem um tamanho muito bom, bem grande.
Mas eu sempre achava ele muito exagerado, talvez porque ela usasse combinado com tricô verde e um colar de pérolas também verde. Mais "cheguei!" impossível, mas essa é minha avó Chuchu.
Até que, em 2014, antes de fazer um tão sonhado intercâmbio para Dublin, fui visitá-la. Ela estava mexendo no guarda-roupa e viu eu pegar o lenço, que pela primeira vez me encantou, não sei nem explicar o porquê. Talvez por finalmente enxergar nele a representação da minha avó, uma mulher que eu tanto admiro: ela foi uma das primeiras mulheres da leva de divorciadas do Rio Grande do Sul na década de 1970 e vivia de bicos, fazendo doces, licor e biscoitos para vender.
Embora nunca tenha dito que eu podia ficar com ele, levei mesmo assim — digamos que foi um furto assistido".
O roubo do lenço foi algo muito simbólico, porque eu estava com 30 anos, me sentindo no auge da beleza e muito independente por estar indo estudar fora do Brasil. Levar aquele lenço na mala me aproximava da minha avó, além de representar minha segurança comigo mesma para usar algo que sempre disse odiar.
Ironicamente, hoje o que mais gosto nele é justamente tê-lo odiado por tanto tempo por achar a estampa exagerada e velha. E, mais ironicamente ainda, é usá-lo exatamente como minha avó usava: como turbante ou de um jeito meio espalhafatoso, combinando com estampas e cores vibrantes. Quando quero me sentir glamourosa ou quando o cabelo não colabora, esse lenço é a salvação.
Talvez por instintivamente saber de tudo isso ou por gostar de ver a neta seguindo seus passos, minha avó nunca me acusou ou reclamou por eu ter surrupiado o lenço. Aliás, às vezes me vê com ele e me fala "eu tinha um lenço parecido com esse, azul, com flores". Ou, se eu estou sem ele, diz que não consegue encontrar o tal lenço. Se ela estiver lendo isso: vó Chuchu, desculpa qualquer coisa e obrigada por ter me deixado ficar com o seu lenço.
Ele agora é parte da minha coleção e pretendo ficar com ele para sempre.
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