Apelo por máscara e polícia no avião: comissários relatam voos da pandemia
Trabalhando no ambiente fechado dos aviões e em contato direto com muitas pessoas, comissários de bordo viveram situações extremamente estressantes nesta pandemia.
Desde o começo da crise gerada pelo novo coronavírus, estes profissionais tiveram que lidar com uma infinidade de passageiros que se recusaram a usar máscaras dentro das aeronaves, com o medo de pegar covid-19 durante o trabalho (e, de quebra, levar a doença para familiares e amigos).
Além disso, muitos passaram o período com o receio de perder o emprego por causa da diminuição das viagens aéreas e, em alguns casos, até com agressões físicas perpetradas por viajantes que não quiseram seguir os protocolos sanitários a bordo.
Nossa conversou com quatro comissários de bordo que atuam no país e que contaram as situações embaraçosas e perigosas pelas quais passaram nos voos da pandemia.
Longe da família
Comissário de bordo de uma das principais companhias aéreas do Brasil, Daniel* conta que, principalmente no começo da pandemia, passou por um período muito difícil, com medo de perder o trabalho e de ser contaminado pela covid-19.
Demorou para chegar minha vez de tomar a vacina. Foram momentos de muitas incertezas".
Ele também diz que viu muitos comissários adoecendo. "Soube de vários colegas que pegaram covid. E nem todos passaram por isso numa boa. Aconteceram internações longas e até mortes. Tudo isso abalou meu emocional e das pessoas que trabalham comigo", relembra.
O próprio Daniel foi infectado, mas, por sorte, não enfrentou um quadro grave. "Peguei a doença em 2020, mesmo voando pouco. Mas, se me perguntar se foi dentro do avião, não saberia responder. Após a transmissão, fiquei de quarentena e logo em seguida voltei ao trabalho".
Porém, tudo isso afetou imensamente a vida pessoal do comissário.
Após chegar de um voo, não ia mais para a casa dos meus pais. Ficava trancado no meu apartamento em São Paulo. Nas ocasiões em que fui vê-los, gastei dinheiro com testes de farmácia, para ter certeza que não estava contaminado".
Desrespeito às medidas sanitárias
A vacina, tomada neste ano, trouxe mais tranquilidade para Daniel. Mas, por outro lado, fez com que várias pessoas deixassem de seguir as regras sanitárias estabelecidas dentro das aeronaves.
O comissário relata que, com a vacinação avançada, mais passageiros começaram a tirar as máscaras a bordo. E muitos outros começaram a deixar a máscara só cobrindo a boca, com o nariz de fora.
Os próprios passageiros se denunciam dentro do avião, quando veem situações irregulares assim. Mas tudo isso gerou um trabalho extra para nós. Os comissários devem garantir que os protocolos sanitários sejam seguidos na aeronave".
Polícia Federal a bordo
A falta de uso da máscara dentro dos aviões gerou, durante a pandemia, situações estressantes para a comissária Paula*.
"Nos voos, sempre nos deparamos com viajantes que tiram a máscara o tempo todo. E temos que ficar em cima destas pessoas, para que elas respeitem os protocolos sanitários.
Mas, em um voo nacional, com destino a Brasília, houve um passageiro que se negou a usar a proteção facial. E, aí, tivemos que chamar a Polícia Federal".
Paula conta que este passageiro entrou no avião com mais três amigos. E, depois da decolagem, tirou a máscara. Nestes casos, os comissários se revezam para abordar o passageiro e pedir que ele cumpra as regras — é uma estratégia para mostrar que não é implicância específica de um tripulante e evitar que os ânimos fiquem exaltados.
E nós ficamos pedindo para que ele colocasse a proteção até a hora do pouso. Mas todos os pedidos foram negados".
Para piorar a situação, o homem estava ingerindo grande quantidade de bebiba alcoólica, que ele havia trazido em sua bagagem de mão para dentro da aeronave.
"Nós, então, informamos o comandante sobre esta situação. E ele entrou em contato com a equipe de solo, para que ela acionasse a Polícia Federal. O passageiro desobediente ia pegar outro voo em Brasília, mas, assim que o avião pousou na capital, policiais entraram a bordo e tiraram o homem do aaeronave, impedindo que ele fizesse sua conexão. Toda a situação foi muito desgastante", relembra.
Demitido e recontratado
Alguns meses após o começo da pandemia, já com o número de voos comerciais no Brasil em grande declínio, o comissário de bordo César* foi demitido. Trabalhando no setor aéreo desde 2016, ele se viu pela primeira vez sem emprego depois de muito tempo.
"Ser demitido ou ter medo de ser demitido foram as piores pressões que eu e muitos colegas vivemos durante a pandemia", diz ele.
Por sorte, César foi recontratado neste ano, no contexto da retomada das viagens aéreas no país. Mas a dura realidade da pandemia ainda faz parte do seu dia a dia.
Recentemente, ele viajou com uma amiga comissária que estava muito abalada, pois ela havia acabado de perder o pai para a covid-19.
E este é um de nossos maiores desafios: conviver com histórias tristes e, ao mesmo tempo, sempre ter que adotar uma postura sorridente para lidar com os passageiros e manter concentração total no trabalho, pois a segurança do voo também depende da gente."
Avião com dez passageiros
A comissária Fernanda* conta que, por conta da crise do setor, chegou a trabalhar em um voo com apenas dez passageiros. "Era algo inacreditável", conta ela.
Mas, com os aviões mais cheios e a retomada gradativa das viagens aéreas, ela tem enfrentado o mesmo problema que muitos de seus colegas: "não tem um voo em que não tenhamos que alertar pelo menos três passageiros para o uso correto da máscara", afirma.
Uma das situações mais difíceis vividas por Fernanda ocorreu quando, antes da decolagem de um voo dentro do Brasil, ela viu uma criança de cinco anos sem máscara ao lado do pai.
"Pedi para que o pai colocasse a máscara na filha, dizendo que crianças daquela idade também devem usar a proteção facial a bordo. Mas o homem ficou revoltado e se recusou a cumprir a determinação", lembra.
O comandante do avião foi informado sobre a situação e disse que acionaria a Polícia Federal para tirar os dois do voo caso o uso da máscara não fosse respeitado.
No final, foi a própria criança que decidiu colocar a máscara e encerrar esta situação tensa. Ela mostrou mais maturidade do que o pai na discussão".
*Para preservar sua identidade dos entrevistados, foram usados nomes fictícios.
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