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A pé, brasileiro percorre 4,5 mil km em trajeto entre o México e o Canadá

Arthur no Parque Nacional Glacier, em Montana, no trajeto de cinco meses - Arquivo pessoal
Arthur no Parque Nacional Glacier, em Montana, no trajeto de cinco meses Imagem: Arquivo pessoal

Marcel Vincenti

Colaboração para Nossa

22/12/2021 04h00

Com roteiros por estradas históricas, como a Rota 66, os Estados Unidos são um famoso destino para longas viagens de carro e de moto. Mas o brasileiro Arthur Villela de Souza (@arthur.ville), de 32 anos, resolveu atravessar o território norte-americano de uma maneira inusitada: a pé e sozinho.

Ele começou sua caminhada, em abril, na zona da fronteira do México com o Estado do Novo México. O objetivo da jornada era, em aproximadamente cinco meses, cruzar cinco Estados dos EUA (Novo México, Colorado, Wyoming, Idaho e Montana) e terminar o trajeto no Canadá, em um percurso conhecido como Continental Divide Trail (CDT).

Fui criado no meio do mato no Mato Grosso do Sul e sempre gostei de natureza. Já fiz trilhas em países como Nova Zelândia, Peru, Noruega e Geórgia. E sempre quis percorrer a CDT", conta ele.

Arthur em San Juan Mountains, Colorado - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Arthur em San Juan Mountains, Colorado
Imagem: Arquivo pessoal

A Continental Divide Trail apresenta uma variedade enorme de paisagens para os caminhantes, com regiões áridas, cânions, rios e montanhas nevadas.

Em um ritmo de andança de uma média de 35 quilômetros por dia, Arthur levou somente um mochilão com barraca de camping, saco de dormir, comida, água e fogareiro para preparar suas refeições.

No hostil deserto do Novo México, ele diz que sofreu com o sol intenso, carência de água, falta de áreas com sombra e cactos com espinhos enormes. "Os dias foram quentes no Novo México. Acampando no deserto, cheguei a acordar às 4 da manhã para começar a caminhada ainda durante a noite e percorrer longas distâncias antes de o calor ficar forte. Sofri muito com o sol", relata.

No sexto dia de trajeto pela Continental Divide Trail, ainda no Novo México - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
No sexto dia de trajeto pela Continental Divide Trail, ainda no Novo México
Imagem: Arquivo pessoal

Rio, cânion, sol e neve

Na Continental Divide Trail, porém, a monotonia e a dureza de muitas paisagens áridas logo dão lugar a obras-primas da natureza, com montanhas lindíssimas que aparecem no horizonte e formações rochosas onde é possível subir para admirar a região desde o alto.

O brasileiro, por exemplo, caminhou durante dias pelas margens e através do rio Gila, que cruza um cânion cujos paredões de recortes exóticos parecem ter sido levantados pelas mãos de um hábil escultor.

Arthur no Rio Gila, que passa 1.044 km através do sudoeste dos Estados Unidos e é um dos maiores rios que atravessam um deserto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Arthur no Rio Gila, que passa 1.044 km através do sudoeste dos Estados Unidos e é um dos maiores rios que atravessam um deserto
Imagem: Arquivo pessoal

"Enquanto eu avançava, o cânion ficava mais profundo, com seus paredões cada vez mais altos. Senti que estava caminhando através de uma catedral sem fim, com a água em meus pés deliciosamente gelada", relata. "Certa manhã, estava curtindo a vista quando, de repente, um veado pulou do meio do mato e foi até o rio beber água. Ele me olhou, bebeu um pouco mais de água e, bem devagar, saiu andando. Foi um grande dia".

Já ao subir uma região montanhosa, o viajante atravessou, no mesmo dia, um clima ensolarado, granizo, neve, chuva e sol de novo.

E, no meio do percurso, pôde deixar rapidamente os ambientes selvagens e curtir um pouco de conforto em um local construído pelo homem: ainda no Novo México, em um lugar chamado Gila Hot Springs, ele relaxou em uma espécie de piscina de águas termais sob uma estrutura de madeira que lhe proporcionou uma agradável sombra, em um descanso revigorante após dias seguidos batendo perna.

"Era uma área de camping com águas termais e com diárias de apenas 10 dólares. Um descanso merecido", conta ele.

Desafios e ajuda de estranhos

Com menos 10 quilos no primeiro mês de trajeto pela CDT, Arthur colecionou bolhas nos pés, além de dores no calcanhar e nos tornozelos — além de ter convivido com sangramentos no nariz na secura do deserto.

Arthur em The Grand Tetons, montanha em Wyoming - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Arthur em The Grand Tetons, em Wyoming
Imagem: Arquivo pessoal
Cordilheira Wind River, localizada em Wyoming - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cordilheira Wind River, localizada no Wyoming
Imagem: Arquivo pessoal

E, se as pernas precisam estar fortes, a concentração deve permanecer afiada: Arthur já se deparou com cobras na trilha. Além disso, há as mudanças bruscas de clima. Quando chegou ao norte do Novo México, por exemplo, o brasileiro caiu novamente em uma área desértica, com um ambiente não muito acolhedor para humanos.

"Nesta região, os dias eram muito quentes e, durante a noite, o clima ficava congelante", conta ele.

Arthur em um dia que pegou neve e sol na mesma caminhada - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Arthur em um dia que pegou neve e sol na mesma caminhada
Imagem: Arquivo pessoal

Mas não tem sido difícil, para o viajante, encontrar pessoas dispostas a ajudar.

Ao andar por rodovias, Arthur foi abordado, em mais de uma ocasião, por motoristas que lhe ofereceram comida, bebida isotônica e até cerveja. E, em trechos da CDT, há pessoas que deixam água gratuita em galões para os trilheiros.

Esta é uma das partes mais mágicas desta trilha nos Estados Unidos. A gente encontra muita gente disposta a ajudar sem pedir nada em troca", diz o brasileiro.

Arthur no deserto The Basin, entre os estados de Oregon, Idaho, Nevada, Utah, Wyoming, Colorado e a Califórnia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Arthur no deserto The Basin, entre os estados de Oregon, Idaho, Nevada, Utah, Wyoming, Colorado e a Califórnia
Imagem: Arquivo pessoal

Noites no deserto e ao lado de rios

Encontrar lugares onde dormir é também parte da diversão para Arthur.

Sempre que possível, ele faz questão de acampar em locais com lindas paisagens naturais — algo que não é difícil de encontrar na Continental Divide Trail. "Aqui, você pode acampar em qualquer lugar", conta ele. "Para montar a barraca, só basta ter chão e não ser propriedade privada".

Ele já armou sua casa de camping sob a sombra de árvores e ao lado de riachos, sob as estrelas do deserto, de frente para um cânion e entre incríveis paisagens montanhosas.

Encontro com amigos no Mount Taylor, o ponto mais alto do trajeto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Encontro com amigos no Mount Taylor, o ponto mais alto do trajeto
Imagem: Arquivo pessoal

E nem sempre o brasileiro está sozinho: ao longo da CDT, ele conheceu outros viajantes que estavam fazendo o mesmo percurso e, na companhia deles, explorou algumas das paisagens do trajeto.

Cinco meses depois...

Em setembro, Arthur concluiu o trajeto de 4.512 quilômetros por desertos, montanhas nevadas, florestas, vales e rios.

No fim da aventura, com 17 quilos a menos, Arthur celebrou o final em seu Instagram: "senti uma enorme variedade de emoções que foram da solidão, ao medo, ao mais puro estado de felicidade ao intenso sentimento de completude".