Guia gastronômico Zungu exalta e divulga o jeito afrocarioca de cozinhar
"Existe uma forma carioca de fazer gastronomia, mas também existe uma forma afrocarioca de cozinhar", afirma Kanu Akin Andrade. Foi pensando nessa identidade própria que ele e sua família, donos do Dida Bar e Restaurante, localizado na zona norte do Rio de Janeiro, criaram o Guia Zungu.
A primeira edição do guia foi lançada no Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro de 2021, e contempla bares e restaurantes que se identificam como negócios de gastronomia liderados por pessoas pretas. Kanu os chama de "guardiões da cultura afro": representam cada território e contam sua história através da comida. Como ele brinca, é o "jeitinho afrocarioca de se cozinhar".
"Eu pego como referência a comida baiana: quando a gente pensa na Bahia, pensa no acarajé, no abará, que é uma gastronomia que tem muita influência iorubá, niger, Congo e por ai vai.
No Rio, já é outra influência, ela é da Guiné, Angola, que é a comida com mais cozido, como o frango com quiabo, que é muito banto".
Valorização e identidade
Nesta edição de 2021, foram listados 21 bares e restaurantes localizados em diversas regiões da cidade. Na zona sul, um deles é o YáYá Comidaria Pop, comandado pela chef Andressa Cabral. Na zona norte, o Na Minha Casa, do chef João Diamante, e o Afro Gourmet, da chef Dandara Batista.
Cada um dos restaurantes escolheu a forma como gostaria de se apresentar, de mostrar sua cozinha e selecionou um prato importante da sua casa, com um valor que é semelhante a todos os restaurantes citados.
A chef Dandara acredita que o guia é essencial para valorizar a gastronomia preta, que tem tanta influência na comida brasileira.
O Guia Zungu é importante para mostrar o quão diversa pode ser a gastronomia feita por pretas e pretos, ao mesmo tempo que une e dá visibilidade a esses espaços".
Nasceu o guia justamente da necessidade de mais visibilidade. No início de 2020, com a pandemia do coronavírus, Kanu e a família do Dida se viram com as portas fechadas, três semanas depois de terem inaugurado um novo espaço. O casarão reformado, pronto para receber muita gente, teve que operar apenas com delivery.
Dessa forma, foram percebendo que, em tempos de isolamento social, a coletividade era a saída para enfrentar um momento tão conturbado, principalmente para donos de pequenos negócios.
Depois de Kanu ir às ruas em busca de financiamento e fazendo uma curadoria dos lugares que quisessem participar, o Zungu conseguiu apoio da Prefeitura do Rio e da Subprefeitura do Centro, que financiaram a impressão de 25 mil exemplares. O guia também está disponível na versão online.
O desejo para 2022 é dobrar o número de estabelecimentos participantes. Inicialmente, foram selecionados restaurantes que se posicionam politicamente e se reinvindicam negócios de gastronomia preta. Porém, o desejo é englobar todos os bares e restaurantes, independentemente se eles se posicionam ou não. Até porque, como Kanu afirma, "pra ser negro, não precisa se posicionar politicamente, já é, já está".
O zungu
O nome do guia é uma homenagem à resistência e à cultura afro carioca. "Zungu" eram casas localizadas na Região Portuária do Rio de Janeiro que serviam como ponto de encontro e acolhimento de pessoas que tinham se libertado do estado de escravidão no qual forma impostos. Nelas, era servido o "angu", prato feito de fubá, e haviam celebrações culturais e religiosas, com muita música.
Os "zungus" eram um importante centro de coletividade e ancestralidade. São essencialmente cariocas e é na ideia de se inspirar no passado para projetar um futuro melhor, que Kanu se inspira.
"A gente no Dida Bar é meio sonhador, este sonho de mudar o mundo. E o zungu nada mais é do que nossa tentativa de mudar.
2022 é o ano de colocar as ideias pensadas na pandemia na prática, desaguar tudo, vir de enxurrada e de que é possível empreender levando em consideração todo esse arcabouço cultural que a população negra tem".
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