Novo Vietnã: o bizarro parque nos EUA que, ainda bem, nunca abriu as portas
Em sua quase centenária história com parques de diversão, a Flórida tem alguns casos que, felizmente, jamais foram construídos. Em meados da década de 1970, os arredores do Cabo Canaveral, conhecido por abrigar o Centro Espacial Kennedy e uma base da Força Aérea dos Estados Unidos (e, portanto, um lugar com altas doses de patriotismo), escapou de sediar um parque temático inspirado, ironicamente, na Guerra do Vietnã, conflito do qual o país tinha acabado de sair derrotado.
Acontece que seu idealizador acreditava que os EUA ganharam a guerra. E esse é um dos elementos menos insólitos da história.
O pastor evangélico Carl McIntire e Giles Pace, militar que serviu na guerra, propuseram a criação do Parque Novo Vietnã, que começou a sair do papel em 1975, meses após a queda de Saigon, evento que marcou o fim do conflito. A ideia era simular o conflito e trazer a "realidade" vietnamita para a Flórida.
McIntire, um pastor fundamentalista e defensor ferrenho da guerra, queria espalhar em uma área de 120 hectares sua ideia de parque. Os turistas poderiam passear de sampana, barco de madeira típico dos rios do Sudeste Asiático, e passar por uma aldeia vietnamita e um acampamento de tropas americanas, devidamente cercado por arame farpado, minas terrestres cenográficas e estacas de bambu. Tiros, explosões e gritos desesperados de civis comporiam os efeitos sonoros do ambiente.
A fim de dar mais realidade ao combate fictício, soldados contratados entrariam em cena e enfrentariam vietnamitas de verdade: refugiados da guerra, pagos para reviver, dia após dia, os horrores que eles presenciaram.
Para não deixar os visitantes de lado em meio a toda essa ação, o parque estimularia a interação. Você poderia se proteger no quartel e até se posicionar no controle de metralhadoras.
O início de um sonho
Em 1971, segundo o jornal "The New York Times", McIntire comprou um grande terreno na Flórida a fim de criar um centro de conferências cristão. Praticamente todas as outras menções a ele na imprensa naqueles anos faziam referências às marchas e atos em prol da guerra.
Ao longo do conflito, cerca de 130 mil refugiados vietnamitas foram reassentados em todo o território americano, e muitos deles receberam apoio de igrejas. McIntire também patrocinou a iniciativa, mas seu objetivo era um tanto diferente.
De acordo com uma reportagem da revista "Newsweek" de 1975, McIntire decidiu aproveitar a área que comprara anos antes, que incluiria um hotel da rede Hilton e um prédio de 276 apartamentos, para criar sua visão vietnamita. Para tanto, ele patrocinou a vinda de 56 refugiados, a maioria empresários, profissionais liberais e militares.
A princípio, esses vietnamitas trabalhavam na Viet Arts, uma fábrica de bugigangas de decoração, produzindo de árvores de Natal a elefantes de cerâmica.
"Acredito que as pessoas pensavam que esses vietnamitas eram uns desesperados que fariam qualquer coisa para sobreviver, então os americanos achavam que estavam fazendo um favor a eles permitindo que conseguissem trabalho", disse Yen Espiritu, especialista em imigração e refugiados na Universidade da Califórnia em San Diego, em entrevista ao podcast americano "Under Understood". Então, esses tipos de ocupação eram comuns aos refugiados, apesar de a maioria deles serem de classe média e média alta, sem experiência em trabalhos braçais.
Somente depois é que surgiu a ideia do parque, que receberia dezenas de palmeiras e bananeiras para compor o ambiente, além de um museu com "armas usadas pelos comunas", segundo o texto da "Newsweek".
Os criadores do parque garantiram à revista que todo o dinheiro voltaria aos vietnamitas e que não havia nada ofensivo naquilo. Mas Cong Nguyen Bin, um outrora próspero empresário de Saigon (atual Cidade de Ho Chi Minh) e supervisor da Viet Arts, declarou o seguinte:
Minha esposa não vai ficar andando naquela vila em uma fantasia como o Mickey Mouse. Nós queremos esquecer, queremos viver aqui como vocês, não queremos mais guerra"
Deu tudo errado
O "Under Understood" desenterrou a edição de 8 de novembro de 1975 de um jornal regional chamado "Florida Today", de Cocoa, no mesmo condado onde fica Cabo Canaveral. A publicação noticiou que 16 refugiados vietnamitas abandonaram McIntire. A administração do prédio disse que eles destruíram os apartamentos, roubaram utensílios e não estavam mais trabalhando.
Outros refugiados debandaram, esvaziando o plano do Parque Novo Vietnã antes mesmo de sua implementação. Sem os vietnamitas, o parque perdia seu suposto atrativo principal.
Em vez disso, o que se desenvolveu na Flórida a partir de então foi uma pujante comunidade vietnamita. Orlando, por exemplo, tem até seu Little Vietnam, com restaurantes, comida de rua, música, dança e festivais de cultura.
McIntire morreu aos 95 anos, em 2002. Ao longo de sua vida, ergueu um império que defendia com vigor seus ideais. Ele teve jornal, programa de rádio e um centro de eventos na Flórida. O historiador Randall Balmer, especialista em estudos de religião, o descreveu como o "P.T. Barnum do fundamentalismo americano", em referência ao polêmico empreendedor que fez fama e fortuna no século 19 com seu circo de "aberrações".
Além do Novo Vietnã, McIntire lançou outras propostas ao longo da vida, que igualmente não viraram realidade. Em 1991, propôs a reconstrução da Arca de Noé. Em 1971, sugeriu uma réplica do Templo de Jerusalém na Flórida. Também chamado de Templo de Salomão, é a mesma obra bíblica que a Igreja Universal ergueu em São Paulo em 2014.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.