Pizza já foi prato detestado na Itália, até que turistas mudaram a história
É difícil pensar em pizza e, automaticamente, não ser levado às belas paisagens italianas. São Paulo, uma das capitais mais italianas "fora da bota" em todo o mundo, deve aos imigrantes europeus sua obsessão com o prato em uma sexta à noite.
No entanto, naquela que é considerada sua terra natal, a redonda já foi muito desprezada — e até detestada.
Apesar de suas origens que remontam à Antiguidade, a pizza atravessou séculos se adaptando até chegar às receitas mais tradicionais que conhecemos hoje, com queijo, molho de tomate e orégano sobre uma massa assada.
Segundo o site especializado "Food52", houve versões exóticas no seu passado: no século 16, a iguaria recebia uma compota de frutas doce, por exemplo, como cobertura. No século 19, ela já era bem parecida com aquela que você pede hoje através do celular. Isso não quer dizer, contudo, que ela fosse uma unanimidade entre todos os paladares.
A jornalista Matilde Serao ilustrou bem essa relação complexa em seu livro "Il Ventre di Napoli" ("O Ventre de Nápoles", em tradução livre), de 1884. Em um trecho, ela narra a chegada em Roma daquela que era considerada uma comida de rua ao sul do país, uma região bem mais pobre.
"No início, uma multidão veio, depois o movimento enfraqueceu. A pizza, removida de seu ambiente napolitano, parecia fora do tom, e era símbolo apenas de indigestão. Sua estrela se escureceu em Roma, uma planta exótica, e morreu em um silêncio solene na Cidade Eterna".
Em seguida, ela explica que a popularidade da pizza no sul da Itália se devia ao seu baixo preço: apenas um soldo, cerca de 5 centavos da moeda local, por fatia. Por isso, ela servia de café da manhã ou almoço para uma grande parte da população napolitana.
Pizzaiolos preparavam "a massa densa que queima, mas não assa" à noite, as cobriam com tomates "quase crus", orégano, alho e pimentas, e em seguida cortavam as fatias e distribuíam a meninos que andavam pelas ruas vendendo-as em uma mesa móvel.
Lá ele fica durante todo o dia, com estes pedaços de pizza que congelam no frio, que se amarelam no sol, que são comidos por moscas. Há fatias também que custam dois centavos, para crianças que estão indo à escola; quando o estoque se acaba, o pizzaiolo volta a encher as mesas até tarde da noite. Há também meninos que carregam um grande contêiner delas sobre a cabeça à noite. Eles levam a pizza e dão um grito especial, dizendo que eles têm fatias com tomate e alho, com muçarela e anchovas salgadas. As mulheres pobres sentadas nos degraus compram alguns pedaços para jantar." Matilde Serao em seu livro "Il Ventre di Napoli"
Não à toa, por décadas, a pizza foi associada com pobreza, doença e sujeira.
Apesar de uma popular história que sugere que, em 1889, a rainha Margherita, esposa do rei Umberto 1º, teria encomendado uma versão da pizza com manjericão e permitido que esta fosse batizada com seu nome, uma pesquisa de Zachary Nowak, do The Umbra Institute, demonstrou que a versão foi forjada e seu secretário real, Camillo Galli, jamais escreveu a carta de aprovação da ideia.
As pizzas napolitanas continuaram, ao longo do século 19, a se tornar imensamente populares, mas apenas na região. No entanto, assim como aconteceu em São Paulo, os imigrantes italianos levaram a receita aos EUA no início do século 20.
Em Nova York, Nova Jérsei e outras regiões com grandes comunidades do sul do país europeu, ela começou a ganhar mais tração especialmente durante a Grande Depressão, na década de 30, justamente por ser barata — como havia ocorrido um século antes em Nápoles.
Após a Segunda Guerra Mundial, migrantes, descendentes e americanos com seus paladares já apaixonados pela pizza voltaram à Itália para o turismo. E, esperando vê-las em toda parte, criaram uma demanda pelo prato que os italianos ainda não conheciam. Para não perder esta fatia — literalmente — do mercado, pizzarias começaram a abrir por todo o país.
"Como o jeans e o rock, o resto do mundo — incluindo os italianos — adotaram a pizza porque ela era 'americana'", alfinetou ao canal History o crítico gastronômico John Mariani, autor de "How Italian Food Conquered the World" ("Como a Comida Italiana Conquistou o Mundo", em tradução livre).
A pizza, como boa parte da cultura "boomer", refletia um clima de liberdade, diversão. Ela era rápida, leve, podia receber várias coberturas e agora estava em toda parte: filmes, livros e músicas. Assim, surgiram as grandes cadeias de pizzaria — Domino's, Pizza Hut, Papa John's — e a tal humilhada foi, finalmente, exaltada.
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