Na República Tcheca, é possível dormir em um bunker da 2ª Guerra Mundial
Quando os nazistas construíram um bunker escondido sob o castelo de Brno, a segunda maior cidade da República Tcheca, não imaginavam que dezenas de anos mais tarde qualquer pessoa poderia dormir ali. É só fazer uma reserva no 10-Z, o bunker que agora funciona como hotel.
São 18 quartos, a 25 metros abaixo do castelo de Spilberk, espalhados por um verdadeiro labirinto projetado para comportar até 500 pessoas por três dias em caso de ataque por armas de destruição em massa.
Os hóspedes não podem ligar para luxo: como todo abrigo subterrâneo, os quartos não têm janelas. O clima é pesado, o cheiro é de mofo, o banheiro é sempre coletivo e nada de aquecimento no hotel: durante todo o ano, a temperatura é constante de 18 ºC.
Apesar disso, a maioria dos quartos está sempre ocupada. E, por conta do conforto que passa longe, o próprio idealizador, o tcheco Pavel Palecek, recomenda que a estadia seja de apenas uma noite.
A história do local
Até ser aberto como hotel (ou, mais apropriado, hostel) em 2016, o bunker tem história.
Brno é agora uma das cidades mais bonitas e turísticas da República Tcheca, mas foi fortemente atingida durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1944, ela vinha sendo constantemente bombardeada e, para se protegerem dos bombardeios de norte-americanos e soviéticos, os nazistas resolveram criar o bunker na cidade.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, de 1946 a 1948 o bunker funcionou como armazém de vinhos até ser confiscado e tomado pelo Partido Comunista da União Soviética dois dias depois do golpe. A partir de então, o lugar foi classificado como ultrassecreto e serviu como base dos líderes comunistas.
E é nesses antigos quartos, dos comandantes do governo comunista, que qualquer turista pode passar a noite.
Por dentro do bunker
Além da falta de janelas e de banheiro dentro da habitação, a decoração é peculiar: pôsteres de líderes da antiga União Soviética, telefones da década de 1980, vitrolas, televisores e rádios das décadas passadas formam o ambiente — os objetos são todos autênticos, mas a maioria foi comprada para a reabertura do bunker.
Também não espere um edredom macio: os hóspedes passam a noite em sacos de dormir militares colocados sobre as camas.
Quem fica no hotel ganha um tour pelo bunker — e quem não acha nada agradável dormir em quartos subterrâneos não fica em desvantagem e também pode fazer uma visita por 240 coroas tchecas (cerca de 10 euros). É só pegar um mapa na entrada ou, para ter a garantia de que você não vai se perder por lá, entrar em um tour guiado que leva de 40 minutos a uma hora.
Seja qual for o tempo da sua estadia, você vai passar pela antiga central telefônica com 1200 pares de telefones, pela sala de transmissão de rádios, pelos filtros que têm como função tirar a umidade lá de baixo e até pela entrada do antigo cárcere, cenário de torturas e mortes, especialmente na década de 1950.
Quem faz apenas o tour passa rápido pelo salão de confraternização, área decorada por sofás vermelhos velhos, mesas de madeira, capacetes, cantis de soldados e mapas sobre radioatividade.
Café dos campeões
Já os hóspedes têm ali o café da manhã que está incluído na diária — a partir de 20 euros nos dormitórios coletivos e 50 euros nos quartos duplos "luxuosos". É servida comida típica do tempo comunista, com a diferença de ser formada por ingredientes de mais qualidade.
É a sua chance, por exemplo, de provar pão com Pasta de Budapeste — uma espécie de cream cheese misturado com manteiga e pimentões vermelhos picados, que foi bastante popular na Tchecoslováquia entre a década de 1950 e o fim da União Soviética. Há ainda pasta de ovos, pasta de torresmo e chá preto russo.
"Parece ruim, mas é muito melhor do que durante o período comunista. Como somos um lugar barato e jogamos o jogo de ser um lugar pós-apocalíptico, é um café da manhã frio e muito humilde.
Confie em mim que depois de uma noite no escuro total, em uma cama militar autêntica de 80 centímetros, mas dura, e dentro de um saco de dormir, você vai gostar do café da manhã", assegura Palecek.
Entre turistas e nostálgicos
O bunker ainda é ativo e faz parte do sistema de defesa da região. Em caso de emergência, a administração garante que o lugar pode ser usado para a população: nesse caso, a chave é passada para o governo. Mas até hoje nada disso foi preciso e os viajantes podem ficar tranquilos para aproveitar a estadia.
O 10-Z acomoda cerca de 50 pessoas, seja nos dormitórios com beliches seja nos quartos privativos duplos ou familiares. Quem prefere dormir sozinho pode passar a noite no chamado "quarto individual luxo", equipado como um antigo local de interrogatório da polícia do Estado.
"Eu não dormiria neste quarto. Mas, de toda forma, todos são decorados no estilo comunista da década de 1950 e são bem assustadores", descreve Palecek. A falta de conforto tem lá suas vantagens.
Segundo ele, "quem costuma se hospedar no bunker são os jovens casais que querem se conhecer um ao outro melhor do que se ficassem em confortáveis hotéis-butique com jacuzzi". Outros hóspedes comuns são os eslovacos, os moradores de Praga, turistas do Leste Europeu e, claro, os mochileiros que buscam um lugar barato para se hospedar, e acabam descobrindo mais do passado.
Outros são os avós que levam os netos ao bunker e vão contando sobre o que viveram, apontando, por exemplo, o pacote de bolachas, o açúcar com corante para fazer "sucos" e a embalagem cor bege sem sal das sopas instantâneas.
Apesar da recomendação de passar só uma noite no bunker, teve quem ficasse dez dias e ainda repetisse a experiência. É o caso do cineasta dinamarquês Constantin Birkedal, que se hospedou a primeira vez no bunker junto com a esposa em 2017.
A localização é perfeita: bem no centro de Brno e a dois minutos dos parques e das atrações históricas. Os quartos não têm nada de luxo, e isso era perfeito para nós: só queríamos um lugar para dormir", conta.
Novo empreendimento
Entre camas hospitalares e máquinas de raio-X originais, Palecek, que é historiador, com doutorado em história moderna e especializado em regimes autoritários, também administra o Franz Kafka Spitál, hospital onde o escritor tcheco teria trabalhado que virou uma hospedaria.
Tanto no bunker 10-Z quanto no hospital, emprega 40 pessoas com deficiência, entre eles, médicos, gerentes de empresas, policiais e outros profissionais que não puderam mais trabalhar em suas áreas.
No bunker, por exemplo, dois dos guias são cegos — e conhecem o labirinto melhor do que ninguém. Já o Franz Kafka Spitál pode ser considerado o único hospital onde são as pessoas com deficiência que cuidam de quem chega.
"Eu tenho prazer de ver que um espaço criado pelo Terceiro Reich, que previa justamente matar todas as pessoas com deficiência, agora dá trabalho a eles.
Eu espero que Hitler e seus homens estejam se revirando nos túmulos, assim como Stalin", finalizou.
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