Na terra do Drácula, museu da tortura da Transilvânia transborda sangue
"Manda um abraço para o Drácula" ou então "bota um colar de alho" foram algumas das frases que eu escutei quando falava com familiares e amigos na véspera de Natal. Depois dos desejos recíprocos de paz e amor, tinha contado que estava com minha namorada na Transilvânia, Romênia, e que no dia seguinte visitariamos o tal castelo do Drácula.
O Castelo de Bran, o nome real desta que é uma das maiores atrações turísticas da ex-república comunista do leste europeu, vale a visita por ser uma construção gótica muito particular do ano 1211, quando as primeiras arestas de rochas maciças começaram a formar a fortaleza que jaz cravada no alto de uma colina.
Um pequeno lago separa o acesso ao redor do castelo, cenário ímpar para fotos sombrias sem necessidade de filtros, e a rampa da entrada principal, cercada por galhos secos de inverno e sobrevoos de corvos.
É um cenário turístico ideal para o que se vende (49 Leus romenos = R$ 57) só que o marketing vampiresco para por aqui.
Sofrimento longe da ficção
Se o seu anseio for por sangue e histórias de terror, você pode desembolsar um pouco a mais (10 Leus romenos = R$ 13) e visitar a "Câmara da Tortura", ou museu de instrumentos medievais de tortura, e entender que a Transilvânia transborda, sim, muito sangue em seu passado, mas que isso não é culpa do personagem criado pelo escritor irlandês Bram Stocker, em 1897.
E, sim, de outro real do século 15 e que é o primeiro retrato que você vê na parede de entrada, logo após a catraca de acesso. Trata-se de Vlad 3° (1431-1477), por três vezes príncipe da Valáquia, região que futuramente formaria o atual território romeno.
Reza a lenda que Stocker se inspirou justamente em Vlad para criar o famigerado Drácula, ao saber que ao vencer os combates contra o Império Otomano da época, ele praticava o empalamento, daí o nome Vlad Tepes, em romeno, empalador.
A técnica maquiavélica consistia em inserir um tronco afiado na ponta pelo ânus da vítima até que saísse pela boca. Uma prática tão cruel e precisa que fazia com que os prisioneiros sangrassem e agonizassem lentamente até a morte.
Relatos históricos dizem que em uma batalha em 1462, cerca de 20 mil otomanos foram mortos e empalados pelo exército cristão de Vlad. Este cenário foi marcante para definir o contexto de tortura no mundo medieval', explica a guia turística Milena Damanescu, responsável pelo setor do museu da tortura.
Ou seja, no Castelo de Bran, o sobrenatural vive no imaginário, já que a construção foi a única na região que se assemelhava às características descritas sobre o lar do Conde Drácula.
"Como Vlad era membro da Ordem do Dragão, 'Dracul' em romeno, um grupo de cavaleiros cristãos cuja missão era proteger o território da invasão otomana, vemos mais uma evidência de que Stocker, sim, se inspirou em Vlad para compor seu personagem", completa Damanescu. "Boa sorte", diz ainda, ao nos dar as boas-vindas ao museu.
30 meios de sofrimento
São quatro andares até chegar ao setor dos instrumentos medievais de tortura. Os tetos são baixos e é preciso estar sempre atento para não bater a cabeça ao passar pelas dezenas de restauradas portas de ferro e madeira maciços.
Existe inclusive uma passagem secreta paralela à chaminé da mansão cujo teto não ultrapassa 1,70 metro a partir do quarto da Rainha Maria da Romênia, que entre 1920 e 1947, restaurou a construção e fez dela a residência oficial da realeza romena.
O primeiro elemento de tortura que chama atenção jaz em uma caixa de vidro no lado direito de um cômodo estreito e pouco ventilado: trata-se do cinto de castidade. Uma prática de tortura sofrida pelas mulheres da época dentro dos seus próprios lares.
Como era comum que os homens deixassem seus lares de origem, em batalhas ou a trabalho, por longos períodos, as esposas da época eram "trancadas". E a chave ficava com o marido. Muitas morreram por infecções, já que o material usado era, claro, metálico.
O que dizer então da Virgem de Nuremberg? Na esquina do primeiro dos quatro aposentos da "atração", está um sarcófago que, ironicamente, no topo, traz um rosto com um sorriso esculpido em madeira. Por dentro, lanças pontiagudas, sem poder de atingir órgãos vitais, faziam deste o instrumento de tortura dos mais utilizados no século 16 pela região.
Caminhando e olhando sempre para o teto baixo, na segunda câmara, está algo não menos atroz: a Cadeira de Interrogatório. Preso pelos pés e mãos, o prisioneiro sentava-se nu e passível de diversas perfurações oriundas de espinhos de madeira afiados. Em julgamentos realizados na Europa central até 1846, o instrumento era usado como um confessionário — podendo se estender por horas a fio. Às vezes, as lesões eram tão agudas que rasgavam os músculos das vítimas. Muitas sucumbiam.
O estômago vai, pouco a pouco, se embrulhando. Quase que literalmente, já que no terceiro aposento está a Tortura d'Água. É isso mesmo o que você está lendo. Presa pelos pés e mãos, a vítima era apoiada na região lombar numa barra de madeira central. Com um funil instalado na boca, era obrigada a confessar até o que não sabia depois de sentir inflar o seu estômago com excesso de líquido. Não a conhecia, mas pesquisando fui entender que foi das práticas de tortura mais dolorosas existentes.
No final da sessão, está a longa estaca de Vlad, O Empalador. O que só traz a certeza de que a velha máxima do "melhor sempre ter medo dos que estão vivos" se aplica perfeitamente por ali.
COMO CHEGAR
Da capital Bucareste, o trem direto para Brasov, uma das principais cidades da Transilvânia e cidade de apoio para quem quer esquiar na estação de Poiana Brasov, o trem na classe econômica é bastante acessível para os 166 quilômetros de distância: custa 37 Laus romenos, R$ 48. De lá, por 6 Laus romenos cada trajeto, ou R$ 8, há um ônibus turístico que percorre os 30 quilômetros restantes.
Temerário também é o frio na região, já que nesta região temperaturas como - 25°C são lugar comum.
Roupas térmicas são muito bem-vindas e atenção: ao buscar alojamento, certifique-se que o sistema de calefação funcione bem lendo as recomendações.
Mais Vlad, o Empalador
Se quiser descobrir um pouco mais sobre o rei da tortura medieval, vale uma esticada ao simpático vilarejo de Sighisoara, cheia de casas coloridas em seu centro histórico, tombadas pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade e onde supostamente nasceu Vlad, O Empalador.
Está conservada inclusive a casa onde ele teria vivido até os cinco anos de idade, muito embora seja uma atração turística bastante dispensável: o quarto do Drácula, decorado, tem um homem deitado num caixão ao centro que, depois de tentar te dar um susto vestido de vampiro, te pede algumas moedinhas de gorjeta.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.