Cenário de novela, Pequena África guarda história negra no Rio de Janeiro
Ambientada no Brasil do século 19, a novela "Nos Tempos do Imperador", da TV Globo, tem como um de seus principais cenários um local chamado Pequena África. Na trama global, trata-se de uma área do Rio de Janeiro que é reduto de negros livres e de pessoas em fuga da situação de escravidão, em uma comunidade colaborativa que luta para manter seus costumes e crenças religiosas.
Nem todos sabem, porém, que a Pequena África existe no Rio da vida real, abrigando locais fundamentais para explicar a história da escravidão no Brasil e da rica herança deixada pelos africanos e seus descendentes no país.
Esta parte portuária da cidade, afinal, constituiu um ponto de desembarque de centenas de milhares de pessoas trazidas à força da África para trabalhar em solo brasileiro como escravos, além de ter virado lar de um expressivo número de alforriados.
A Pequena África do mundo real se espalha pelos bairros cariocas da Saúde, Gamboa e Santo Cristo — e, hoje, pode ser visitada em tours guiados, que buscam desvendar para o público capítulos importantíssimos da trajetória da população negra no Rio de Janeiro.
Uma das pessoas que conduzem estes tours é Thais Rosa Pinheiro, fundadora da agência de turismo de base comunitária Conectando Territórios (@conectandoterritorios).
A visita à Pequena África é um tour a pé, com duração de duas ou três horas. Entre os lugares visitados estão a Pedra do Sal, o Jardim Suspenso do Valongo, o Cais do Valongo e o Cemitério dos Pretos Novos.
O Cais do Valongo foi, no século 19, um movimentado ponto de desembarque de pessoas escravizadas que chegavam ao Rio de Janeiro de navio desde a África — e, atualmente, parte da antiga estrutura deste lugar pode ser vista pelos turistas.
Já na área da Pedra do Sal era descarregado, por mão de obra escrava, o sal que também chegava a bordo de embarcações.
Mas a importância histórica deste lugar não para por aí: o local é considerado o berço do samba carioca, aonde iam fazer música artistas negros como João da Baiana, Pixinguinha e Donga.
Hoje, a Pedra do Sal ainda é um dos mais tradicionais pontos de encontro de sambistas na capital fluminense, além de ter um de seus muros marcados por uma enorme pintura que retrata Zumbi dos Palmares.
O Cemitério dos Pretos Novos, por sua vez, é um dos pontos mais tocantes de qualquer passeio pela Pequena África, marcando o lugar onde foram achadas, no final do século 20, valas com milhares de fragmentos de restos mortais de africanos escravizados que morreram logo após o desembarque da infernal travessia marítima entre a África e o Rio.
Opera atualmente neste local o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, dedicado a preservar o patrimônio material e imaterial africano e afro-brasileiro.
E o Jardim Suspenso do Valongo fica na área onde existiam as infames "casas de engorda" (nas quais pessoas africanas eram alimentadas para ganhar peso e, assim, ter seu preço mais valorizado no mercado).
Importância do tour
O afroturismo vem ganhando força nos últimos anos ao conscientizar as pessoas da história e da herança deixada pelos africanos em nosso país. A cidade do Rio de Janeiro foi erguida por pessoas negras, que deixaram seu legado em nossa língua, costumes, rituais e culinária", diz Thais.
Segundo ela, o tour pela Pequena África é importante para disseminar a história do Rio pela perspectiva negra, com histórias de resistências, lutas e vitórias.
"A história que aprendemos na escola só mostra o lado do colonizador. E, por muitos séculos, a trajetória afro-brasileira foi apagada no Brasil. Entender este outro lado da história nos ajuda a compreender os conflitos que permeiam nossa sociedade até hoje e com os quais ainda não sabemos lidar.
É algo que pode nos ajudar a encontrar soluções para diminuir as desigualdades raciais existentes na nossa cidade, que é muito segregada".
Thais conta que chega a conduzir 40 pessoas por mês em tours pela Pequena África. E que atualmente, por causa da pandemia, a Conectando Territórios também realiza tours virtuais pela área. O tour virtual é feito pelo Zoom e pode ser agendado pelas redes sociais da Conectando Territórios.
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