Brasil também tem seu Triângulo das Bermudas, com 200 naufrágios; conheça
No oceano Atlântico, entre Porto Rico e a Flórida, tempestades, ventos poderosos e uma mal-humorada corrente marítima alimentam por anos a ideia de um triângulo imaginário capaz de tragar misteriosamente barcos e aviões.
Sobrou até para os seres de outras dimensões, culpados pelos inexplicáveis desaparecimentos no "Mar do Diabo", como a região batizada de Triângulo das Bermudas também é conhecida.
O Brasil conta com sua própria área misteriosa nos mares. Mas, por aqui, a culpa não é dos alienígenas.
Localizado a 80 quilômetros da Ilha dos Lençóis, no litoral oeste do Maranhão, o Parque Estadual Marinho do Parcel de Manuel Luís é conhecido como o "Triângulo das Bermudas" brasileiro.
Cemitério submerso
O título se deve pela grande quantidade de navios que foram a pique, ao longo de décadas, por conta das fortes correntes marítimas e bancos de corais que se ocultam nas águas da região, considerada um dos maiores cemitérios de navios do mundo.
Pelas contas oficiais, são cerca de 200 embarcações naufragadas, em uma área protegida com mais de 45 mil hectares.
Esse parcel, como são chamados os rochedos ou bancos de areia próximos da linha d'água e que às vezes não são visíveis durante a navegação, sempre significou uma ameaça à navegação.
E só quem já submergiu por ali sabe o que significa estar naquelas águas invocadas.
É uma região um pouco perigosa para navegar porque tem muitos cabeços de corais [rocha de corais sobrepostos] que não chegam a aflorar", descreve o mergulhador paulistano Fábio Borges, em depoimento para Nossa.
Para ele, apesar da boa visibilidade e da fauna variada no parcel, uma das maiores dificuldades é a forte correnteza que muda de direção, repentinamente, por conta da grande oscilação da maré.
"A viagem é um pouco tensa e não é nada confortável. Mas, no final, acaba compensando porque é realmente especial", diz Fábio, que também destaca a beleza cênica dos naufrágios e a presença de animais como o mero, um dos maiores peixes marinhos.
Além dessa espécie ameaçada de extinção, o parque, um dos ambientes de maior diversidade biológica do mundo, abriga mais de 200 espécies marinhas, como o budião-azul, tubarão dos recifes e o endêmico coral-de-fogo, um falso coral em forma de chifre de alce.
Um dos naufrágios mais recentes, daí seu bom estado de conservação, é o Ana Cristina, cargueiro que afundou em 1984.
"É um dos mais bonitos da região. Ele fica um pouco mais afastado dos cabeços, mas é um mergulho bem marcante", conta Fábio.
Esse imenso cemitério submerso abriga também as ruínas de embarcações como o Salinas, naufragado em 1904, West Point (1946) e o Ilha Grande (1962).
De acordo com o plano de manejo a que Nossa teve acesso, o parque tem também mais oito naufrágios e um sítio arqueológico com potencial a ser investigado, mas que "dependem de pesquisas de campo mais aprofundadas para localização".
Para o oceanógrafo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Arkley Marques Bandeira, ainda há uma lacuna de conhecimentos sobre o parque, "apesar das medidas protetivas e do reconhecimento internacional sobre o seu potencial ambiental, cultural, histórico e arqueológico".
Desde 2000, o local é também um Sítio Ramsar, tratado de cooperação internacional sobre áreas úmidas de reconhecimento mundial, como pântanos, lagos e represas.
Atualmente, o Brasil tem vinte e sete locais inscritos na Lista de Ramsar, como a Estação Ecológica do Taim (RS), a Ilha do Bananal (TO) e os parques nacionais de Anavilhanas (AM), Abrolhos (BA) e Fernando de Noronha (PE).
Turismo discreto
As lendas sobre essa área de conservação, cujo nome homenageia o pescador Manuel Luís que teria descoberto o local no final do século 19, são reforçadas ainda mais por conta do (necessário) título de Unidade de Proteção Integral, que não permite, entre outras regras, a visitação pública.
Assim como informou à reportagem o biólogo e instrutor de mergulho de São Luís (MA), Helinton Moreira, apesar do parque ser fechado para visita e mergulhos, é possível pedir uma autorização para a secretaria de meio ambiente do estado.
Mas nem só com mistérios se conta a história do primeiro parque estadual marinho do Brasil, criado em 1991.
Vinculado a Cururupu, município abraçado pelos rios Liconde e Cururupu, a cerca de 450 quilômetros da capital maranhense, esse labirinto submerso concentra um dos maiores bancos de corais da América do Sul, onde colunas calcárias de até 23 metros de altura afloram à superfície. Daí a grande quantidade de naufrágios na área do parque.
O Arquipélago de Maiaú, um emaranhado de ilhas rasgadas por rios que parecem veias que deságuam em um dos mares mais recortados do litoral brasileiro, abriga destinos como a Ilha de Maiaú, o pedaço de terra mais próximo do Triângulo das Bermudas brasileiro, a 83 quilômetros dali.
Localizado nas Reentrâncias Maranhenses, uma extensa área de dunas, baías, enseadas e manguezais, esse conjunto de ilhas abriga também a Ilha dos Lençóis, no município de Cururupu, onde 70% de sua área está tomada por dunas.
Esse santuário de aves e praias desertas ficou conhecido também pelo alto índice de albinismo na população de cerca de 500 habitantes.
Com olhos que parecem voltados para um único destino, os Lençóis Maranhenses, o Maranhão também guarda essa sua versão mais escondida e, infelizmente, menos aproveitada pela indústria do turismo.
Aliás, uma das fontes consultadas para uma tentativa de entrevista disse que a falta de interesse em promover a região é porque trabalham "a promoção, marketing e apoio à comercialização somente com os polos indutores", como são chamados os destinos com infraestrutura básica e atrativos qualificados.
E assim, naquelas águas distantes de difícil acesso e altos interesses ambiental e arqueológico, tudo ainda parece mistério sem explicação.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.