Como é a trilha até a samaúma de mil anos na Floresta Nacional do Tapajós
Quem viaja para Alter do Chão facilmente ouve falar na Floresta Nacional do Tapajós. Trata-se de uma reserva natural fechada de mais de 520 mil hectares e cerca de 4 mil habitantes, à beira do Rio Tapajós, localizada na cidade paraense de Belterra, a um bate-e-volta de Alter.
A unidade de conservação é famosa pelas trilhas, e a mais famosa delas é a da "vovozona", apelido da árvore que é a maior atração do passeio, uma samaúma que tem entre 900 e 1100 anos de idade.
Todo o percurso possui pouco mais de 14 quilômetros de extensão, que, com algumas pausas para fotografar, comer e descansar, levei um total de sete horas para percorrer, ida e volta. Mas tem quem o faça em até cinco.
Comunidade onde "ninguém entra e ninguém sai"
A trilha que leva à "vovó samaúma" está localizada na comunidade do Maguari, dentro da FLONA (Floresta Nacional), acessível por via terrestre ou fluvial. Logo na entrada, é preciso passar por uma guarita. Isso porque é feito um controle de todas as pessoas (e veículos) desconhecidas que entram no local.
Conversando com os nativos, descubro que "ninguém entra e ninguém sai" da comunidade sem autorização.
Para alguém "de fora" poder morar no Maguari, só é permitido mediante casamento com pessoas "de dentro".
E, toda vez que um morador decide estudar ou trabalhar em outra cidade por um longo período, precisa detalhar o motivo, tempo que ficará longe e previsão de retorno. Eles têm liberdade, porém, de romper com a comunidade, mas os casos são raros.
A conservação, é claro, vai muito além da população — que, em sua maioria, descende de povos indígenas tapajônicos. Ainda que conte com uma boa infraestrutura de domicílios, restaurantes (com muito peixe recém-pescado) e até faculdade, a natureza é o que impera de todas as maneiras possíveis: na paisagem, no uso medicinal, nos sons.
"Ouviu isso? Foi um ouriço de castanha espocando (estourando) de uma árvore", disse meu guia, mais de uma vez, no dia que passei por lá.
É permitido extrair madeira no local, desde que seja para ser usada na própria comunidade — comercializar, nem pensar. As várias seringueiras existentes dão origem ao látex artesanal que os nativos transformam em bolsas e sandálias, que são vendidas aos turistas, que vêm passar o dia ou dormir em redários para conhecer as trilhas e as diversas praias de rio do lugar.
Assim que chego na comunidade, sou levada ao Centro de Atendimento ao Turista de Maguari, onde há artesanatos para venda e encontro o coordenador de trilhas Orlando Alves Dias, que foi quem me acompanhou.
A trilha
Passando por dentro de uma floresta Amazônica, a mata fechada e as altas árvores sombreiam o caminho inteiro. No entanto, ainda que o sol dê uma trégua, a umidade não — o suor vem. O clima úmido também é responsável por deixar alguns trechos do solo escorregadios mesmo dias depois de uma chuva.
Apesar de longa, não há grandes subidas na trilha, o que facilita. Não é necessário ser atleta para fazê-la, mas é bom ter algum preparo físico — afinal, são 14 quilômetros.
Ao longo de todo o trajeto, o ritmo é relativamente lento, com pausas para explicações sobre as características das árvores e frutas nativas. E, se der sorte, avistar animais silvestres. Eu cheguei a ver duas espécies diferentes de macacos.
A cada passo, um aprendizado
Orlando deu várias aulas experimentais, tirando a seiva de árvores medicinais, como a Sucuuba, para que eu pudesse prová-la, e extraindo "tinta" de outras, como Muúba e Lacre, usadas para a coloração de tecidos.
Mas não eram só as plantas que chamavam sua atenção. Por todo o trajeto, há uma enorme quantidade de formigas — e estou falando de insetos de cerca de dois centímetros, com mandíbulas assustadoras.
Orlando nos mostrou algumas de perto, como as taocas e saúvas — estas usadas na gastronomia —, enquanto nos ensinava suas particularidades.
O guia também me incentivou a atrair a formiga Tachí, que vive em árvores. Ele pediu que eu batesse palmas perto do tronco onde elas estavam, fazendo com que elas surgissem agitadas. Encostei a mão no tronco para que subissem em mim, esmagando-as logo em seguida em minha pele, o que libera um aroma que funciona como repelente natural.
Ele também tentou capturar duas aranhas caranguejeiras que avistou durante o percurso para exibi-las, mas sem sucesso. Para o alívio dos aracnofóbicos, elas são animais que se assustam facilmente e fogem a qualquer movimento. O guia explicou que aquelas aranhas não são venenosas, apenas se defendem liberando uma substância que causa irritação à pele humana.
Quando pergunto sobre a presença de cobras, porém, ele responde com uma tranquilidade que até me faz rir: "rapaz, sempre tem". Mas não tive a "sorte" de ver uma.
Degustando a natureza
No caminho, Orlando ia pescando "lanchinhos" que eu, mesmo sendo paraense, não conhecia, como o coco curuá. Fizemos uma pausa para descansar e comer em um mirante, localizado no alto de uma serra. A mata é tão densa que não dá para ver tanta coisa do que está embaixo. Ainda assim, a vista é bonita.
"Você já provou castanha-do-Pará tirada direto do ouriço?", perguntou Orlando, antes de sumir na mata e voltar com, além do ouriço, uma porção de tucumãs (fruto de uma palmeira típica da Amazônia).
Orlando abriu o ouriço e, de fato, a castanha-do-Pará tão fresca assim é muito mais saborosa. Tem um gosto e consistência mais "leitosa" e harmonizou muito bem com as lascas de tucumã (que Orlando garantiu que fica uma delícia assado na brasa).
Conhecendo a "vovó" samaúma
Chegando à "vovozona", é impossível não ficar impressionado com a imensidão da samaúma.
A árvore, que tem aproximadamente o dobro da idade do Brasil, mede cerca de 45 metros de altura. Para abraçá-la, são necessários mais de 20 adultos.
Os simbolismos que a árvore carrega são infinitos, passando uma ideia de resistência, força e imponência, além de lembrar a nossa pequenez. A paz do lugar, completamente isolado e imerso na natureza, consegue deixar a experiência surreal. Só se ouve pássaros, insetos e bichos que eu não faço ideia de quais sejam.
Já no final da trilha, sentia estar tão cansada que parecia que meu corpo estava se movimentando apenas por instinto de sobrevivência. Mas, no último quilômetro, existe uma piscina natural construída pelos habitantes do Maguari, com água de nascente e cercada de açaizeiros. Orlando me explica que ainda não está terminada (falta cobrir o fundo com pedras de seixo), mas, depois de andar 14 quilômetros, foi um banho no mínimo revigorante.
Informações úteis
Após passar um tempo fechado por causa da pandemia, Maguari voltou a receber turistas. É obrigatório contratar guia para fazer suas trilhas e todos os profissionais que fazem o serviço são nativos da comunidade (existe, ainda, uma rotatividade para garantir que todos tenham sua vez).
O valor para a trilha da "vovó" samaúma é de R$ 100 para grupos pequenos.
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