Entre paixões e desamores, Catupiry completa 110 anos de memória afetiva
Paula Taibo, designer, e Fabiana Podval, advogada, são amigas de vida inteira. Mas, para falar de Catupiry, não poderiam estar mais distantes. Uma diz que adora: "Minha família, Taibo, é de espanhóis e em casa a gente só comia Catupiry com goiabada — e a caixinha era minha, para brincar. Hoje, amo em tudo: na pizza, com camarão... Da coxinha, gosto até mais do que o recheio".
A outra, mãe das gêmeas Karen e Lara (também lados opostos da mesma moeda quanto ao gosto pelo requeijão), diz que nunca gostou: "Identifico na hora e não dá para mim. Parece que virou mania! Tudo vem com Catupiry: é na empadinha, até na esfiha de carne! E no pão, aquele enrolado maravilhoso com presunto e queijo, precisa vir com Catupiry? Devo ser exceção, porque se está em tudo, a maioria deve gostar..."
De fato. O Brasil consome 70 toneladas por mês de Catupiry, sendo que os potinhos de 410 gramas somam 70% das vendas.
A marca Catupiry — palavra traduzida como "excelente" do tupi-guarani — virou sinônimo de requeijão com o tempo. São nada menos que 110 anos comemorados em novembro passado. E segue com segredos de produção bem guardados, desde sua "invenção" pelo casal de imigrantes italianos Mario e Rosa Silvestrini na cidade mineira de Lambari.
As caixinhas de madeira onde eram acondicionados se tornaram parte da memória dos brasileiros, em razão de se tornarem itens cobiçados nas brincadeiras de crianças. Muitas acompanhavam os adultos que formavam fila na porta da fábrica do Bom Retiro, bairro de São Paulo, para comprar o requeijão ainda "quentinho". As embalagens de madeira ainda existem no mercado — agora como valor agregado. Memória bem paulistana.
Nicolau Ahn, diretor comercial da Catupiry, destaca outro marco na história mais que centenária: o boom da pizza de frango com Catupiry na capital, em meados dos anos 1980.
Erik Momo, da família que em 1938 fundou a rede 1900, lembra que "lá por 1985, havia pizza só de Catupiry, e vendia muito". Uma evolução da época em que se conhecia apenas a de muçarela.
Com o tempo, houve um salto inovativo para a marguerita, hoje parte do trio mais "relevante" em São Paulo, ao lado da calabresa e da portuguesa. Trabalhando desde os 12 anos com o pai Giovanni e a mãe Katia, Erik diz que na rede 1900 são em torno de 60 tipos de pizza e pelo menos meia dúzia leva Catupiry. Há mesmo sobremesas feitas com ele.
Embalagens ajudaram a difundir
Se pizza faz parte da alma paulistana, houve uma evolução de embalagens para que a Catupiry se adequasse à demanda. Erik também lembra dessa parte.
Era uma 'sofrência' quando só havia as caixinhas de madeira... Mesmo depois, quando o Catupiry vinha em baldes de plástico. Congelado, não saía nem a pau. Minha nonna Dima costurava uns sacos de brim, como aqueles de confeiteiro, para colocar o Catupiry e espalhar sobre a pizza. Mas era preciso muita força. E era difícil lavar, mesmo com água bem quente, para soltar a gordura do tecido"
Ele completa: "Há uns 20 anos, quando a embalagem já era plástica, em canudos com bicos, às vezes ainda estourava e ia requeijão para todo lado. Foram necessários vários ajustes até chegar a uma que aguentasse".
Para Nicolau Ahn, o "estardalhaço" que veio com a pizza de frango com Catupiry foi o ponto de partida para o requeijão se espalhar pelo país, ganhando lugar em pratos dos mais variados, do escondidinho de carne ao bobó de camarão.
E as embalagens industriais também tiveram seu papel na "popularização" do Catupiry como ingrediente, segundo o diretor, evoluindo e sendo adaptadas para maior facilidade de manuseio, o que resultou em crescimento no volume de mercado.
Salgado e doce, com equilíbrio
Jorge da Hora, professor do curso de Gastronomia do Centro Universitário Senac, lembra que o produto requeijão pode variar em suas características de acordo com regiões do país. Mas, principalmente atrelado à marca Catupiry, tem identidade brasileira.
"Quem prepara uma receita deve entender o produto e como contribui para o resultado. A questão de 'combinar' ou não é diariamente destruída na gastronomia, onde praticamente tudo é possível no uso de um ingrediente. Acredita-se que queijo vai mais com salgado, mas é possível surpreender com ele também na confeitaria. Posso usar o requeijão em uma receita salgada ou doce, conhecendo sua identidade láctea, e também as características que deve ter o resultado final", explica.
A chef Raquel Novais, "mineira criada em BH" e apresentadora do programa Juntos na Cozinha na afiliada da TV Cultura na capital, relaciona o Catupiry com memória afetiva — do quibe (receita árabe) recheado com o requeijão feito pela avó Maria já 30 anos atrás.
Para nós de família mais simples, Catupiry era chique, para ocasiões de festa. Mas hoje vai com carnes, de boi, frango, até peixe — com mais personalidade do que o creme de leite, com a acidez que só o queijo tem —, ou mesmo com doces como tiramissú. Está mesmo em pratos já internacionalizados, com camarão, carne seca"
Leque de portfólio se abre
Com 100% de sócios brasileiros, a Catupiry quer ser reconhecida também como marca de alimentos — são 72 itens no portfólio, entre food service e varejo, produzidos em quatro fábricas — duas em São Paulo, uma em Minas Gerais e outra em Goiás.
Muito conhecida em São Paulo e também no Rio de Janeiro, está evoluindo muito no Nordeste e se torna mais presente em Santa Catarina, diz Nicolau, observando que, no caso do Rio Grande do Sul, a preferência ainda recai por produtos regionais.
A pandemia teve sua influência também no caso da marca. Se o delivery teve um boom monstruoso, observa o diretor comercial, com salões obrigados a se readaptar rapidamente para não fechar, os congelados se mostraram um mercado muito promissor, pela praticidade e conveniência. "Vimos pelo faturamento que o segmento cresceu com muita força, organicamente, durante o lockdown, mas no segundo semestre de 2021 caiu, porque as pessoas começaram a sair e consumir fora de casa."
Sobre futuro, Nicolau Ahn diz que as ambições são grandes para os próximos dois anos, com novas categorias de produto ainda em segredo, mas que basicamente irão expandir ainda mais o portfólio da empresa. "Ficamos um tempo sem inovar, praticamente parados. Apenas recentemente lançamos a fondue de micro-ondas e o pão de queijo com doce de leite", afirma.
Há ainda ideia de expansão de lojas. Hoje, o prédio administrativo no bairro do Bom Retiro, onde ficava a antiga fábrica, mantém o único Empório Catupiry, com toda a linha de produtos e também itens para serem consumidos no local, como brigadeiro de catupiry e frozen com calda de goiabada.
Mercado da saudade
Como "invenção" brasileira, muitos chefs fora do Brasil ainda não conhecem o Catupiry, como lembra o professor Jorge, do SENAC. Mas os produtos são exportados, sim, principalmente para Estados Unidos, Canadá, Paraguai, agora retornando também ao Chile, segundo Nicolau Ahn.
São os chamados "mercados da saudade" — na verdade, dos latinos em geral, que procuram produtos típicos de seus países. A Argentina é outro mercado promissor, ainda mais que o Japão, onde também vivem muitos brasileiros e o "mercado da saudade" tem presença forte.
Sobre utilização de requeijão em pratos japoneses — quase um "crime" para muitos —, no Brasil curiosamente houve boa aceitação do cream cheese da marca em temakerias, por exemplo, com consumo alto. Nicolau afirma que "pegou".
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