Sankofa no copo: bartender de SP explora drinques e bebidas africanas
Por trás do balcão, sua liturgia é perfeita. Glórias como Godfather e Old Fashioned são elaboradas e servidas com rigor — não à toa, o paulistano Alison Oliveira é chefe de bar do Caledonia Whisky & Co., em Pinheiros, São Paulo.
Mas faminto por culturas — em especial, pela africana, sua origem étnica —, o ex-jogador de basquete queria mais. E decidiu unir a paixão pela coquetelaria à questão: afinal, o que se bebe na África? "Ainda estou no começo e sequer tenho data para acabar, mas vou mapear o que há de mais importante na cultura de bebidas em todos os países do continente", assegura.
Com resultados curiosos e surpreendentes, até agora suas incursões decifraram a pergunta acima no Benin, Cabo Verde, Senegal e Nigéria. O empurrão decisivo, ele conta, foi a série documental "Sankofa - A África Que Te Habita", de 2020.
"Essa palavra, sankofa, significa retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro. O conceito étnico é o que move minha pesquisa: o que exatamente as pessoas bebem na parte do mundo de onde vieram nossos ancestrais?
Meu principal foco são destilados e fermentados alcoólicos, mas incluo também bebidas não alcoólicas, muito presentes nos países afro-muçulmanos", resume.
Sua arqueologia etílica (ou não, como ele mesmo afirma) é publicada em textos da coluna "Fora do Eixo", no site Mixology News e em suas redes sociais.
Existe na África toda uma singularidade de bebidas que sequer sabíamos que existia, e que em muitos casos é muito mais antiga do que o que a gente vive e bebe hoje no Brasil", diz.
De gim a vinho de palma
Como exemplo, cita a Nigéria, nação mais populosa do continente. Lá, o barman descobriu o 1960 Rootz Bitter, bebida à base de raízes, ervas e frutas, muita conhecida e popularmente apreciada, além de também usada por bartenders locais. Mas há mais.
"Em Lagos, a capital, e também em outras partes do país, é bem comum o consumo de ogogoro, bebida alcoólica secular à base da mesma palmeira de onde se extrai o azeite de dendê. Na prática, é como um vinho de palma", diz.
O consumo de ogogoro se dá tanto em lares, como em bares e ocasiões sociais. Em anos recentes, uma grande empresa decidiu usar ogogoro como base de seu gim premium, o Pedro's, obtendo grande sucesso por todo o país.
"Além do vinho de palma, o Pedro's utiliza zimbro e cascas de cítricos", acrescenta Alison, que enumera ainda a não alcoólica kunu entre os hábitos mais populares nos copos nigerianos.
"O kunu faz parte de uma categoria de bebidas de aparência leitosa conhecida como horchata. São bebidas feitas a partir de grãos, que podem ser o milho ou o sorgo, e que também são encontradas em outros países africanos", explica.
Pouco ou zero álcool
Em Cabo Verde, entre outras descobertas, Alison encontrou o grogue, ou grogu, cuja produção no arquipélago data de mais de 300 anos. "É a bebida mais popular e identificada com o país", assinala. Não raro infusionado com ervas (arruda, alecrim, erva-doce), o grogue origina-se da fermentação do mosto da cana-de-açúcar, o que tecnicamente confere-lhe o carimbo de rum — semelhanças com a cachaça param por aí.
"Já no Benin, o mesmo vinho de palma presente na Nigéria e em outros países está na base de um famoso licor chamado sodabi", explica. Por motivos religiosos, Alison acrescenta, a produção da bebida amargou longo tempo de proibição.
Em 2012 o sodabi, cuja maior produção era clandestina, foi meio que 'descoberto' por americanos que legalizaram sua exportação para os EUA, e anos depois a bebida se tornou um sucesso".
Desse esforço transnacional nasceu o elegante sodabi Tambour Original, 45º graus de graduação alcoólica, presente nos melhores bares de Tio Sam e identificado como bebida nacional beninense. Isso além-fronteiras.
"Dentro do Benin a bebida mais conhecida e consumida é o tchapalo, um fermentado à base de sorgo de origem milenar, de baixo teor alcoólico. Na prática, é uma cerveja de sorgo, que os mais jovens chamam apenas de tchap".
Próxima parada, Senegal, onde reina o jus de bissap.
O Senegal é majoritariamente muçulmano, mas tolerante com o álcool. No entanto, o jus de bissap, extremamente popular, é não alcoólico: um chá gelado a partir da flor do hibisco, que leva ainda folhas de chá verde, hortelã e açúcar".
Alison diz que a fórmula com hibisco se repete de maneiras similares em diferentes bebidas de outros países africanos, "mas a combinação senegalesa parece ser uma coisa única".
Antes de fechar a conta, claro, um café. "No Senegal, o café leva pimenta. É o touba, picante, um café do dia a dia, preparado em filtro de pano ou papel, como se fosse um café de coador, e que leva grãos de selim, uma pimenta local".
O bartender promete para breve novas pesquisas de bebidas em latitudes africanas.
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