Com passado de sexo e brigas, pontes contam histórias fascinantes de Veneza
Se você já esteve em Veneza, com certeza atravessou algumas das mais de quatrocentas pontes que desenham um labirinto no famoso destino italiano.
Em forma de arco, a maioria destas charmosas construções era feita em madeira. Com o tempo, foram substituídas por pedras. Recentemente, ganharam o acréscimo de aço e vidro.
Na "Rainha do Adriático", a história dos pontos de passagem sobre a água encanta, surpreende e motiva boas risadas.
Da janela de seu quarto, Giancarlo Carlette, de 79 anos, tem como vista um local sobre o qual fala com certa timidez, a Ponte das Tetas. O termo é este mesmo, e não seu sinônimo um pouco mais, digamos, formal, seios.
Os marinheiros vinham para cá em busca de diversão com as donzelas", explica, sem esconder um largo sorriso.
Por mais da metade de sua vida, Giancarlo reside no mesmo endereço. Porém, esclarece que aquela situação -- que poderia ser comparada à realidade de Amsterdã, na Holanda -- ocorreu muito antes de sua chegada. "Eram outros tempos, na época da Sereníssima", complementa. O período em que compreende a República da Sereníssima durou cerca de onze séculos, até 1797, com a ocupação Napoleônica.
Andrea Furlan, de 48 anos, também é veneziano e demonstra constrangimento ao revelar uma segunda versão sobre a origem do mesmo local. "O governo contratou as prostitutas para acabar com a homossexualidade vinda do Oriente, que chegou através das atividades comerciais", conta. Hoje, não fosse pela placa indicativa na parede, seria impossível imaginar as mulheres com os seios descobertos, para atrair a atenção dos que passavam.
Em um jogo de palavras e com uma dose de sarcasmo, Federico Blumer aborda o tema em seu recente livro, "Il Primo Centone Veneziano - Cem histórias para iniciar a conhecer Veneza".
Por conta da religião, a homossexualidade não era bem vista. A contratação das prostitutas da região de Santo Cassiano foi uma solução genial para que a população voltasse, literalmente, ao seio do catolicismo", narra.
As mais fotografadas
Ponte dos Suspiros e Rialto são, sem dúvidas, as duas mais fotografadas. A primeira, em estilo barroco, une os Palácios Ducale ao prédio das Prisões Novas. Neste caso, há apenas uma lenda.
Ao atravessarem após o julgamento, os presos dariam um suspiro final antes de entrar nas celas em que passariam o resto da vida", diz Daniela Zamperetti.
Há quase uma década, ela coordena visitas a atrações turísticas na Praça São Marco, a mais importante da capital de Vêneto. Para quem deseja fugir das aglomerações — e não correr o risco de levar uma "punhalada" de um pau de selfie acoplado a telefones celulares — a alternativa é visitar o circuito secreto do Palácio Ducale.
No trecho final, é possível acessar o interior da ponte e, quem sabe, imaginar o drama dos condenados à prisão perpétua. No mínimo, é uma ótima oportunidade para apreciar um ângulo inusitado do canal.
A primeira no Grande Canal
Rialto foi a primeira construção a ligar as margens da principal via aquática de Veneza, o Grande Canal. Refeita em pedra, teve as versões iniciais em madeira, com a parte central que poderia ser aberta para a passagem de grandes embarcações. Incêndios também marcaram a história deste amplamente visitado local, que hoje é rodeado por lojas de artigos para turistas.
Pontes são uma forma de medirmos as distâncias, especialmente quando temos que carregar algo pelo caminho", define o jornalista especializado em viagens Piero Pasini.
"Sempre discuto com minha mulher, na hora de decidirmos por uma rota. Alguns trajetos são mais curtos, porém têm mais pontes, e isso é cansativo e influencia na decisão", revela Piero.
Durante o período de lockdown, ele aproveitou a rara situação de calmaria em sua cidade natal e percorreu alguns dos canais e mostrou curiosidades que só acontecem na cidade flutuante, como uma ponte totalmente dentro de um mesmo edifício.
"Pontes são os únicos trechos de Veneza em que duas geografias se encontram. Chegar aos locais de duas formas completamente distintas é fascinante", observa.
Na cidade Patrimônio Mundial da Humanidade, pular das pontes é proibido. Além de multa, pode resultar na expulsão do "desavisado". Mesmo assim, não demorou muito para ouvir relatos sobre este ato de, no mínimo, ousadia. "Todo veneziano, em algum momento da vida, fez isso", admite Piero.
Seu último salto ocorreu em 2006, em Rialto, para comemorar a conquista italiana na Copa do Mundo da FIFA.
Naquela noite, estava muito feliz e não me preocupei com a profundidade. Uma vez na vida, se vencermos, tudo bem", brinca ele.
Em média, o Grande Canal possui cinco metros até seu leito.
Reduto das brigas
Se por um lado algumas chamam a atenção em razão do estilo e arquitetura, outras aguçam a curiosidade por suas lendas e posição geográfica. Há pontes em Veneza que conectam apenas uma residência, como Chiodo, e por isso levam o nome da família dona do edifício anexado.
Mas Chiodo, assim como a do Diabo, também têm outra particularidade: são as únicas sem guarda-corpo, como era costume no passado. Em "Como Nasce Veneza", Giovanni Distefano apresenta duas explicações sobre a segunda, situada na pequena ilha de Torcello, ao norte de Veneza.
Um homem teria feito um pacto com o demônio ou ele próprio a construiu, em uma noite. A origem de seu nome não é clara", pontua o escritor.
No sestiero (distrito, em dialeto veneziano) de Dorsoduro, um local teria funcionado como palco para lutas entre grupos rivais. Anualmente, decidiam na Ponte dos Socos quem teria a prioridade para atravessar o canal.
Hoje, o movimentado trecho tem uma feira flutuante vizinha, e pequenos sinais de sua história: quatro marcas de pés nos cantos, que passam despercebidos pelos que diariamente frequentam a área.
Andando por Veneza
O mapa de Veneza tem a forma do perfil de um peixe com a face voltada para a esquerda. Dentro, seis bairros: Cannaregio, San Polo, Santa Croce, San Marco, Dorsoduro e Castello, além das demais ilhas. Ao centro, o Grande Canal, uma espécie de espinha dorsal na forma da letra "s". As distâncias são curtas e podem ser feitas a pé, com um confortável calçado, é claro.
De leste a oeste, são pouco mais de quatro quilômetros. De norte a sul, menos de três. Para uma perspectiva mais ampla e encantadora, vale a pena passear em uma gôndola, típica de Veneza, pelos estreitos canais. Outras opções são os vaporetos e embarcações do tipo taxi aquático.
Entre os moradores, não há consenso sobre qual a ponte favorita. No caso de Piero, mais de uma: Três Arcos, pela singularidade e relação com sua infância, e da Veneta, em Castello, pela proximidade com o mar. Daniela, porém, prefere a da Academia, cuja vista é um dos belos pontos panorâmicos, a Basílica Santa Maria da Saúde.
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