Cafés especiais conquistam Lisboa com grãos e profissionais brasileiros
O português gosta muito de um cafezinho. É fácil encontrá-lo nas esplanadas ou nas pastelarias, as padarias portuguesas. Ele normalmente está acompanhado por uma água com gás e/ou um pastel de nata.
De acordo com a Associação Industrial e Comercial do Café, de Portugal, 80% dos portugueses consomem a bebida diariamente. O instituto de pesquisa Multidados fala, ainda, que mais de 40% dos portugueses bebem dois cafés por dia — por volta de 20% chegam a tomar de 3 a 5 cafés no mesmo período. Porém, nos últimos tempos, o cheirinho da bica, como é chamado o expresso na região de Lisboa, está bastante brasileiro.
É que, por mais que o expresso faça parte dos rituais alimentares de Portugal, o café de especialidade, de qualidade mais elevada e com grão de origem única, ainda não é tão popular no país. Aproveitando o reaquecimento do mercado após a vacinação contra covid-19, empreendedores e marcas brasileiras têm aproveitado para abrir cafeterias e promover este tipo de produto do Brasil em Lisboa.
Em junho de 2020, primeira reabertura após o confinamento por conta da pandemia do novo coronavírus, a carioca Erika de Carvalho Machado da Silva abriu, junto com seu marido, o Torra. A cafeteria localizada em Alcântara, um bairro tipicamente lisboeta, oferece cafés de especialidade de diversas partes do mundo, como Colômbia e Etiópia, mas o produto da Serra do Caparaó (MG) tem um lugar especial na estante do estabelecimento.
Cofundadora da Caparaó, empresa de importação de café de produtores da região mineira, Erika e sua família desembarcaram em Portugal em 2018. Além das malas de roupas, eles trouxeram um contêiner cheio de café verde.
As pessoas achavam que era uma loucura o que estávamos fazendo, já que Portugal era pequeno comercialmente falando", diz.
O país foi a porta de entrada para que a empresa começasse a importar o café de especialidade mineiro para países como Dinamarca, Alemanha e Espanha. Mas, em terras portuguesas, o tipo de grão não bombava tanto.
Segundo a empresária, até então, a cultura do café de especialidade não era tão grande no país. "Assim, a nossa motivação para abrir o Torra foi promover e contribuir para criar o costume de se beber esse tipo de café", explica.
"Melhor café de Lisboa"
Esta foi também a mesma razão que levou a Fazenda Baobá, localizada em São Sebastião da Grama (SP), a abrir, em setembro do ano passado, uma cafeteria na Rua de São Paulo, no centro de Lisboa.
"É um passo da internacionalização da marca. Uma forma de fazer com que as pessoas conheçam os nossos produtos e a nossa história", fala João Damião, responsável pelas operações internacionais do grupo de cafés especiais.
Em cinco meses desde a abertura, o Baobá já ganhou o prêmio de melhor café de Lisboa da revista "Time Out".
Como isso pode ter acontecido em tão pouco tempo? Porque não há muitos lugares que estejam vendendo o tipo de grão que estamos querendo promover", comenta o executivo.
Gosto diferente
A falta de hábito é tanta que Erika percebe que a maior parte dos clientes do Torra são estrangeiros que residem em Lisboa. No Baobá, por sua vez, já está meio a meio: 50% dos clientes são expatriados e 50%, de Portugal.
O português, mesmo, é muito mais tradicional, prefere sempre o café expresso", comenta a cofundadora do Torra.
Por mais que o café faça parte dos rituais alimentares do país, Portugal não é um dos maiores consumidores de café da Europa. Em 2012, o consumo da bebida no país foi de 5,5 quilos por pessoa, de acordo com o ranking da "International Coffee Organization". Metade da quantidade consumida na Finlândia, onde cada pessoa usou 11,7 quilos de café.
A justificativa é a forma que o português toma o café. Enquanto, na Finlândia, Noruega e Dinamarca, as pessoas preferem tomar a bebida em recipientes maiores, o método favorito do português é o expresso, ainda mais curto do que o que costumamos consumir no Brasil.
Tanto que é muito difícil encontrar um coador de café em Lisboa, fazendo com que o utensílio chegue a custar 10 euros (por volta de R$ 60) na loja de móveis Ikea, conhecida por seus preços amigáveis.
Para dialogar com esse hábito, o Baobá Café serve o duplo expresso: uma bandeja com a bebida servida em uma xícara pequena, mais comum nas esplanadas, e em uma maior, mais larga. "Assim, o cliente pode entender como o maior contato com o oxigênio muda o sabor e o aroma da bebida", explica José Damião.
Brasil "especial"
Além de divulgar o café de especialidade, é importante também que as pessoas conheçam os grãos especiais brasileiros.
A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária mostrou, em relatório do ano passado, que o Brasil exportou café para 115 países do mundo. Mas, de acordo com Damião, o europeu não pensa no produto tupiniquim quando se pensa em café de qualidade.
Há a ideia de que os grãos de lugares como a Colômbia são melhores do que o brasileiro", diz.
O produto nacional seria mais comum na versão industrial, disponível em supermercados. Tanto que João conta que, em uma viagem para a Alemanha, parou em um café e viu sacas com a frase "Café do Brasil" pelo estabelecimento. "Perguntei qual grão brasileiro eles tinham disponível e eles disseram que não tinha nenhum", ri. "Queremos mudar isso e contribuir para que mais pessoas conheçam os grãos especiais do Brasil."
Para ambos os empresários, o que o Brasil tem a oferecer para o cafezinho do português é uma maior variedade de aromas e sabores por conta do tamanho do território brasileiro. E o que torna a Europa um terreno fértil para a maior popularização do café de especialidade é a rastreabilidade da cadeia de produção do produto.
"A pessoa que compra um café da Baobá vai saber que o funcionário que colheu o produto foi bem remunerado, qual a pegada ecológica do produto e origem do que ela está consumindo", explica João Damião.
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