Brasileiro se encantou por drinques no Japão e comanda bar premiado no país
Em meio ao movimentado distrito de Shibuya, onde milhares de pessoas circulam todos os dias, fica o Trench, uma intimista casa de drinques.
O espaço, que tem apenas doze lugares, é comandado por Rogerio Igarashi Vaz, um paulista de origem nipônica e portuguesa que chegou ao Japão em 1994. Ele nunca imaginou que seu destino o levaria a ser sócio de um dos mais conceituados bares de Tóquio, sempre marcando presença nas listas de melhores bares da Ásia e do mundo.
Rogerio deixou o bairro da Liberdade, em São Paulo, para ter uma experiência temporária no país de seus avós, trabalhando em uma fábrica de montagem. A intenção de ficar um ano se transformou no desejo de estender a estadia e fazer faculdade de engenharia. Mas, para isso, era preciso melhorar, e muito, seu japonês.
Até aí eu pensava em voltar pro Brasil depois da universidade, não era meu plano ficar no Japão".
Enquanto fazia aulas do idioma, em Tóquio, o brasileiro começou a trabalhar em um restaurante como garçom. Foi quando ele foi introduzido à gastronomia, a contragosto, pois não queria trabalhar nessa área.
Quando resolveu abandonar a ideia de ser engenheiro e começou a estudar fotografia, continuou com seu trabalho de meio período em restaurantes servindo mesas, lavando louça, aprendendo a fazer café. Até que começou a trabalhar em um bar de drinques.
Bar japonês com toques cosmopolitas
O universo da coquetelaria despertou algo diferente em Rogerio, que foi convidado por um cliente, Itoh Takuya, a abrir uma sociedade e inaugurar o Trench, em 2010.
Mesmo tendo um espaço bem pequeno, o movimento do Trench começou aos poucos, com cinco, seis clientes por noite. Quando foi inaugurado, o bar não tinha cardápio, o que Rogerio conta que é uma prática comum do país:
Geralmente aqui no Japão, nesses bares pequenos, não tem menu, porque para cada pessoa você consulta e serve o que ela quer no momento".
Com o passar do tempo, ele e o sócio começaram a viajar, conhecer bares ao redor do mundo e perceberam que seria interessante incorporar ao cardápio opções de drinques clássicos, sem deixar de lado as criações personalizadas. E, acompanhado das opções tradicionais com releituras da casa, eles colocaram informações curiosas sobre cada bebida.
Outro elemento incorporado foi um ambiente mais casual. Apesar do Trench ser bem elegante e uma aparência de bar de drinques tradicional, Rogerio espera que os clientes possam ir de como quiserem, de camiseta e calça jeans. A ideia é priorizar a qualidade, mas com menos formalidade do que as casas de coquetéis japonesas clássicas.
Foram essas viagens que também colaboraram para que o Bar Trench ficasse conhecido. Rogerio relata que ia a vários países diferentes conhecer destilarias e outros bares a convite para colaborações, apresentando coquetéis em outras casas.
Teve um ano que eu fui para 12 países e, cada vez que eu ia encontrando pessoas que conheciam o Japão ou iam viajar à Tóquio, eu falava do Trench e começava a espalhar, no famoso boca a boca, o melhor marketing de todos", ele brinca.
Com a pandemia, foi a hora de botar as ideias em ordem: "ficamos muito tempo fechados, o que foi bom para gente parar, refletir e pensar em coisas que a gente não tinha tempo quando tava trabalhando todo dia".
Antes da crise sanitária, 60% dos seus clientes eram estrangeiros. Atualmente, com a diminuição de viajantes por causa da pandemia, os japoneses dominam a clientela.
Releituras e brasilidade
Quando perguntado sobre a influência do Brasil nas suas criações, Rogerio conta que sempre tenta colocar cachaça no cardápio ou, pelo menos, algum álcool latino-americano, como o pisco ou o mescal. Mas ressalta a diferença de paladar, pois, para os japoneses, sabores suaves apetecem mais; o que, para um brasileiro, pode ser considerado um coquetel com um gosto fraco. E ele faz uma comparação interessante:
Por exemplo, quando se prova um bolo de morango, o japonês vai falar: 'esse bolo é uma delícia, não é muito doce!' Já para o brasileiro seria: 'que delícia, o bolo tá super docinho'. O ponto de vista muda e isso eu acho interessante".
Diferença essa que também ficou marcada na comunicação com os clientes nipônicos, principalmente no início, quando ainda estava aprendendo japonês. Ele afirma que acabou achando uma forma de se comunicar, mas logo percebeu que no Brasil você sempre acha um jeito de falar com o corpo, com as mãos, mais sons do que a palavra em si.
"No Japão, eu percebi que você tem que falar mesmo o que você quer, não tem tanto a linguagem corporal", comenta.
De encontro com todas as diferenças de gosto particulares de cada nacionalidade, o bar serve um drinque que parece agradar a todos os paladares: o Trench 75. Apesar do cardápio mudar de tempos em tempos, esse coquetel está presente há anos.
Trata-se da releitura de um coquetel chamado French 75. Sua receita original leva gim, limão, açúcar e champanhe, mas no Trench, ele ganhou um toque tupiniquim. O gim usado é o japonês, com notas cítricas, o açúcar foi substituído por um mel japonês e, no lugar do champanhe, entrou um saquê frisante.
Quando perguntado se pensa em voltar ao Brasil algum dia, Rogerio fala, com seu português já entrelaçado com a entonação japonesa e algumas palavras que lhe fogem à mente, que não consegue se planejar muito.
Trench. 1-5-8 Ebisunishi DIS Bldg. 102, Shibuya.
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