Boné do MST vira item fashion e gera polêmica: moda e ativismo combinam?
Recentemente, o boné do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) virou alvo de discussões no Twitter. Na publicação — já deletada da rede social —, uma usuária criticava o uso entre os jovens do acessório em eventos como festas e baladas.
Segundo a crítica, o uso do boné banalizaria o movimento social, a partir do momento em que começasse a ser utilizado por uma parte da população que, teoricamente, não faz parte de fato do ativismo político e social brasileiro.
A afirmação, como é possível ver abaixo, gerou reações discordantes de outros usuários da rede social:
O item, vendido oficialmente por R$ 25 no site do Armazém do Campo (loja vinculada ao MST) e disponível na cor vermelho e preto, virou pauta inclusive de publicações feitas pelo próprio movimento, que afirmou que os bonés não só podem, como devem, ser usados de forma ampla.
Nas palavras de Laura Sabino, historiadora e produtora de conteúdos sobre política, em gravação compartilhada pelo Movimento Sem Terra, a produção desses objetos faz parte da "estratégia de agitação e propaganda" — destacando como o movimento ainda é perseguido e criminalizado.
"Há anos, a direção do movimento nem sequer podia usar qualquer coisa com a simbologia por razões de segurança. Então, quando a gente está vestindo qualquer coisa do MST, seja boné ou blusa, é um ato de subversão, e também de mostrar que esse movimento não é terrorista ou algo do tipo", diz ela.
Por isso não faz sentido nenhum impedir que pessoas que gostam do movimento, admiram e apoiam a luta usem qualquer objeto ou acessório produzido pelo MST."
Esses argumentos foram complementados por Kelli Mafort, da direção nacional do MST: "Nós nos orgulhamos quando vemos pessoas que não são do MST utilizando os nossos símbolos, nossos bonés, camisetas e bandeira. Sabemos que utilizar esses símbolos é assumir um compromisso na sociedade e dizer ocupa tudo, é dizer pedagogicamente que as conquistas só são arrancadas através da luta e da organização", disse ele em publicação feita no canal de notícias do próprio movimento.
Então, podem usar sim os nossos bonés, camisetas, adquirir esses produtos inclusive no Armazém do Campo. Mas atenção! É muito importante que a gente utilize mas que tenhamos compromisso com a luta popular. É preciso ter compromisso com a transformação do nosso país."
Em entrevista para Nossa, a historiadora de moda e professora da FAAP Maíra Zimmermann aponta como a polêmica sobre o uso do boné do MST reacende a discussão sobre moda versus futilidade: "Muitas pessoas fazem parte do sistema da moda. Mesmo considerando-se antimoda, não tem como estar fora. A não ser que você esteja fora da sociedade."
Maíra cita ainda o filósofo Lars Svendsen, autor do livro "Moda: uma filosofia" (2004), que acreditava nas seguintes palavras, parafraseadas por ela: "Não há nenhum rebelde no mundo, se essa rebeldia sair do círculo fechado, que não vá ver seus símbolos virarem produtos."
O que temos em relação ao movimento social, como esses mais ligadas à esquerda, é que isso venha em bandeiras, bottons, bonés e camisetas. Tudo isso se relaciona com a 'moda de esquerda'. Existe um estilo, como a barba, por exemplo. Isso está dentro do sistema da moda. Quer algo mais simbólico no universo pop do que produtos do Che Guevara?
Maíra Zimmermann
A historiadora reforça ainda que isso faz parte de uma construção de uma aparência relacionada a uma causa ou ideal, que, segundo ela, faz parte também das camadas da moda.
"Como tudo vira produto, os movimentos sociais acabam virando esses símbolos também, de pertencimento, mesmo que você não pertença", opina. "De certa forma, você acredita nesta causa. A gente vive num mundo fragmentado, uma crise das utopias. É uma resistência pensar nessa vontade genuína de se aproximar ou defender a causa, mesmo que não participe ativamente daquilo."
Existe uma intenção válida de demonstrar, por meio de imagem e moda, o posicionamento e vários movimentos de busca de representatividade neste local de luta, reconhecimento e organização."
A moda política no Brasil
Com toda essa discussão em pauta, a pergunta que fica é: a moda pode ser política? A resposta é simples: sim. E ainda melhor, quase sempre foi.
A historiadora Maíra Zimmermann relembra, aqui no Brasil, a coleção lançada por Zuzu Angel durante a ditadura (1964-1985).
À época, a estilista desfilou peças que impulsionavam a busca pelo filho desaparecido, Stuart Angel Jones — em 1971, o jovem foi capturado pelos militares e, posteriormente, torturado e morto pelo Centro de Informações da Aeronáutica (CISA) no aeroporto do Galeão.
"No momento da ditadura que estava acontecendo, foi um ato de extrema coragem lançar uma coleção que se divulgasse o desaparecimento e virasse notícia e pudesse ter algum tipo de resposta ou solução", diz a historiadora para Nossa.
Zuzu Angel morreu em 1976, vítima de um acidente de carro na Estrada da Gávea, à saída do Túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro, hoje batizado com o seu nome. Treze anos depois, em 1998, a Comissão Especial dos Desaparecidos Políticos reconheceu a estilista como pessoa que, "por ter participado de atividades políticas, tenha falecido em dependências policiais ou assemelhadas".
Vale lembrar que, em 2020, o estilista Ronaldo Fraga encerrou a edição comemorativa de 25 anos do São Paulo Fashion Week com um desfile em homenagem a Zuzu Angel — criando assim um diálogo entre a moda e as políticas sociais.
"A Zuzu Angel foi muito mais do que uma estilista, ela foi uma brasileira que lutou pela liberdade do nosso país", argumentou ele em entrevista exclusiva a Nossa.
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