Brigas violentas e morte: comissários relatam situações críticas em voo
Aviões são locais propícios para o surgimento de situações dramáticas. Um voo, afinal, costuma carregar, em ambientes apertados, centenas de pessoas de diferentes procedências que, por horas seguidas, se veem impossibilitadas de sair para o mundo exterior, presas dentro da aeronave a milhares de metros de altitude.
Não à toa, comissários de bordo passam por treinamentos que ensinam a lidar com momentos críticos que, uma hora ou outra, irão ocorrer em viagens aéreas.
E aí estão incluídas emergências envolvendo graves problemas de saúde de passageiros, brigas entre viajantes, surtos de pânico e situações que podem colocar a segurança de todo o voo em risco.
Mas como é enfrentar estas ocorrências de perto? Para saber isso, Nossa reuniu cinco histórias de deixar o cabelo em pé vividas dentro dos aviões por comissários de bordo brasileiros.
Criança em perigo
Fernanda Lugate trabalhou por anos como comissária de bordo de uma grande companhia aérea. E, certo dia, notou uma movimentação estranha dentro do avião.
"Vi uma passageira chacoalhando um garoto. E, de repente, ouvi gritos de socorro. O menino tinha engasgado com alguma coisa. E a mãe estava apavorada", lembra.
Imediatamente, corri em direção a eles, mas foi difícil atravessar o corredor, pois havia passageiros em pé tentando filmar a comoção envolvendo a cena".
Fernanda finalmente conseguiu chegar à criança e viu que ela estava com a boca roxa e muita dificuldade de respirar.
"Peguei o garoto e apliquei nele um procedimento, que aprendemos em nossos treinamentos, chamado manobra de Heimlich. Foi difícil fazer isso, pois havia muita gente em volta".
A ação fez com que a criança cuspisse o objeto que estava causando sua asfixia.
"Entreguei a criança respirando normalmente para a mãe, mas a mulher começou a brigar comigo. Ela identificou uma mancha vermelha na boca do filho e achou que eu, ao fazer a manobra, tivesse feito a criança sangrar", lembra Fernanda.
Mas não era sangue. Olhei para o chão e vi que era uma bala de frutas vermelhas que havia feito o menino engasgar. E aquela mancha vermelha era do doce. A mãe nunca me agradeceu".
Desmaiado de fome
Em outra situação muito delicada, num voo dentro do Brasil, Fernanda achou um passageiro desmaiado dentro do banheiro da aeronave.
"Tivemos que fazer muita força para tirá-lo de lá, pois era um cara enorme. E, aí, colocamos ele deitado de lado. O procedimento de deixar uma pessoa nestas condições de lado é muito importante, para impedir que ela sufoque caso vomite ou tenha uma convulsão".
Muita gente pode pensar, inicialmente, que o homem estava bêbado. Mas não era nada disso.
Ao conversar com Fernanda depois de se recuperar, ele falou que havia entrado no avião com muita fome, pois não tinha dinheiro para comprar os alimentos de preços altíssimos vendidos no aeroporto. E que isso, provavelmente, havia causado seu desmaio.
Pancadaria entre casal
O brasileiro Felipe Artacho atuou por muitos anos como comissário de bordo de uma companhia aérea do mundo árabe.
E, em um dos voos que fez, presenciou uma cena chocante. "Na classe executiva do avião, havia um casal que estava ingerindo muita bebida alcoólica. E notamos que eles estavam começando a ficar agressivos um com o outro", conta.
Nestes casos, éramos orientados a adotar o procedimento dos quatros Ds, que, em inglês, querem dizer 'Delay' [Atrase], 'Distract' [Distraia], 'Dilute' [Dilua] e 'Deny' [Negue].
Ou seja, quando víamos um passageiro bebendo muito, sempre começávamos a demorar para trazer a bebida e a tentar distrair o passageiro, conversando com ele. Depois, tentávamos lhe servir a bebida acompanhada de água ou gelo. E, como última medida, falávamos que ele não podia mais ser servido".
Esta última atitude foi tomada com o casal por Felipe e seus colegas. Pouco tempo depois, porém, o homem e a mulher começaram a se agredir fisicamente.
Eles começaram a bater violentamente um no outro. Uma briga de verdade, de sair sangue. E o pior: o filho pequeno dos dois estava junto, extremamente assustado.
Tivemos que entrar no meio para apartar a briga e mandamos um para cada canto do avião, colocando a criança também em outro assento".
Quando a aeronave pousou em seu destino, a polícia subiu a bordo e prendeu o casal em uma estação policial do aeroporto.
"Depois, ficamos sabendo que a criança dormiu lá com eles. E, na manhã seguinte, todos foram mandados de volta para seu país de origem".
Ameaça a bordo
As experiências dramáticas de Felipe não param por aí.
"Em um voo de longa distância, um passageiro veio andando até mim, dando a entender que queria me falar algo. Mas ele não abria a boca, só gesticulava", lembra. "De início, achei que o homem fosse mudo. Então, lhe dei papel e caneta, pedindo que escrevesse o que queria comunicar".
E aí veio o susto: segundo Felipe, o passageiro escreveu, em inglês, que havia engolido uma perigosa substância e que, se abrisse a boca, todo mundo no avião iria morrer. "E ele queria que eu passasse esta informação para o comandante do voo", conta.
Chocado, mas tentando manter o mínimo de calma, o comissário pediu que o homem voltasse ao seu assento (o que foi prontamente obedecido).
Sem comentar o ocorrido com nenhum outro comissário, para não gerar pânico a bordo, Felipe foi até a cabine do comandante e contou tudo o que tinha acontecido. Bem nervoso, ele imediatamente se comunicou com uma equipe em terra e pediu que o comissário voltasse a falar com o homem, para que ele continuasse escrevendo mais detalhes sobre o que queria com tudo aquilo.
Enquanto isso, a equipe em terra fez uma pesquisa no Google com o nome deste passageiro e descobriu ele era um ex-militar dos Estados Unidos que sofria de transtornos mentais".
Felipe viu que aquilo tinha grandes chances de ser um alarme falso e, de repente, o homem caiu no sono, dormindo até o momento da aterrissagem.
Quando a aeronave pousou, uma equipe de segurança subiu a bordo e levou o passageiro para questionamentos.
"Não sabemos exatamente o que aconteceu com ele", diz Felipe.
Morte e briga a bordo
Atuando como comissário de bordo de voos nacionais e internacionais há mais de 10 anos, Paulo (nome fictício) já viveu uma situação inacreditável em um voo realizado durante a pandemia.
"No embarque, entrou no avião um senhor que aparentava ter uns 70 anos de idade, que logo abordou uma das comissárias. Ele disse que era a primeira vez que voava na vida", conta. "Nós mostramos para ele seu assento e, pouco antes da decolagem, ele começou a passar mal"
Paulo viu que o senhor estava respirando com muita dificuldade e, logo, ele desfaleceu.
Rapidamente, uma de suas colegas fez a tradicional pergunta se havia algum médico a bordo - e uma médica e duas enfermeiras apareceram.
Elas deitaram o homem no assento e começaram a realizar uma massagem cardíaca nele. E eu corri para pegar o desfibrilador levado a bordo, que foi usado no atendimento".
Poucos minutos depois entrou no avião uma equipe de paramédicos, que também tentou reanimar o passageiro, sem sucesso. O homem teve que ser desembarcado de maca, mas não resistiu e morreu.
E houve, ainda, um ocorrido que piorou toda a situação: enquanto o senhor era tirado de maca da aeronave, dois outros passageiros começaram a discutir de maneira agressiva, porque um deles estava com a máscara contra a covid-19 abaixada e foi recriminado pelo outro.
"Os dois começaram a se xingar e nós tivemos que intervir para aquilo não escalar. Os homens se acalmaram, mas depois fiquei sabendo que eles brigaram, de trocar socos, na área das esteiras de bagagens do aeroporto. Foi um dia de caos".
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