No Japão e Coreia do Sul, happy hour é para ficar bêbado - com seu chefe
"Kampai!", entonam os japoneses na mesa de bar levantando copos após um dia de labuta. O gesto dá largada às famosas happy hours empresariais de grandes centros urbanos como Tóquio e Osaka.
Igual ao Brasil, o encontro etílico é uma prática que estimula a socialização e interação entre colegas de trabalho. Com um detalhe extra: lá, a hierarquia do escritório é um convidado invisível e inconveniente que sempre se senta à mesa.
"Toda hierarquia que tem na sociedade japonesa se representa também nesse momento. O chefe conduz o funcionamento e o movimento desse encontro", explica Roberto Maxwell, jornalista que mora no Japão há 16 anos e promove em São Paulo o evento The Shochu Week, dedicado a uma das bebidas mais consumidas no nomikai (happy hour em japonês).
O gerente da repartição costuma chegar pontualmente ao ponto de encontro. Caso isso não aconteça, os funcionários devem esperá-lo para comer e beber.
"O assistente que trabalha próximo da pessoa mais 'importante' pede silêncio e chama a atenção de todo mundo. Depois, o chefe faz um discurso, agradece a presença e puxa o kampai, o primeiro brinde da noite".
A participação não é dita como obrigatória, mas está silenciosamente embutida na cultura corporativa. A necessidade de bebericar álcool fica na mesma situação.
"Num grupo onde não há abuso de poder, ninguém força ninguém a beber. Mas todos entendem que, se a ideia é beber, é para beber".
A ingestão de biritas está implícita ao ritual: os copos pequenos fomentam oportunidades de conversa e a "regra" é um funcionário servir o outro. Quando o líquido acaba, em vez de pegar a garrafa e encher novamente por conta própria, a etiqueta é esperar por mais um copo vazio.
Você fica atento para oferecer a bebida a alguém que acabou de beber e espera um colega pegar a garrafa e te servir também".
Colocar um ponto final na bebedeira sozinho é outra dificuldade. Enquanto o superior está na "função", todos o acompanham.
A sul-coreana Lena Park, que dividiu a vida entre o Brasil e seu país natal, explica que a lógica é similar no hoesik (happy hour, em coreano). "Parece com aquele jogo de criança chamado 'o rei mandou'".
Ela conta que é comum o agito acontecer três vezes por semana sem ninguém questionar. E quando alguém acima na hierarquia da empresa está presente, não pega bem ir embora.
O código de conduta corporativo está com tudo no início do encontro e se esvai com o passar da noite. Ou melhor, da madrugada. Na Coreia do Sul, quanto mais o grupo emendar estabelecimento atrás de estabelecimento e soju atrás de soju, mais fama terá a happy hour daquele departamento na firma.
Já fui em até cinco lugares. Virei a noite bebendo e comendo muito. No dia seguinte, trabalhei normal".
Segundo Lena, a escolha dos lugares é baseada na comida. "No Brasil, é possível tomar cerveja por horas e não há a obrigação de escolher um prato principal. Aqui, é respeitoso pedir a comida por ocupar o espaço".
O costume é começar numa churrascaria, onde as grelhas ficam no centro da mesa e os clientes assam as carnes. A depender do clima, o destino pode mudar. "Em dias de chuva, é tradicional irmos a um bar tomar makkoli (vinho de arroz) e comer panquecas de frutos do mar". Depois, pode rolar boteco com petiscos ou restaurante de sopas.
Para os sobreviventes, a última parada — e o ponto alto da noite — é em karaokês. "Os bares têm luzes claras e parecem mais restaurantes. No karaokê é onde todo mundo se solta e se torna um verdadeiro cantor".
Uma relação em decadência
A ampliação do debate sobre abusos dentro do ambiente de trabalho e a exposição de casos de assédio moral ao Rh das repartições está alterando o sistema de complacência dos funcionários em relação aos seus superiores em ambos os países.
"Com a internet e a atenção ao discurso da geração Z, as coisas vêm mudando. Uma palavra que resume essa divisão de mares é work-life-balance", diz Lena.
Pensando nisso, alguns líderes coreanos passaram a fazer os encontros com a equipe na hora do almoço. No Japão, como fatos ocorridos no pós-expediente estão levando à demissão, os chefes, receosos, buscam estabelecer limites claros e acabam confraternizando menos.
Para muitos subordinados, o início dessa mudança de comportamento é positivo. "Gostar ou não desses momentos depende de pessoa para pessoa. Mais do que o estresse de ter que ir à happy hour, o problema era não saber que horas acaba".
Roberto revela que não é fã de nomikai. "Se eu tivesse que participar o tempo todo, seria penoso para mim. É muita gente para lidar ao mesmo tempo".
Dicionário das bebidas
Cerveja não é paixão só dos brasileiros, não. No Japão e na Coreia do Sul, a "gelada" está entre campeãs de pedidos, ao lado de uísque e bebidas tradicionais orientais. Conheça as três principais:
- Shochu (Japão): fermentado e destilado preparado a partir de arroz e outro ingrediente, como batata-doce, trigo-sarraceno cevada ou açúcar mascavo. Por passar por uma destilação leve, dá para sentir a matéria-prima no paladar. Pode ser consumido puro, com gelo, diluído em água (ressalta os aromas) fria ou em coquetéis. Boa parte da produção é artesanal;
- Saquê (Japão): bebida fermentada, como o vinho, sempre de arroz e com teor alcoólico que chega a 16%. Ao contrário do que se acredita, é menos popular do que o shochu. É refinada, artesanal e servida geralmente em izakayas (bares japoneses).
- Soju (Coreia): a matéria-prima varia entre batata-doce, trigo e cevada, mas pouco se sente o sabor do ingrediente pela destilação potente -- o teor alcoólico pode chegar a mais de 50%. As versões industrializadas levam saborizantes de maçã-verde, mirtilo, morango e mais.
- Awamori (Japão): é produzido em Okinawa, arquipélago no sul do Japão, com arroz tailandês. Passa por fermentação, destilação e tem alto percentual alcóolico.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.