Moda barata, grifada e consciente: Largo do Arouche é polo de brechós em SP
No bairro da República, o Largo do Arouche representa uma clássica mistura da região central de São Paulo: ao mesmo tempo que escancara uma série de problemas sociais, é também um lugar histórico e cultural para a capital paulistana. Basta andar pelo local para encontrar esculturas, tais como "A Menina e o Bezerro" (Luiz Christophe, 1910) e "Amor Materno" (Charles Virion, anterior a 1910), escondidas entre as árvores e prédios antigos.
Hoje, são os brechós quem estão se tornando um dos principais diferenciais da praça, atraindo as mais diversas gerações — desde os jovens "do chão de taco e samambaia" até os mais velhos. Todos eles em busca de uma meta: encontrar roupas vintage e grifadas, baratas e exclusivas. Uma espécie de terceira via entre o Brás e a Rua Mateus Grou, em Pinheiros.
As joias do Arouche
No Largo do Arouche, três coletivos de brechós se destacam: o Colmeia Brechó, o Espaço Arouche e a A Casa Rosa, cada um deles posicionado praticamente em uma das extremidades da praça. Esses espaços amplos são tomados por diversos vendedores que organizam uma espécie de feira em que roupas inundam o horizonte — em alguns casos, artigos de decoração também se fazem presentes.
Espaço Arouche
Ao lado da companheira Edna, responsável por criar uma das lojas dos coletivos, Eduardo Tavella abraça com os olhos quem chega, enquanto mostra o que é novidade e explica a origem das roupas que estão sendo vendidas.
"Existe uma curadoria muito cuidadosa com as peças que estão aqui, nada é estragado ou sujo, por exemplo", reforça ele para Nossa, em contrapartida à reputação, já antiga, de brechós serem lugares empoeirados e sem higienização. "Isso já é muito comum na Europa, mas no Brasil nem tanto. Apesar de São Paulo vir se destacando neste lugar, que abrange o reaproveitamento de roupas".
É maravilhoso trabalhar com isso. Na verdade, a roupa é quem compra a pessoa. Não vice-versa."
Eduardo Tavello
O discurso sobre a importância dos brechós é reforçado pelas estudantes de moda Maria Luiza Dobre e Ana Beatriz Zaia. Enquanto faziam compras, as duas reforçavam o motivo pelos quais preferem comprar roupas lá, em vez de nas fast-fashion.
"Depois que começamos a estudar sobre o assunto, nos deu uma questão de consciência", dizem. "Começamos a aprender mais sobre os ciclos, é muito melhor criar uma nova maneira de consumo."
No mesmo espaço, Patricia Guerreiro viu seu espaço crescendo pouco a pouco. Há cinco anos nesse segmento, ela começou a vender as roupas na internet e entregando nas estações de metrô. Agora, ela se diz uma especialista em roupas vintage, peças que protagonizam as suas araras.
"Depois da empresa que eu trabalhava fechar em 2016, pensei em abrir um ateliê, mas não me identifiquei com a parte da produção. O que eu gosto mesmo é a parte de produção", conta ela para Nossa. "Me chamaram para vender em um evento e foram surgindo outros eventos, como feiras de final de semana, e fui crescendo. Agora estou aqui."
O público é bem variado, mas em sua maioria jovem. Entre dez pessoas, sete delas são jovens. Às vezes vêm umas senhorinhas fofinhas (risos). É bem relativo."
Patrícia Guerreiro
A Casa Rosa
Do outro lado da calçada, no coletivo de brechós A Casa Rosa, Mariangela Du Pin Galvão viu ali a oportunidade de entrar em um mercado que sempre admirou: o da moda.
Com o próprio negócio há um ano, a comerciante encontrou essa solução, de unir finanças ao gosto pessoal, após ficar desempregada.
"Sempre gostei de moda, desde menina. Sempre fui brechozeira", brinca ela ao conversar com Nossa, citando ainda as vantagens na sua opinião. "É uma alternativa hoje por causa da economia do país. As pessoas querem continuar comprando e as roupas novas estão muito caras. Além disso, existe o fator exclusividade."
Ao lado dela, com o seu próprio brechó dentro do coletivo, Felype Bouzan, de 26 anos, acaba por se misturar ao público que se vê frequentemente por lá. O jovem, que começou o seu próprio negócio há cerca de um ano, ressalta:
Para mim, a importância é a gente ressignificar as peças que já estão no planeta. Usar o máximo o que a gente já produziu para não poluir mais."
Felype Bouzan
Sua história foi quem o levou até lá. Desde pequeno, sua mãe o levava até esses estabelecimentos, em especial, o de uma amiga: "Ela sempre me colocava na frente pra chamar a atenção e o pessoal entrar", relembra.
Entre eles, a mais sincera de todos certamente é Maria Barbosa. Aos 60 anos, a dona do seu próprio stand divide o comércio de roupas com o ofício de trabalhadora doméstica.
"Eu detestava brechó. Achava que era coisa usada, achava que usar roupa usada era ridículo", dispara. "Mas quando uma pessoa me ligou e falou: vende bem. Pensei: vou tentar."
Tentou e deu certo. "Se mudou minha opinião? Oxe", esbraveja ela. "Enxergo por duas razões: uma que a gente tem roupas que não se acha em loja para comprar e, em segundo, que eu preciso fazer minha parte perante ao planeta. Porque se eu não tiro de lá, vai para a natureza."
Na Vila Maria [Zona Norte de São Paulo], as roupas são jogadas no lixo, na lata mesmo. Já tentei fazer denúncia, mas no Brasil nada funciona. Descobri que vêm contêineres da Casa André Luiz e de igrejas católicas."
Maria Barbosa
Espaço Brechó Colmeia
Ao lado de uma das entradas laterais para o Minhocão, elevado que se transformou na "Praia dos Paulistanos", o Espaço Brechó Colmeia se diferencia pelo luxo. Quem entra, não parece estar em um brechó, de fato.
A decoração industrial e móveis refinados, que em parte também estão à venda, criam a impressão de estar comprando no shopping ao som do repertório de Madonna.
Essa ideia, por sinal, é proposital. Reginaldo da Luz, dono do empreendimento, reforça o propósito por trás desse apelo: "Aqui era uma academia, mas estava em situação de miséria. Destruído e abandonado. A gente queria montar um espaço que tinha uma pegada de brechó europeu".
Buscamos desmistificar essa ideia de que brechó é um lugar sujo. Queremos inverter essa lógica."
Reginaldo da Luz
No segundo andar do espaço, o primeiro brechó que se destaca é o de João Lima. O jovem trabalha com diversas peças grifadas e criadas por estilistas brasileiros, tais como Walério Araujo e Weider Silveiro, ambos fazem parte do line-up da São Paulo Fashion Week e são amigos próximos de João.
"Trabalho com coleções antigas, mas não vem a coleção inteira. São peças selecionadas e fazemos esse trabalho de vender", comenta para Nossa.
O brechó mudou. Não tem mais aquela cara de antigamente, só de roupa de defunto e fedidas. Todo esse conceito se transformou. Ele deu uma repaginada, tem uma cara mais moderna."
João Lima
A hora da moda "consciente"
O crescimento exponencial do interesse por brechós nos últimos tempos é inegável. Entre diversos motivos, o maior deles é o preço, mas também a sustentabilidade. A moda upcyling, como é chamada, propõe uma desaceleração dos males causados pela indústria ao meio ambiente. O setor têxtil figura em segundo lugar no ranking dos setores mais poluentes do mundo, atrás apenas do petróleo.
Em números mais específicos, no Brasil, a indústria da moda gera 175 mil toneladas de resíduos têxteis por ano, como informado pela Associação Brasileira de Indústria Têxtil (ABIT). A organização destaca ainda outro problema, tão sério quanto. Em 2020, 178 mulheres foram resgatadas de oficinas em São Paulo exercendo trabalho escravo na confecção de roupas.
Enquanto as grandes marcas não se responsabilizam, de fato, por esses problemas, os brechós se tornam a melhor opção, seja nas ruas ou na internet, como quando precisaram se reinventar durante a pandemia com o feed do Instagram servindo como araras de roupas.
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