Antes dos bolos hiper-realistas, gastronomia já flertava com comidas fake
Muito antes da tendência dos bolos hiper-realistas que viralizaram em redes sociais como o TikTok, a gastronomia há muito já flerta com a ilusão. Não acredite no que vê até pelo menos dar a primeira dentada.
A comida disfarçada servida nas refeições não é uma novidade. Já na Idade Média, eram comuns os sotelties ou entremets como eram chamados os pratos servidos nos banquetes, com doces moldados em formato de animais, por exemplo.
Nos tempos da monarquia francesa, os pomposos jantares palacianos eram decorados com tudo: melões e melancias em formatos de aves e outras frutas a fazer referência a animais de todas as faunas.
Na cozinha francesa, também, surgiram as receitas trompe l'oeil, que imitam objetos mundanos, que tentam enganar os olhos e, assim, criar surpresas na boca.
Inspiradas no mundo da arte, onde pintores e artistas plásticos já brincavam com proporções e sentidos, chefs de todo o mundo passaram a iludir seus comensais com formas e sabores.
"O objetivo é imitar um ingrediente inerentemente comestível; por outro, a ideia é superar essa imitação dando ao ingrediente qualidades aparentes até de objetos impróprios para o consumo humano", afirma o chef Andoni Luis Aduriz em um artigo publicado no International Journal of Gastronomy and Food Science.
Fruta de patê, planta de queijo
Na alta gastronomia contemporânea, um dos mais conhecidos nesse movimento foi o inglês Heston Blumenthal, que em seu inovador restaurante The Fat Duck serviu um prato de foie gras em formato de uma tangerina.
A receita, batizada de Meat Fruit (fruta de carne, em tradução livre), ganhou o mundo e abriu um novo capítulo do "comer para crer" do panorama dos restaurantes.
A partir dele, muitos chefs seguiram a tendência. No renomado Noma (restaurante número 1 do mundo hoje), o chef René Redzepi buscou criar formas animais a partir de outros ingredientes, como um caranguejo cuja carapaça era feita de um "simples" pão de malte.
E assim, os pratos foram dominados por plantas ornamentais (como uma monstera deliciosa) feitas de batata e queijo, peixes inteiros reconstruídos só com suas peles fritas, mini frangos feitos de farinha e pó de frango grelhado.
Com as redes sociais, o movimento só aumentou. "Especialmente em uma cultura compulsivamente visual, onde a comida é cada vez mais consumida sem comer de verdade, experimentada através de uma tela", como escreve a jornalista Ligaya Mishan, no "The New York Times".
Nos canais de streaming, florestas comestíveis, bolos em formatos de tênis, e toda a sorte de criaturas feitas de açúcar, farinha e pasta americana inundaram as programações.
Doces virais
O mais recente deles é "Isso é um Bolo?", da Netflix, no qual a plateia composta de confeiteiros e famosos precisam adivinhar qual dos objetos mostrados num palco giratório é, de fato, um bolo.
Com uma espada ou faça na mão, o apresentador Mikey Day desafia os olhos da audiência ao cortar ao meio de bolas de boliche a bolsas de grife diante da incredulidade dos participantes que se indignam em "ooohs" e "quêêês".
A ilusão da imagem, que é a base de redes como o Instagram, se intensificou também com o trabalho de confeiteiros que se aproveitaram do poder de iludir para viralizar.
Um dos mais conhecidos é o francês Cédric Grolet, chef de confeitaria do icônico Le Meurice, em Paris, que ficou famoso por criar frutas fakes esculpidas à perfeição — recheadas, na verdade, de geleias, ganaches e bolos.
Da maçã à manga, passando por maracujá, pêras e pêssegos, ele alargou o conceito a castanhas (de avelãs e macadâmias) e a outros ingredientes, como tomates. E assim, ganhou mais de 2 milhões de seguidores no Instagram.
Outros confeiteiros, como a inglesa Sarah Hardy, trataram de reproduzir partes do corpo humano (como cérebros e corações) e animais como sapos e caramujos anatomicamente perfeitos e modelados em chocolate.
Rainha da "fake food"
Mas nenhum outro mestre da confeitaria, porém, ganhou tanta projeção em tão pouco tempo no mundo das "fake food" quanto a confeiteira Tuba Geckil, do Red Rose Cake, em Istambul.
Suas criações surpreendentemente realistas vão de rolo de papel higiênico acolchoado a bolas de basquete, de um tênis da Adidas a um balde de frango frito da cadeia KFC. Tudo feito de bolo, tudo para ser degustado.
Seus vídeos colecionam milhões de visualizações, como um que mostra ela cortando uma chaleira elétrica, a maçaneta de uma porta, um microondas e até um sanduíche embrulhado em papel filme — sim, até mesmo o rolo era de bolo.
Geckil começou fazer seus bolos realistas há 15 anos, quando, para o aniversário do filho, tentou transformar seu carrinho de brinquedo favorito em um bolo. "Eu não tinha ideia de como reproduzir, mas com chocolate e pasta americana eu fiz, e fiquei mesmo muito surpresa com o resultado", diz ela em entrevista à Nossa.
Com o sucesso da empreitada, ela passou a receber pedidos de pessoas próximas.
Naquela época, confeitaria boutique e bolos de pasta americana ainda não eram comuns. Além disso, redes sociais como Youtube e Instagram ainda nem existiam", ela lembra.
Antes dos bolos, a confeitaria se dedicava ao mundo das artes visuais. "fazia retratos, natureza morta, minha área sempre foi o realismo". Mas com o domínio da pasta americana, ela percebeu que podia inovar também nos bolos.
"Ganhei muitas medalhas participando de competições no mundo todo e fui reconhecida pela Federação Nacional de Culinária da Turquia, o que me motivou a continuar", ela conta.
Qual em uma pintura, Geckil diz que a coisa mais importante é desenhar o plano de confecção do bolo antes de qualquer coisa. Para criar o modelo com seus detalhes e cores harmoniosas, ela usa papel ou o tablet, onde pode modificar elementos mais facilmente.
Com a pandemia, comecei a escolher os meus modelos de bolos principalmente a partir de objetos do dia a dia durante o tempo em que estávamos em casa. Eles se tornaram minha maior inspiração e achei que seria mais espirituoso, surpreendente e divertido transformá-los em bolos", diz.
Sua mais famosa criação a viralizar na internet foi uma Crocs, seguida de uma embalagem de desinfetante — coisas que, segundo ela, se tornaram mais usadas ainda na era da covid-19.
O mais difícil, porém, foi recriar um bolo para o lançamento do novo modelo MINI Cooper. "Levei dias para construir. Todas as suas partes e detalhes foram feitos reduzindo-os a 1/4 de acordo com suas dimensões originais, o que, em termos de proporção, é muito complicado", lembra.
Da alavanca de câmbio aos faróis, tudo foi feito a mão sem molde. Geckil teve até criar com os engenheiros da marca um mecanismo especial para reproduzir e fazer o porta-malas. "Quando ele foi aberto, havia uma porção de malas dentro", conta ela. Todas feitas de bolo e servidas para os convidados, é claro.
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