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Seridó oferece "mergulho" na terra e promove belo Nordeste além do litoral

Cidade das Pedras, no Geoparque Seridó, em Cerro Corá, no Rio Grande do Norte - Divulgação/visiteriograndedonorte.com.br/
Cidade das Pedras, no Geoparque Seridó, em Cerro Corá, no Rio Grande do Norte
Imagem: Divulgação/visiteriograndedonorte.com.br/

Eduardo Vessoni

Colaboração para Nossa

30/03/2022 04h00

Para o condutor de turismo José Evangelista de Arruda Dantas, 34, sua carreira no turismo começou ao chutar uma pedra. Para todo o entorno, o início daquilo tudo foi há milhares de anos.

Localizado no sertão do Rio Grande do Norte, a cerca de 150 quilômetros de Natal, o Seridó é o Nordeste que vai além das famosas faixas de areia do litoral potiguar, em um roteiro de trilhas, cânions, sítios arqueológicos e até mina subterrânea.

Maior produtora do mineral scheelita no Brasil, a região leva o turista para dentro da terra.

O destaque por ali é o Geoparque Seridó, uma área de 2.800 km² que guarda um patrimônio geológico em 21 geossítios (sítio geológico com formações de importante valor científico), ao longo de seis cidades do interior do estado.

Trilha de acesso ao Sítio Arqueológico Xiquexique I, em Carnaúba dos Dantas - Eduardo Vessoni - Eduardo Vessoni
Trilha de acesso ao Sítio Arqueológico Xiquexique I, em Carnaúba dos Dantas
Imagem: Eduardo Vessoni

Em abril, o local deve ser incluído na seleta lista de 169 geoparques da UNESCO, em 44 países. Quando o título for confirmado, o Seridó será mais um atrativo do gênero no Brasil, juntamente com os geoparques Araripe (CE) e Cânions do Sul (RS).

"Muitas vezes, a geologia no Brasil é vista apenas como um amontoado de pedras formadas há muito tempo. Mas no Seridó, trata-se de um desenvolvimento sustentável do território, incluindo conservação, educação e turismo", explica Marcos Nascimento, geólogo e professor do Departamento de Geologia da UFRN.

Pedra no caminho

Trilha de acesso ao Sítio Arqueológico Xiquexique I, em Carnaúba dos Dantas - Eduardo Vessoni - Eduardo Vessoni
Trilha de acesso ao Sítio Arqueológico Xiquexique I, em Carnaúba dos Dantas
Imagem: Eduardo Vessoni

Foi no Sítio Arqueológico Xiquexique I que o condutor José Evangelista, literalmente, deu o ponta a pé na carreira turística (e artística).

Após concluir um curso de condutor, em 2002, Evangelista começou a se interessar não só pelo potencial arqueológico da região, mas também pela conservação dos painéis rupestres desse atrativo em Carnaúba dos Dantas, cidade a 250 quilômetros de Natal, aproximadamente.

Eu estava fiscalizando o local por conta própria e um dia chutei uma pedrinha de quartzito. Pensei então em fazer pinturas em rochas para evitar que o pessoal levasse as figuras originais", explica à reportagem.

Trabalhos do artista José Evangelista de Arruda Dantas, em Carnaúba dos Dantas  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Trabalhos do artista José Evangelista de Arruda Dantas, em Carnaúba dos Dantas
Imagem: Arquivo Pessoal

Evangelista começou a criar réplicas daquelas pinturas rupestres de cores vivas e com cerca de dez mil anos de idade, conhecidas pelas referências a temas como caça, dança e sexo, em rochas de cerca de 640 milhões de anos.

Com peças de até 1,10 metro, Evangelista conta que suas peças já foram vendidas para turistas da Colômbia, Estados Unidos e França.

"Uma vez, um colombiano teve até problemas para embarcar no aeroporto porque acharam que era uma peça original", lembra o artista.

Assim como ele explica, o trabalho é feito com caneta esferográfica vermelha, pois o tom se aproxima ao do óxido de ferro das pinturas originais. Para isso, utiliza o quartzito de uma empresa que fez uma adutora de Parelhas a Carnaúba dos Dantas.

Sertão adentro

A 150 quilômetros de Natal, o município de Cerro Corá, outro destino do Seridó, é uma espécie de sertão com ar-condicionado, devido ao clima serrano e às temperaturas que podem chegar a 18 °C no inverno.

É ali que fica o geossítio Serra Verde, conhecido pelas rochas graníticas esculpidas pela chuva e que escondem as pinturas rupestres da Toca de Zé Braz.

Geossítio Serra Verde, em Cerro Corá  - Eduardo Vessoni - Eduardo Vessoni
Geossítio Serra Verde, em Cerro Corá
Imagem: Eduardo Vessoni

"Esse é o lugar para usar a imaginação", avisa Marcos Nascimento, por conta da diversidade de geoformas que lembram caju, cachorro, baleia e até um nariz gigante.

É tanto talento do tempo da pedra que a cidade tem até um hotel onde as paredes são pedras, como os chalés da Pousada Colina dos Flamboyants feitos com madeiras de algarroba e quartos incrustados em pedras granito.

Pousada Colina dos Flamboyants, em Cerro Corá  - Eduardo Vessoni - Eduardo Vessoni
Pousada Colina dos Flamboyants, em Cerro Corá
Imagem: Eduardo Vessoni

A cerca de 40 quiolômetros dali, em Currais Novos, fica outro destaque do destino.

O Cânion dos Apertados, eleito uma das Sete Maravilhas do estado em concurso feito pela imprensa potiguar, é um corredor natural com paredões de até 40 metros de altura.

Formado pela erosão do Rio Picuí, que modela as rochas da Serra da Timbaúba, o local tem trilhas sertão adentro e bolsões d'água usados pelos visitantes como piscinas naturais.

Geossítio Cânions dos Apertados, em Currais Novos  - Eduardo Vessoni - Eduardo Vessoni
Geossítio Cânions dos Apertados, em Currais Novos
Imagem: Eduardo Vessoni

Para ir mais fundo na geologia local, a 10 quilômetros do centro de Currais Novos, o município é endereço também da Mina Brejuí, parque temático equipado com museu sobre extração de minerais, Mirante das Dunas, formadas pelo acúmulo de rejeito da mina, e visita a túneis e galerias, em uma trilha subterrânea de 300 metros de extensão.

E o sertão vai virar mar...

"O Geoparque Seridó é a interiorização efetiva do turismo no Rio Grande do Norte", avalia Marcos Nascimento, que é também coordenador científico do Geoparque Seridó.

"Falta encarar ainda o geoturismo como um novo nicho de turismo e o Brasil precisa entender sua particularidade. Se analisarmos todos os destinos turísticos do país, cerca de 90% são geológicos", explica Marcos, quem acredita que o turismo na região não é um potencial, é uma realidade.

Sítio Arqueológico Xiquexique I, em Carnaúba dos Dantas  - EMPROTUR/Divulgação - EMPROTUR/Divulgação
Sítio Arqueológico Xiquexique I, em Carnaúba dos Dantas
Imagem: EMPROTUR/Divulgação

E embora a Caatinga nem sempre esteja no radar dos viajantes que visitam o Nordeste, agências de turismo têm incluído o Seridó no seu cardápio de roteiros.

Criada em 2015 a partir de um TCC de faculdade defendido pelos amigos Daniel Cabrera e Pedro Gayotto, a Vivalá é a única agência do Sudeste a atuar na região, cujas expedições por destinos não tradicionais se baseiam no turismo sustentável, focando no meio ambiente, no social e no retorno financeiro viável para as comunidade locais.

O Seridó tem um cenário de beleza surreal. Os açudes cheios de água e a Caatinga verde quebram todos os estereótipos sobre o Nordeste", explica Gustavo Fernandez, analista de comunicação e marketing da agência.

Lançado no Carnaval deste ano, o roteiro da agência pelo Seridó inclui experiências como oficina de pinturas rupestres no Sítio Arqueológico Xiquexique, visita à Associação as Mulheres Produtoras Rurais da Comunidade do Quandu, em Currais Novos, e meditação no pôr do Sol no Portal do Universo, espaço holístico em pleno sertão.

"Não é viagem perfeita, é experiência autêntica que conscientiza o viajante que existe um Brasil imenso ainda desconhecido", diz Gustavo, com relação aos desafios logístico e operacional de atuar no Seridó.

Geossítio Cânions dos Apertados, em Currais Novos - Getson Luís/Divulgação - Getson Luís/Divulgação
Geossítio Cânions dos Apertados, em Currais Novos
Imagem: Getson Luís/Divulgação

E para quem quer ver o sertão virar mar, no sentido mais literal da expressão, uma agência potiguar combina a região em um roteiro litorâneo que começa na vila de pescadores de Galos, na Costa Branca, e segue por endereços do interior como o surreal Castelo Zé dos Montes e a Serra de São Bento, famosa pelo pêndulo humano na Pedra da Boca, entre a Paraíba e o Rio Grande do Norte.

Entre arbustos e árvores baixas da Caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, o turismo por ali é no ritmo deles. Do sertanejo e da natureza.