Por que salsicha artesanal custa tão caro (e não precisa cozinhar em água)
Linguiça artesanal é fácil de encontrar. Mas por que será que salsichas artesanais são produtos tão raros no mercado — e custam até quatro vezes mais do que as versões industrializadas? São vários os motivos, como explica Peterson Rebechi, fundador da Escola de Charcutaria Cava e da comunidade Charcutaria Artesanal no Brasil, com quase 80 mil membros no Facebook.
Em primeiro lugar, fazer salsicha é muito mais complicado do que encher linguiça. "Embutidos como as linguiças surgiram no passado como forma de conservar a carne. Até hoje elas são feitas com método simples: basta moer a carne crua, temperar e ensacar. Já as salsichas são emulsões que exigem domínio técnico do charcuteiro e equipamentos específicos", compara.
Fazer uma emulsão significa incorporar com perfeição ingredientes que não se misturam facilmente. No caso da salsicha, entram carne (geralmente de origem bovina ou suína, mas também há receitas com aves), temperos, gordura e água. O resultado é uma espécie de musse bem lisa e cremosa, que deve ser ensacada em tripa e, depois, cozida (em água ou no vapor) ou defumada.
Segundo Bernardo Criscuolo, fundador da À Table Charcutaria Fina, de São Paulo, a maior dificuldade é fazer a emulsão em baixíssima temperatura — usa-se a água em forma de cubos de gelo, para evitar que a temperatura suba durante o preparo. "O calor impede que os ingredientes emulsionem, fazendo com que se separem de novo na hora do cozimento. A salsicha fica com bolsões de gordura separados dos pedaços de carne, secos e granulados. Estraga o produto e não tem jeito de recuperar", ele explica.
A tripa mais usada é a de colágeno extraído da pele de bovinos. "Ela faz crec na mordida, um sinal de qualidade", avisa Rebechi.
Iniciar uma produção artesanal de salsichas não sai barato — outro fator que ajuda a explicar por que o produto é raro. Para se ter uma ideia, quem quiser iniciar uma microprodução de linguiças artesanais precisa investir cerca de R$ 1.500, preço que se paga por um moedor de carne e uma ensacadora, a máquina que acomoda a emulsão na tripa. Já para produzir salsicha, é preciso ter um emulsificador picador, conhecido como cutter.
De acordo com Rebechi, não existem modelos pequenos, na dimensão exata para uma microprodução artesanal — e o preço chega a R$ 30 mil. Até dá para fazer salsicha em casa usando eletrodomésticos, mas em escala mínima. "Uso um processador mais robusto, que custou R$ 2 mil e bate 700 gramas de emulsão por vez. Nos processadores mais fracos de uso doméstico, nem adianta tentar, pois eles não têm força para processar o gelo", adverte.
O preço é outro fator que desestimula a produção artesanal de salsichas. Como brasileiros sempre associaram o produto a um item barato e de má qualidade, charcuteiros têm dificuldade para cobrar preço condizente com o custo dos ingredientes e a trabalheira que dá.
A legislação brasileira permite que salsichas sejam fabricadas à base de carne mecanicamente separada (processo industrial de moagem que inclui ossos), miúdos de diferentes espécies de animais, tendões e até pele — itens que não passam nem perto da produção artesanal da À Table. A salsicha Frankfurter é feita de pernil suíno temperado com cebola, alho, noz-moscada, pimentas branca e preta, páprica e semente de coentro. Já a Allbeef defumada é 100% carne bovina, feita de acém temperado com alho, cebola, páprica e pimenta-do-reino. O pacote de 500 gramas, com seis ou sete salsichas, custa R$ 30 e pode ser comprado pelo Instagram @atablecharcutaria.
A clientela da À Table estranha ao descobrir que não precisa cozinhar a salsicha em água — como o cozimento acontece na produção, basta aquecê-la. "A gente recomenda usar calor seco, como a frigideira sem gordura, a chapa, a grelha ou até o forno", diz Criscuolo, cujas salsichas recheiam hot dogs de hamburguerias descoladas de São Paulo, como Meats e Big Kahuna.
Quem ajudou a salsicha mudar de status em São Paulo foi Jefferson Rueda, que lançou seu cachorro-quente artesanal n'A Casa do Porco, em 2017. O chef começou a fazer salsicha muito antes, em 2015, mas dentro de casa e só para os filhos, João Pedro e Joaquim José. Ficaram tão boas que foram parar no restaurante (considerado o 17º melhor do mundo pelo ranking 50 Best) e acabaram dando origem à lanchonete Hot Pork, mais um dos negócios de sucesso que Rueda toca com a mulher, a chef Janaína.
O volume de vendas cresceu tanto que as salsichas, antes fabricadas dentro do estabelecimento, passaram a ser produzidas no frigorífico familiar do casal, o Porco Real, que tem licença para vendê-las para todo o Brasil. As 20 mil unidades mensais de salsicha de porco caipira, sem conservantes ou corantes, abastecem as casas do grupo e são vendidas pelo delivery — o pacote de 430 gramas custa R$ 40.
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