Histórias de uma mochileira: ela desbravou 30 países e conta saga em livro
Ouvir a intuição e descobrir que o prazer de estar em um lugar maravilhoso costuma ser proporcional ao perrengue para chegar lá — essas foram algumas lições da jornada da paulista Gabriele Jimenez (@gabiandtheworld), 34 anos.
A jornalista percorreu mais de 30 países da Ásia, Europa e América Latina em dois períodos, em 2016 e 2019, e acaba de lançar o livro "Encontros de Estrada: histórias de uma mochileira na Ásia", em que narra episódios, reflexões e, principalmente, os encontros que teve pelo caminho.
O sonho de conhecer o mundo foi alimentado primeiro por um intercâmbio na Turquia, aos 18 anos, depois pela possibilidade de usar o dinheiro que ganhou depois de sair do último emprego no Brasil, em 2016, para ir à Tailândia. Nesse intervalo, Gabi trabalhou como repórter de um extinto guia de viagens e em uma revista semanal de grande circulação.
Hoje, ela intercala as viagens com períodos de trabalho como community manager (já atuou na Alemanha e hoje vive em Barcelona, na Espanha). "Não sou herdeira, mas tenho consciência do meu privilégio", diz ela, que fala inglês e espanhol e tem a possibilidade de voltar para a casa dos pais, em São Caetano do Sul (SP), se for preciso — na pandemia, por exemplo. Diferentemente de outras pessoas em situação parecida, no entanto, Gabi prioriza o próximo mochilão em detrimento de comprar bens de consumo, carro e imóvel próprios.
Desapegar de empregos, ideias e lugares é mais difícil que de bens materiais. Acho importante ter clareza de que tudo é uma fase, que pode funcionar por poucos ou muitos anos, e saber reconhecer o fim dos ciclos"
Depois de 11 meses na Ásia, em países pouco explorados como Myanmar, Sri Lanka e Timor Leste, aprendeu que costuma valer mais analisar cada situação do que se apegar a regras genéricas de segurança. Certa vez, Gabi estava em um vilarejo no México, fora da temporada, e conheceu cinco turistas, todos homens, em um bar.
"Eles me convidaram para beber e, como havia mais gente ali, topei. Depois de um tempo, comecei a olhar aquela situação de fora, me despedi e fui para o hotel. Ou seja, não neguei o convite de forma automática, mas em determinado momento segui minha intuição", lembra.
Para ela, é fundamental se informar o possível máximo sobre o destino (o clássico guia Lonely Planet é sua principal fonte) e se inteirar com quem vive naquela comunidade.
Por outro lado, notei que muitas vezes as pessoas são extracautelosas, por não terem vivido nada parecido. Imagine alguém pedir informação na rua para sua mãe ou sua avó"
Perrengues de viagem
Em Kadidiri, na Indonésia, o perrengue — e a ameaça — não eram humanos e renderam um trauma que dura até hoje. A remota ilha é lar de uma população endêmica de ratos, que invadiram seu quarto e entraram em sua mochila durante a noite. O dono da pousada, conta a jornalista, foi simpático, mas disse que aquilo era comum ali e que não havia nada a fazer.
O maior perrengue, no entanto, aconteceu no mesmo país, em um voo entre a capital Jacarta e a ilha de Sulawesi. Ela embarcou, conscientemente, no avião de uma companhia aérea não aprovada por órgãos internacionais e, logo depois da decolagem, começou a ouvir um barulho ensurdecedor no motor. Não havia comissária, o piloto não se manifestou e até os locais ficaram apavorados.
De repente, um homem com uniforme de manutenção cruzou o corredor em direção à cabine. Parecia que o problema já existia e que haviam planejado consertar no ar. Depois disso, nunca mais voei em companhias com histórico suspeito"
Viajar sendo mulher
Gabriele é feminista e, como é de se imaginar, incentiva as mulheres a viajar sozinhas. "A gente faz muita coisa sozinha: vai ao médico, anda de ônibus, come fora. Por que não viajar também?" Mas, ao contrário do que se possa pensar, não se considera destemida.
Eu tenho medo e conheci muita gente mais corajosa que eu pelo caminho, como uma senhora mexicana de 50 anos que viajou sem dinheiro durante 4 meses. Mas não se trata de coragem, se quero viver essa experiência, eu vou com medo mesmo"
No âmbito da segurança, aliás, a jornalista prefere não dar fórmulas prontas. "Não gosto de falar que as coisas não vão acontecer se você tomar cuidado. Isso é jogar a culpa na conta do viajante. Mochileiros podem sofrer violência tomando mais cuidados do que eu costumo tomar. Afinal, o que é tomar cuidado? Andar armado? Não sair à noite?", questiona.
Sempre existe grau de risco envolvido, em qualquer situação. Se olharmos dados e estatísticas, o Brasil é um dos lugares mais perigosos para existir como mulher"
Entre os aprendizados práticos que ela gosta de compartilhar estão os de, em capitais e grandes cidades, reservar uma ou duas noites de hospedagem até entender o entorno, e então decidir se vai ficar mais ou não. A experiência também a ensinou a se preparar melhor para o frio, mesmo em regiões quentes como o Sudeste Asiático, e optar por roupas mais práticas e funcionais (como as que secam rápido, por exemplo).
Experiência sublime
Entre tantos lugares de cinema, Gabi descobriu verdadeiros paraísos, mas também se frustrou. "Minha expectativa estava altíssima para conhecer as Filipinas, mas não consegui evitar a estação chuvosa e me deparei com situações muito tristes, como o turismo sexual infantil escancarado e uma pobreza absoluta", lembra.
Também foi um dos países onde mais foi questionada por estar sozinha (nesse aspecto, ela menciona ainda Nicarágua e Sri Lanka). "Amei esses lugares, mas a experiência foi mais custosa", reflete.
No México (parte do mochilão de 10 meses pela América Latina, em 2019), ela guarda a Laguna Miramar, perto da fronteira com a Guatemala, em um lugar especial na memória. "Um dos destinos mais bonitos que já estive, com água quente e cristalina no meio da selva", conta.
Para chegar lá, ela teve que percorrer uma trilha de mais de quatro horas com lama no joelho levando tudo, de barraca a alimentos. Além da natureza, a jornalista ficou comovida pela luta dos guias locais para manter o paraíso preservado.
Uma das coisas que mais entristecem nas viagens é não saber como aquele lugar vai estar no futuro. Por quanto tempo vão sobreviver?"
Nesse sentido, ela cita, seja na Malásia ou na Guatemala, a resistência das comunidades e povos originários e a tentativa deles de desenvolver um turismo mais consciente e sustentável.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.