Saúde! Hora do "tim-tim" tem origem incerta e muito significado histórico
Não sabemos exatamente desde quando fazemos brindes e bebemos à honra, à saúde ou à felicidade de alguém. Mas o hábito é antigo. Jogos alcoólicos, essas desculpas lúdicas para virar copos aos montes, já se encontravam diluídos na poesia romana há 2 mil anos.
Marcial, famoso pelos epigramas cheios de sátira aos costumes de Roma, registrou uma dessas brincadeiras. Nela, um mulherengo que gostasse de mulheres com nomes mais longos, como Quintina, Otávia ou Aurélia, "empinaria" mais taças do que um que fosse chegado às de nomes curtos, tipo Alba ou Lívia. Quanto mais letras, mais doses:
E vê como esta se empina
sete vezes por Justina.
A Lieu mais quatro;
a Ida mais três.
Tantas letras da moça que idolatro,
quantos copos quero que me dês.
Nem sempre o brinde era uma celebração espontânea, no entanto. No século 1º a.C., um decreto do Senado instituiu que todos os cidadãos deveriam brindar à saúde do imperador Augusto a cada refeição.
Erguer taças em homenagem a imperadores e afins é bem anterior a Roma. "Quase todas as culturas — hebreus, egípcios, persas, saxões, hunos — faziam promessas de honra com copos", explicou o prolífico autor americano Paul Dickson no livro "Toasts" ("Brindes", sem edição brasileira).
Um antigo costume grego exigia uma promessa de três taças, uma para Hermes, uma para as Graças e uma para Zeus."
Origem incerta do tim-tim
Reis e deuses, pequenas e grandes vitórias, saúde, prosperidade, sorte. Os motivos variavam, mas sempre as pessoas levantavam os copos — e os tocavam. Mas por quê?
Há algumas teorias a respeito, mas nenhuma é conclusiva. Alguns acreditavam que o "tim-tim", o som de canecas e copos batendo, afastaria maus espíritos. Para outros, é puro prazer sensorial. Segurar firmemente a taça, sentir suas texturas e ouvir o som do toque se juntaria ao visual, aos aromas e aos sabores da bebida. Com o brinde e o primeiro gole, todos os sentidos seriam estimulados.
Por fim, há a história de que os nobres batiam com força seus copos com o intuito de misturar os líquidos. A bebida de um respingava no caneco de outro, passando uma mensagem que dizia algo como: "fique tranquilo, partilhamos o mesmo álcool, eu não quero envenená-lo".
Evitar o envenenamento até podia ser uma questão, mas o distanciamento de fluidos corporais não era tão levado a sério. É o caso de homens apaixonados, que cortavam os braços e misturavam o sangue ao vinho, antes de fazer uma saudação e beber a mistura em homenagem à pessoa desejada.
Tal hábito, citado em "O Mercador de Veneza", de Shakespeare, caiu em desuso. Mas um outro encontra paralelos hoje em dia: estudantes ingerindo qualquer porcaria para aparecer. Certa vez, alunos da Universidade de Oxford, a fim de chamar a atenção de uma moça chamada Molly, resolveram se desafiar.
O primeiro queria mostrar que seu amor não era uma ninharia. Então misturou uma colher de fuligem ao vinho e tomou. O segundo, determinado a não ficar para trás, bebeu "ao triunfo e à senhorita Molly". Seu drinque era um frasco de tinta. Que delícia.
Movimento do "deixa disso"
Na Europa, a prática dos brindes se disseminou de tal forma na Idade Média que inspirou movimentos contrários. O primeiro grupo organizado com o intuito de combater os excessos do álcool, a Ordem da Temperança, criada na Alemanha, em 1517, se dedicava a abolir os brindes.
O grande baque veio do lugar que ditou moda e impôs tendências que perduraram por séculos, a corte de Luís 14. O Rei-Sol baniu a prática dos brindes.
Na década de 1680, a França viveu uma fase renovada de moralismo. "Os parisienses não escaparam ao novo rigor moral de Luís", escreveu o historiador Philip F. Riley em um artigo para a publicação acadêmica inglesa "The Historian". "Houve um rápido interesse na proibição de comportamentos estridente na rua, palavrões, peças de teatro obscenas, jogos de azar e prostituição."
Menos surpreendente é o fato de que os brindes eram proibidos também na puritana Massachusetts desde 1634. O ato era considerado "abominável".
Mas o jogo não tinha acabado para o "tim-tim". Prova disso foi a publicação, em 1791, de um livro britânico cujo título era um desafio de ser lido bêbado sem pestanejar. Traduzido para o português, era: "O Mestre Real dos Brindes: Contém Milhares dos Melhores Brindes, Antigos e Novos, para Dar Brilho ao Júbilo e Tornar as Alegrias do Copo Extremamente Agradáveis".
A obra descreve o tim-tim como algo "estimulante para a hilaridade e um incentivo à alegria inocente". "Confusão para os servos do vício!" e "Que a razão seja o piloto quando o vendaval da paixão soprar!" são alguns dos brindes sugeridos.
Nos Estados Unidos, após a independência, em 1776, o hábito voltou com tudo.
Nenhum jantar oficial ou celebração estava completo sem 13 brindes, um para cada estado. Por muitos anos, os 13 brindes eram obrigatórios nas comemorações do Quatro de Julho", explica Dickson.
Mudanças de comportamento
No século 19, os barulhentos e exagerados brindes tinham ficado definitivamente para trás. Um manual de etiqueta americano recomendava que eles fossem silenciosos e discretos.
Os jogos de poder, porém, se mantiveram semelhantes desde os tempos dos romanos antigos. Os brindes dos poderosos refletiam contextos políticos e tensões do momento.
Em 1809, o "Correio Braziliense", editado em Londres e considerado o primeiro jornal brasileiro, noticiou um jantar diplomático dedicado aos nobres portugueses na capital inglesa. Domingos de Sousa Coutinho, marquês do Funchal, assim brindou (a grafia foi atualizada para facilitar a leitura):
"Que todos os portugueses da Europa, das ilhas, do Brasil, da Ásia e África nunca percam de vista o nome augusto da casa de Bragança, que já foi, e será sempre, o sinal para a restauração da liberdade e independência de Portugal."
Mas por que esse discurso? No ano anterior, a corte portuguesa pôs em prática um plano antigo, o de se transferir para o Brasil. Com a expansão virulenta de Napoleão Bonaparte, que invadira Portugal em 1807, a autoestima do outrora poderoso Império Português precisava de um gás. Um brinde carregado de orgulho em um jantar cheio de figurões políticos internacionais é um bom momento para isso.
O texto do "Correio Braziliense", disponível no acervo digital da Biblioteca Nacional, mantém o tom: "Não podem já os franceses duvidar que, em todas as partes do globo que estão sujeitas à dominação portuguesa, nunca cessará a Casa de Bragança de reinar".
Brindes em jantares oficiais seguiam populares no século 20, o que abria espaço também para as gafes políticas. Em 1975, o presidente americano, Gerald Ford, ao erguer a taça a seu homólogo egípcio, Anwar Sadat, saudou "o grande povo e o governo de Israel, quer dizer, do Egito. Perdão." Em 1982, Ronald Reagan jantou com João Baptista Figueiredo em Brasília e propôs um brinde ao povo da Bolívia. Ops.
No século 21, antigas tradições precisaram se adaptar. Caso da Marinha britânica, que tradicionalmente tem um brinde específico para cada dia da semana. O de segunda é dedicado aos navios em alto-mar, o de domingo aos amigos ausentes, por exemplo.
Em 2013, refletindo os novos tempos, alguns brindes mudaram. O das terças não saúda mais "homens da Marinha", mas "navegantes", a fim de incluir as mulheres que integram a força. O de sábado, antes dedicado "às esposas e às amadas", agora é "às famílias".
"Saúde" mundo afora
Adaptado do livro "Toasts", de Paul Dickson
- Albanês: Gëzuar
- Alemão: Prosit ou Aufihrwohl
- Árabe: Bismillah. Fischettak
- Armênio: Genatzt
- Chinês: Nien Nien nue
- Checo: Na Zdravi. Nazdar
- Coreano: Kong gang ul wi ha yo
- Dinamarquês: Skal
- Espanhol: Salud
- Estoniano: Tervist
- Filipino: Mabuhay
- Finlandês: Kippis ou Maljanne
- Francês: Santé
- Grego: Eis Igian
- Holandês: Proost ou Geluch
- Húngaro: Kedves egeszsegere
- Islandês: Santanka nu
- Indiano: Jaikind. Aanand
- Indonésio: Selamat
- Iraniano: Besalmati ou Shemoh
- Italiano: Salute
- Japonês: Kampai ou Banzai
- Lituano: I sveikas
- Malaio: Slamat minum
- Norueguês: Skal
- Paquistanês: Sanda bashi
- Polonês: Na zdrowie ou Vivat
- Romeno: Noroc ou Pentru sanatatea dunneavoastra
- Russo: Na zdorovia
- Servo-croata: Zivio
- Sueco: Skal
- Tailandês: Sawasdi
- Turco: Aerefe
- Ucraniano: Boovatje zdorovi
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