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Marketing ou paixão nacional? Hambúrguer de picanha divide especialistas

Hambúrguer de picanha é alvo de polêmica, mas não está sozinho - Getty Images/iStockphoto
Hambúrguer de picanha é alvo de polêmica, mas não está sozinho
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Flávia G. Pinho

Colaboração para Nossa

04/05/2022 04h00

Desde que o McDonald's admitiu que o McPicanha não leva o corte em si, mas sim o aroma dele, o hambúrguer de picanha voltou a atrair os holofotes. Teve até hamburgueria aproveitando a publicidade negativa da concorrência para anunciar que faz melhor.

No último fim de semana, a DCK Burger, no Tatuapé, correu para rebatizar o Hermano, que combina hambúrguer de picanha com chimichurri e "muita muçarela derretida". Agora, o lanche se chama Pika das Galáxias. Renato Fechio, fundador da casa, jura que só usa picanha de verdade na receita.

Prefiro fazer hambúrguer de coxão duro ou acém, mas não tem jeito. Brasileiro adora tudo o que leva picanha, Nutella e queijo derretido. Sempre vende bem", diz Fechio, que cobra R$ 49,90 pelo lanche.

Pika das Galáxias, do DCK Burger: um hambúrguer 100% de picanha - Luis Vinhão - Luis Vinhão
Pika das Galáxias, do DCK Burger: um hambúrguer 100% de picanha
Imagem: Luis Vinhão

"Marketing e desperdício"

Com preços salgados, que variam de R$ 70 a R$ 150 o quilo, a picanha virou ingrediente para hambúrguer cerca de 10 anos atrás, com a popularização das ditas hamburguerias gourmet.

"O corte entrou na história para agregar mais sabor e virou um marketing ostentação", avalia Marcos Lee, o China, sócio da loja de insumos The Burger Store e um dos mais disputados consultores do setor.

"Por causa do churrasco, o brasileiro considera a picanha um orgulho nacional", ele emenda.

McPicanha do McDonalds - Reprodução - Reprodução
McPicanha, do McDonald's
Imagem: Reprodução
Whooper de Costela do Burger King  - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
Whooper de Costela do Burger King
Imagem: Reprodução/YouTube

Até que faz sentido. Na opinião de Rogério Betti, fundador do açougue DeBetti e do restaurante Quintal DeBetti, a picanha tem mesmo um sabor único. Ainda por cima, combina muita maciez e suculência acima da média. A capa de gordura que envolve o corte não fica atrás — tem um gosto só seu.

"É a gordura que concentra boa parte do sabor da picanha", Betti afirma. Só que, para ele, a conta não fecha.

Acho um desperdício moer picanha para fazer hambúrguer. É o mesmo que cozinhar com um Romanée-Conti."

Quando pesa no bolso

O preço salgado ajuda a explicar por que já não é tão fácil encontrar hambúrguer 100% picanha por aí. No Feed Açougue do Produtor, a dupla de discos, com 160 gramas cada um, sai por R$ 46,69 — quase o dobro do preço do blend do churrasqueiro, que leva chorizo, ancho, flat iron e miolo de acém e custa R$ 25,57.

Para o engenheiro de alimentos Germano Buzzo, sócio do Feed, a picanha só continua fazendo tanto sucesso por ser uma cultura antiga e, de certa forma, ultrapassada.

Antigamente, era um dos raros cortes que combinavam maciez e sabor. Mas é um hábito que já não faz mais sentido, já temos outros cortes excelentes, extremamente macios e bem mais baratos", opina.

Picanha, pero no mucho

The Burger Store usa blend de picanha e patinho para seu hambúrguer - Divulgação - Divulgação
The Burger Store usa blend de picanha e patinho para seu hambúrguer
Imagem: Divulgação

Mesclar a picanha com outros cortes, desde que de forma assumida, é uma prática corrente entre as hamburguerias e açougues frequentados pela turma de aficionados. No Empório 481, por exemplo, o blend leva picanha e peito bovino — duas unidades, que somam 360 gramas, saem por R$ 25,30.

Na The Burger Store, o blend de picanha e patinho, com 20% de gordura da própria picanha, recebeu o nome de Teimoso, uma brincadeira em função da teimosia do público, segundo Lee.

Usar a gordura da picanha é a forma mais inteligente de dar ao hambúrguer o sabor característico do corte. Mesmo assim tiramos de linha em 2019. Não faz sentido moer uma carne tão cara. Hoje, o blend mais popular, em todas as hamburguerias, é peito com acém, meio a meio", ele afirma.

Blends com picanha também chegaram às geladeiras dos supermercados. A Wessel estampa claramente na caixa que se trata de uma mistura de carnes: avisa que são "cortes bovinos e 10% de picanha". A embalagem do produto da Bassi, embora menos explicadinha, também anuncia a mescla de "cortes bovinos e picanha".

Mesma prática adota a Swift, com seu Hambúrguer Sabor Picanha, e a Seara, com o Picanha Burger da linha Seara Gourmet: sabe-se, sem muitos detalhes, que as receitas levam picanha misturada a outros cortes bovinos.

Costela na berlinda

Hambúrguer do Varal 87, com 50% de costela - Divulgação - Divulgação
Hambúrguer do Varal 87, com 50% de costela
Imagem: Divulgação

Embora não acumule tantos fãs quanto a picanha, o hambúrguer de costela também figura entre os preferidos dos burger lovers. Na casa de carnes Varal 87, o corte é responsável pelo único hambúrguer do cardápio. A receita foi criada para a Burger Fest, em 2020, e fez tanto sucesso que nunca mais saiu do menu — com cheddar, molho aioli, alface americana, cebola crocante e pão de brioche, acompanhado de batatas suflê, custa R$ 45,87.

A costela é 50% do blend. Além disso, uso fraldinha e acém e 20% de gordura de peito bovino", entrega o sócio da casa, Helder Justo.

Bastante presente em blends, tanto nos supermercados quanto nos açougues especializados em carnes premium, a costela também está no centro de uma polêmica recente. Tão logo veio a público o episódio do McDonald's, a rede Burger King admitiu que seu Whopper Costela é feito com paleta — de costela, tem só aroma natural. E nesta terça (3) mudou o nome do lanche para Whopper Paleta Suína.

Entre os hamburgueiros, a costela goza de prestígio por ser um corte coladinho ao osso e, portanto, bastante saboroso. Mas o que tem de gostoso, tem de melindroso, avisa Lee. "Se houver qualquer problema na desossa e o cara bater a faca afiada, vai parar cartilagem na carne", ele explica.

Sem dar bola para detalhes técnicos, os burger lovers querem mais é novidade. O hambúrguer de wagyu, considerada a carne mais cara do mundo, promete ser a bola da vez — no Feed, duas unidades saem a R$ 51,17. E só usar cortes famosos já não basta. O próximo lançamento da The Burger Store será o hambúrguer de terroir.

Estou buscando animais de diversas regiões, com idades e dietas diferentes. Nossa clientela é de aficionados, a cultura do hambúrguer virou quase uma religião."