Drinques engarrafados conquistam mercado e não são mais plano B da pandemia
A equação é dolorosamente conhecida: pandemia = quarentena = fechamento de bares e restaurantes = prejuízos e desemprego no setor. Tão ruim quanto, foi a estagnação de todo um segmento no momento em que a coquetelaria, em grande parte no embalo da contínua alta do gim, "surfava a maior da série", no país.
Rapidamente, bartenders e estabelecimentos buscaram uma saída através de um "recurso" que até já existia, mas que, a partir de então, ganhou muito mais impulso: os coquetéis engarrafados. Afinal, mesmo longe do bar, e frente a restrições orçamentárias de (boa) parte do público, havia uma demanda a ser atendida. E o que era plano B acabou virando tendência.
Senão, vejamos: afastado há tempos dos balcões (por opção pessoal e questões familiares), Alê D'Agostino, responsável pelo sucesso da festejada carta de drinques do restaurante Spot e, na sequência, pelo hype do seu lendário Apothek, cuja excelência coqueteleira marcou época, está de volta à cena. Só que em um inovador modelo de negócio.
A quatro mãos com o empresário e restaurateur Milton Freitas, o barman acaba de inaugurar o Raiz Club By APTK Spirits. O bar, um legitimo speakeasy (nome dos bares clandestinos durante a Lei Seca nos EUA), fica literalmente em um porão do Raiz Club, notório reduto jazzístico paulistano. Nas prateleiras e balcões, apenas coquetéis pré-engarrafados. É chegar, pedir, e o drinque vai ao copo. Obra e graça da grife APTK Spirits, que D'Agostino já lançara anos atrás.
"Após um período em que muita gente boa fechou e não vai voltar a abrir, sem dúvida falamos de uma tendência que vai se firmando na coquetelaria. Existe uma abertura e o público está entendendo melhor a proposta", explica D'Agostino.
Mas ainda é uma bolha. Embora aumentando, há muito a amadurecer ainda. Veja, eu lancei drinques engarrafados há cinco anos e não houve boa aceitação. Só que agora a pandemia acelerou o consumo em casa e fez com que as pessoas começassem a compreender melhor".
O formato do novo bar/speakeasy, ele destaca, acelerou sua volta à ribalta. "Em mais de 20 anos na noite, paguei minha conta", brinca. "A noite é sedutora, mas te cobra caro por isso. Já em um bar de engarrafados, não preciso estar presente o tempo todo".
As vantagens, ele afirma, são múltiplas. Uma delas, o padrão de qualidade — difícil um drinque engarrafado "dar ruim". "Mas tem que cuidar todo dia. Conhecer seus fornecedores, entender que podem existir variações — até porque, com o tempo, a bebida evolui na garrafa. Como um vinho de guarda. E ainda há a estocagem. Respeitando isso, você atinge um padrão de excelência".
E há ainda a agilidade do serviço — a julgar pelas primeiras noites "bombadas", um adicional importante no Raiz Club By APTK Spirits.
Sei que a hospitalidade é parte importante, o barman é tudo no processo, e nada substitui seu bom atendimento. Mas a agilidade que se consegue com coquetéis já prontos agrega inúmeras vantagens ao negócio".
Tanto isso é verdade que o Raiz Club By APTK Spirits inova em outro quesito: com inscrições já encerradas e barterders amadores e profissionais de todo o Brasil na disputa, o concurso "Drink Perfeito" vai não apenas eleger a melhor receita, como incorporá-la à carta do bar. O autor ganhará uma viagem à Itália e dividirá os lucros do drinque com a casa, em termos ainda a definir. O resultado sai em junho.
Educação etílica
Outro craque das coqueteleiras, o bartender Márcio Silva concorda com D'Agostino. "Na real, é uma cultura que já há alguns anos está se espalhando pelo mundo", avalia. "Muito antes da pandemia, Europa e EUA já tinham bastante know-how nisso".
Co-fundador em São Paulo do bar Guilhotina (que chegou a figurar na lista do World's 50 Best Bars, os 50 melhores bares do planeta), o apresentador do programa "Bar Aberto" (o "MasterChef" dos drinques, primeiro reality show de coquetelaria no país) crê que a maturidade da clientela do Primeiro Mundo levou bares à necessidade de desenvolver algo pronto para, com isso, "desovar" o bar mais rápido e, assim, abreviar a espera do cliente.
É uma visão de negócios. Quanto mais rápido a pessoa é atendida, mas rápido ela bebe. E isso impacta no aumento de seu tíquete médio no bar", ensina.
"De quebra, educa o cliente e faz com que ele prove coisas novas, na próxima visita".
Educar o palato — para Silva, esse é o ponto dos engarrafados. "Sou totalmente favorável a todos os experimentos que levem o público final cada vez a se educar mais. Isso só melhora nosso mercado". Melhora, também, o atendimento. Egresso igualmente de outro templo de coquetelaria exímia, o bar SubAstor, Silva sabe o que é a "paulada" de uma noite concorrida.
Anos atrás, lançamos no Sub um ponche engarrafado, como alternativa para 'desovar' o balcão. Era simplesmente por no copo e servir. E já naquela época deu muito certo".
Garrafa "desde criancinha"
Há, no entanto, quem trafegue na contramão e queime etapas, indo direto aos engarrafados. Caso da Benerick's Cocktail Co., de Belo Horizonte. Anos atrás, a paixão pela coquetelaria, mais especificamente pelo Negroni, levou Henrique Chaves, empresário e fundador da marca, a testar ingredientes e produzir quantidades do clássico coquetel italiano (Campari + vermute + gim, estatisticamente o drinque mais vendido do mundo, atualmente).
O bálsamo era mantido em garrafas, para consumo próprio e para presentear amigos.
Em 2020, o hobby virou negócio. "Nosso primeiro lançamento e carro-chefe até hoje é o Benerick's Negroni", revela Chaves. "Um clássico italiano ao qual damos nosso toque especial, um bitter exclusivo de laranja Bahia e nibs de cacau orgânico".
Com a expressiva demanda do primeiro lote, o leque de produtos não tardou a aumentar — atualmente são três linhas: coquetéis clássicos (além do Negroni, há os irresistíveis Dry Martini e Old Fashioned), drinques infusionados e spritz (esta, de variações de drinques leves e refrescantes, à semelhança de outro hit italiano o Aperol Spritz), além de um rum artesanal spiced ("temperado"), de nome Don Bene.
De quebra, uma linha de coquetéis enlatados (outra tendência mundial, abrangendo até gigantes do segmento de destilados). "Para valorizar a cultura brasileira, tão rica e fascinante, nosso diferencial é sempre que possível agregar às receitas ingredientes nativos do Brasil", define Chaves.
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