Prato "secreto" com berinjela homenageia mães de família taiwanesa em SP
A forma que minha mãe expressa 'eu te amo' ou 'estou preocupada', não passa tanto por palavras, e sim pela comida. O cuidado se traduz por: 'eu cozinhei pra você, você já comeu?'".
Duilio Lin conta que essa maneira de demonstrar afeto vinha, muitas vezes, pela berinjela no missô e shoyu que sua mãe, Jasmine Chen, faz há anos em casa. O prato saboroso também tem gosto de saudade. Dona Jasmine, imigrante taiwanesa que foi para São Paulo em 1979, desabafa com um sotaque que não deixa sua terra natal para trás:
"Eu comecei a cozinhar porque sentia muita falta do meu país".
Uma culinária que atravessa gerações
A gastronomia sempre fez parte da vida de Dona Jasmine, já que seu pai era cozinheiro. Porém, o ensinamento não partiu dele, e sim da sua mãe.
Ela conta que na sua terra natal, na época, "os cozinheiros profissionais não te ensinavam, te mandavam cortar cebola". Mas com a mãe, que cozinhava em casa, não era assim. E foi observando que ela aprendeu muitas receitas, inclusive a da berinjela. Um prato simples, mas acolhedor.
Apesar da sua paixão pela cozinha, Dona Jasmine levou um tempo até trabalhar na área. Quando recém chegada ao Brasil, ela e o marido arranjaram um emprego em uma fábrica de chinelos de taiwaneses que tinham emigrado antes para o país. Ela sempre cozinhava deliciosos jantares para amigos, mas não profissionalmente. Para Diulio, era ali, naquelas reuniões, que nascia uma das suas principais inspirações:
Esse momento que eu observava meus pais recebendo pessoas, servindo, trazendo um momento de união e alegria, vem antes da minha paixão por cozinhar".
A vida deu uma reviravolta quando seu marido faleceu, nos anos 90, e Dona Jasmine se viu sozinha, com três filhos para criar. Nesta ocasião, a mestra do Templo Zu Lai, em Cotia, sua amiga e apreciadora de seus dotes culinários, a convidou para comandar a cozinha do centro budista. Foram 17 anos como chef do Zu Lai, uma trajetória que só mudou porque seu filho também resolveu se tornar cozinheiro. Para ajudá-lo nessa nova empreitada, ela saiu do templo.
Duilio tem uma trajetória similar a da sua mãe na gastronomia, no sentido que ele sempre amou comer e cozinhar, mas sua vida profissional começou em outros caminhos. Ele cursou faculdade de engenharia de alimentos e só ia para o fogão por diversão. Até que, depois de mais de sete anos como engenheiro, tomou coragem e resolveu fazer uma experiência trabalhando em um restaurante na Colômbia, em 2016. Desde então, não voltou mais para o mundo corporativo. Ele conta:
"Eu acho que, de uma maneira geral, minha mãe e os imigrantes taiwaneses pensavam que alguns tipos de carreira, como gastronomia, não eram carreiras com que você ia sobreviver na vida".
Depois que ele comprovou para a mãe e para si mesmo que sim, era possível viver de gastronomia, os dois se uniram e resolveram criar o Mapu em 2019, um restaurante especializado na culinária de Taiwan.
Localizada na Vila Mariana, Zona Sul da capital paulista, a casa tem a tradição como base, com receitas típicas que são ressignificadas com técnicas de alta gastronomia e design. Na Berinjela Missô Shoyu, como o prato é chamado no Mapu, Duilio diz que não foi diferente:
Minha mãe sempre fazia a berinjela com amido, mas nós mudamos para uma mistura de três farinhas diferentes, que melhora a textura, deixa com uma casquinha. Todos os pratos são muito tradicionais, a base vem toda dela, mas a ideia é a gente conseguir inovar preservando as raízes. E o principal: ser coerente e muito gostoso".
O sabor de Taiwan
As disputas seculares em torno desta pequena nação insular influenciaram, e muito, a forma de cozinhar de Taiwan. Os principais sabores incorporados foram os japoneses, já que a ilha ficou sob o domínio do Japão até 1945, e, nos anos seguintes, pelos sabores chineses, quando voltou a ser incorporada à China.
Claro que são duas culinárias muito amplas, cada uma com suas diferentes formas de fazer, mas Taiwan absorveu as duas e criou suas particularidades. As especiarias mais usadas são uma mistura de canela, anis e pimenta sichuan, o que é bem chinês. Mas, de acordo com o Duilio:
"Se busca muito uma textura que a gente chama de 'Q' (pronunciado em inglês, se fala 'kiu'), que é uma textura de mastigabilidade, que tem muita influência do Japão. São algumas pequenas coisinhas que representam bastante Taiwan".
O "Q" é como se fosse a mistura de um ponto "al dente", para os italianos, e toda a água na boca do "umami", para os japoneses. A berinjela do Mapu é um belo exemplo desta combinação de textura e sabor.
Pomar de mãe
"Mapu" é a forma que Duilio e suas duas irmãs chamam, carinhosamente, Dona Jasmine. O nome dado ao restaurante é uma bela homenagem à matriarca, já que o apelido significa "pomar de mãe".
A ideia veio junto com a criação do restaurante e Duilio conta que a escolha dos ideogramas "ma", como "mãe", e "pu", como "pomar" ou "jardim", passa a hospitalidade que eles pretendem dar aos clientes. A ideia é que a comida represente um cuidado, um acolhimento. Ele afirma:
Além da homenagem a minha mãe, nós queremos usar a comida como linguagem do amor".
Depois de participar dos primeiros momentos da criação do Mapu, ajudando a elaborar as receitas e participando da recepção no salão, atualmente Dona Jasmine tem a melhor função de todas, segundo ela:
"Agora eu só vou ver se eles tão fazendo tudo direitinho e eu sempre procuro diferentes comidas tradicionais taiwanesas para mostrar para o Caio Yokota e para Victor Valadão, que são os responsáveis pela cozinha. E também provo tudo, essa é a melhor parte".
Para Duilio, a participação da sua mãe é um importante conselho de criação, mas eles não trabalham mais juntos diretamente: "dava muita briga", ambos contam, rindo. Sobre a berinjela, Duilio comenta: "É um prato icônico, que muita gente gosta e pede a receita. Tem gente que fala, 'eu não gosto de berinjela e adoro a do Mapu''.
Já Dona Jasmine, contrariada, mas com muita simpatia, confessa:
Se fosse antes, a gente ia brigar, porque eu não ia dar a receita da berinjela, é secreta".
Receita da família
Berinjela no missô e shoyu
Rende 4 porções
Ingredientes
Molho:
- 30 gramas de shoyu
- 30 gramas de missô em pasta
- 30 gramas de açúcar
- 30 gramas de água filtrada
Berinjela:
- 4 unidades de berinjela japonesa ou chinesa
- 80 gramas de farinha de trigo
- 80 gramas de amido de milho
- 80 gramas de polvilho
- 1 maço de cebolinha fresca para finalizar
- Óleo vegetal para fritar
Modo de preparo
1- Preparar o molho: em uma panela levar ao fogo e dissolver bem o açúcar, o missô o shoyu e a água, após primeiros sinais de fervura, desligar o fogo. Reservar.
2- Preparar a mistura para empanar: misturar as três farinhas com ajuda de um fouet até atingir uma mistura homogênea.
3- Lavar bem e cortar a berinjela na diagonal para formar pequenos pedaços de tamanhos parecidos.
4- Umedecer a berinjela em água.
5- Escorrer a berinjela com a ajuda de uma peneira.
6- Colocar as berinjelas úmidas no pote com a mistura para empanar e tirar o excesso da farinha com ajuda das mãos.
7- Fritar em óleo quente (180ºC) por aproximadamente 2-3 minutos.
8- Dispor as berinjelas em um prato e distribuir a quantidade de molho desejada, lembrando que uma quantidade exagerada pode deixar o prato salgado.
9- Finalizar com cebolinha picada.
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