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Verdadeiro "chafé" não é bebida fraca e conquista fãs de grãos especiais

Chá de cáscara prova que "chafé" não é sinônimo de bebida ruim, nem fraca - Getty Images/iStockphoto
Chá de cáscara prova que "chafé" não é sinônimo de bebida ruim, nem fraca
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Gabriela Mendes

Colaboração para Nossa

10/05/2022 04h00

Nos cafezais, a grande estrela da produção é o grão. Quando torrado, produz a bebida que não pode faltar para muita gente no café da manhã diário. No entanto, como compramos o café já torrado, é fácil esquecer que ele é, em sua origem, um fruto que também tem polpa e casca.

Apesar dos outros elementos do fruto ficarem de lado, este cenário está prestes a mudar. O que "sobra" na produção tem se tornado o que pode ser chamado de "verdadeiro chafé". Não como a bebida rala que apelidamos de forma pejorativa, mas como um delicioso chá feito das cascas da cereja do café — a chamada cáscara (casca, em espanhol).

Mas se engana quem pensa que o sabor é o mesmo do café preto.

Cerejas de café  - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Cerejas de café
Imagem: Getty Images/iStockphoto
Cáscara - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Cáscara
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Apesar de vir da mesma matéria-prima e participar de quase os mesmos processos de produção dos grãos, a experiência sensorial da cáscara é bem diferente e tem aromas únicos, que podem ser frutados, cítricos, amargos, azedos e doces. E uma quantidade bem menor de cafeína.

Grão "desprezado" tem nova chance

Não é de hoje que a cáscara circula no mundo dos cafés especiais, mas ainda é um produto que está começando a ser pesquisado para o mercado. Os pioneiros foram os produtores da América Central, que levaram a novidade para os Estados Unidos e Europa, onde já é mais conhecida. Aqui no Brasil ainda há poucos lugares que comercializam.

Chá feito com o grão canéfora - Gabriela Mendes - Gabriela Mendes
Chá feito com o grão canéfora
Imagem: Gabriela Mendes

No entanto, com mais testes e pesquisas, a multiplicidade de sabores encontrados na cáscara vem surpreendendo e chamando a atenção de produtores e consumidores. A bebida, servida quente ou gelada, tem diversos aromas de acordo com o tipo de secagem do grão.

Um ponto interessante é que, apesar do mercado de cafés especiais ser dominado pela espécie "arábica" (repare nos pacotinhos escritos 100% arábica, como símbolo de qualidade), a cáscara pode ser feita também de canéfora. Ela é outra variedade da planta, sempre deixada de lado pelos baristas, por ter o estigma de baixa qualidade e estar muito ligada à produção industrial de marcas mais populares.

Mas engana-se quem pensa que a produção de canéfora tem uma qualidade inferior. Muito pelo contrário, pois há todo um mercado de grãos especiais para "além do arábica". E o interessante é que a infusão de cáscara feita com canéfora é ainda mais saborosa. Segundo João Foster, um dos sócios da Fuzz Cafés (Rio de Janeiro), "provando as cáscaras de canéfora nós percebemos uma 10 vezes mais complexidade sensorial".

Processo criterioso

Preparo do chá de cáscara - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Preparo do chá de cáscara
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Além das diferentes espécies de café, todo o processo de produção no cafezal, desde a adubação e plantio até secagem e torra, influencia no resultado dos grãos e também das cáscaras.

O que muda, na produção, é a secagem das cascas ao sol. Lucas Venturim, diretor executivo da Fazenda Família Venturim, conta que é um processo trabalhoso.

Você tem que espalhar no terreiro, revirar bastante e precisa ter um certo critério na hora da secagem, porque se você tirar com uma umidade um pouco acima do esperado, tem tudo pra fermentar e estragar. Por isso, a secagem e armazenagem são bem criteriosas".

Outro ponto importante a ser destacado é que a produção é, majoritariamente, orgânica. Como é um produto novo no mercado, ainda não há testes suficientes para saber se as toxinas de agrotóxicos ficam na casca. Por isso, os produtores têm feito a produção livre de pesticidas.

O adubo que virou chá

Chá de cáscara gelado - Getty Images/iStockphoto - Getty Images/iStockphoto
Chá de cáscara gelado
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Mas o que acontecia com as cascas de café na produção, antes dos produtores descobrirem seu potencial gustativo? Lucas explica que no processo de plantio nada vira lixo e as cascas eram usadas como adubo.

"De qualquer forma elas têm valor, porque a gente faz compostagem. O adubo para a próxima safra, é feito com essas cascas trituradas".

Porém, transformando o que era adubo em produto, é ainda mais interessante para os produtores de café, que podem ter mais um item que agrega valor à produção.

O principal é saber posicionar o produto. Acho que é uma porta de entrada que a gente tem para um público que não gosta tanto de café ou que curte os cafés especiais, mas está aberto a uma nova experiência", afirma Lucas.