Casca mofada se come? O que está por trás de queijos como brie e gorgonzola
Azul, verde, cinza, branco, amarelo, rosa... Todas essas cores podem estar presentes na casca ou na massa de um queijo artesanal e isso não precisa ser motivo para se assustar.
As tonalidades são resultado da ação de microrganismos que surgem naturalmente ou são propositalmente adicionados, numa alquimia em busca do sabor e da maciez perfeita.
Ainda assim achou esquisito? A resistência por parte do público é normal, mas graças ao esforço de produtores e queijistas (donos de lojas especializadas), essa realidade vem se transformando.
"Queijo com mofo ainda é pouco consumido no Brasil. Está presente em 9% de lares. Mas a gente vê nas lojas um enorme interesse e acredita que o mercado deve se abrir muito nos próximos anos", afirma Falco Bonfadini, queijista há 25 anos e dono da Galeria do Queijo, em São Paulo.
Márcia Cabalin Sprinz, fundadora do Rancho Alegre Capril, que produz queijos de leite de cabra com mofos claros e escuros, diz que muitos questionam se o alimento é próprio para consumo. "A nossa estratégia é contar ao público o processo do início ao fim".
O básico da produção
Christophe, presidente da Associação Paulista do Queijo Artesanal (APQA), explica que fazer queijo é, basicamente, tirar a água do leite para sobrar gordura, proteína e açúcar. "O leite é uma estrutura viva, então no meio desses elementos há um conjunto de bactérias láticas que interagem com o meio", completa Márcia.
As ações microbiológicas, físicas e bioquímicas acontecem durante o período de maturação, quando os queijos descansam em câmaras com temperatura e umidade controladas de acordo com o propósito do produtor. Assim, os mofos que já faziam parte da estrutura do leite recebem as melhores condições para se desenvolverem.
Christophe explica:
O 'mix' de bactérias se alimenta dos demais itens do queijo e vai transformando o produto de tal modo que chega a influenciar na textura e nas moléculas de sabor e aroma".
Queijeiros de qualidade geralmente separam os queijos nas câmaras de acordo com o mofo, já que ele se espalha no ambiente e chega a "dominar" uma sala em um ano e a florescer nas matérias orgânicas presentes, desde que haja condições propícias (de umidade e calor).
Brie e gorgonzola são exemplos
Além de favorecer o surgimento de mofos espontâneos, os queijeiros também introduzem determinados microrganismos na massa dependendo do produto que desejam fabricar.
"A questão parte do que tem no leite. Por exemplo, se tem muito geotrichum, não preciso colocar mais. Mas se não tem Penicilium candidum e eu quero que tenha, vou inocular. Cada um deles dá uma característica ao queijo".
Márcia ressalta que a presença de oxigênio é uma condição básica para o crescimento dos mofos. Na produção do gorgonzola, por exemplo, o chamado Penicilium roqueforti é colocado na massa e são feitos furos no queijo para levar oxigênio no interior.
"Como mofo é aeróbico, ele precisa de ar para crescer. Por isso, cresce onde estão os furinhos", diz Falco. "Em outra etapa da cura, os queijos são embalados em papel especial para não serem totalmente tomados pelo mofo", conclui Márcia.
Outro exemplo famoso é o brie. Com Penicillium camemberti inoculado à massa, ele desenvolve a casca branca porque uma solução com o mofo é borrifada na sua parte externa.
Em resumo, o mofo está presente no queijo inteiro, mas ele 'aparece' onde existe o ambiente mais propício".
E afinal, pode comer a casca?
Mofadas ou não, se a casca do queijo for natural (e não artificial) é possível, sim, consumi-la sem prejudicar a saúde. Tudo é uma questão de gosto, mas os entrevistados desta reportagem são entusiastas dos pedaços que contemplam tanto a massa quanto a casca.
Tirar a casca é tirar parte do trabalho do queijeiro", acredita Falco.
É claro, no entanto, que é preciso ter cuidado com a origem do produto. "Não é porque apareceu um mofo que está tudo bem. Nós, produtores, sempre acompanhamos o desenvolvimento do queijo com boas práticas de produção e controle", fala Christophe.
Márcia reforça: "o processo de higiene deve ser rigoroso desde a criação dos animais, passando pela qualidade da matéria-prima e chegando aos utensílios, ao ambiente de maturação e à embalagem".
É isso que faz com que eu tenha certeza de que meu queijo de casca natural, mofada, seja saudável e seguro independente da sua coloração".
Cuidados em casa
Por se tratar de um produto vivo, o queijo pode continuar desenvolvendo mofo após a compra. Para evitar dúvidas e intercorrências, Falco sugere levar para casa apenas o que será consumido num curto espaço de tempo.
A forma ideal de armazenamento é envolver o queijo em plástico filme e deixar na parte de baixo da geladeira, em cima da gaveta de vegetais. Para ter uma melhor experiência sensorial na mordida, vale a pena colocá-lo em temperatura ambiente aberto cerca de 20 minutos antes de comer.
Leia sempre as instruções da embalagem e siga as indicações do fabricante. "Isso vai garantir que os micro-organismos que possam surgir no alimento sejam seguros", afirma Márcia.
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