O viajante sincero: a saga de Jesse, morto com seu cão em acidente nos EUA
"Bom dia, meu povo; bom dia, minha pórva"
A voz sonolenta repetindo seu cumprimento matinal, o cabelo desalinhado e o humor peculiar de Jesse Koz resumem bem a personalidade do viajante e influenciador, que perdeu a vida na segunda-feira (23), nos Estados Unidos, ao lado do seu inseparável parceiro canino Shurastey.
Paranense de nascimento e catarinense de coração, Jesse e o golden retriever estavam na estrada há cinco anos, a bordo de Dodongo, um fusca 1978 de 1.300 cilindradas, batizado com o nome do personagem do jogo "Legend of Zelda".
O poder quase indestrutível de Dodongo levou Jesse e Shurastey aos mais diferentes terrenos (de desertos de areia aos de sal, de estradas esburacadas às cobertas de neve, de florestas a praias paradisíacas) por mais de 85 mil quilômetros em 17 países, mas não conseguiu protegê-los no acidente em que os melhores amigos morreram.
Jesse não era o tipo de influenciador que almejava a vida cheia de regalias proporcionadas a quem se destaca nas redes sociais. Ao contrário, compartilhava todo tipo de perrengue que surgia no dia a dia e mostrava que o cotidiano na estrada pode ser bem menos glamouroso que as fotos bem tiradas aparentavam.
Aos 29 anos, ele igualmente não era aquele que dava respostas polidas e ensaiadas para não perder seguidores no perfil @shurastey_. Jesse preferia responder com sinceridade, às vezes com ironia e até um certo deboche diante de perguntas descabidas e repetitivas — coisa comum na vida da turma que comanda perfis digitais.
Mas ele também provava que era possível conquistar a tão sonhada liberdade sem ter nascido em família abastada, motivo pelo qual era seguido fielmente por cerca de 400 mil pessoas, número alcançado e comemorado uma semana atrás — e que dobrou após a notícia de sua morte. Sua originalidade e a amizade tão intensa com o companheiro canino conquistavam seu público.
Uma jornada inacabada
Lá em 2017, Jesse resolveu pedir as contas na loja de roupas em que trabalhava em Balneário Camboriú, insatisfeito com sua trajetória até então. Na entrevista que concedeu a Nossa, dois anos atrás, ele disse que:
Queria fazer algo novo e diferente, que me lembrasse alguns anos à frente e me fizesse feliz"
Natural de Curitiba, ele não fez grandes planejamentos para cair na estrada, como ocorre com a maior parte dos viajantes. Lendo relatos de pessoas que viajavam o mundo sem muito dinheiro, decidiu vender a moto, a tevê, o videogame e mais alguns eletrônicos e em menos de tês meses partiu rumo "ao fim do mundo", no Ushuaia. Sua ideia era viajar até onde os R$ 10 mil que tinha em mãos permitissem.
Nove dias e 7 mil quilômetros depois, o trio alcançou o extremo sul da América do Sul. Jesse descreveu a Nossa essa conquista:
Foi a emoção mais forte até hoje. Eu não tinha feito nada de tão extraordinário na minha vida e ter chegado e vencido todas as dificuldades, principalmente dos últimos 220 km embaixo de neve e com gelo na pista, foi incrível"
E já que tinha conseguido completar o primeiro desafio, não teve dúvidas em encarar um novo projeto, mirando alcançar o Alasca, na outra ponta das Américas.
Depois de uma longa temporada no México, onde reformou o carro, e mais outra no Brasil, por conta das fronteiras fechadas nos Estados Unidos pela pandemia (nesse período, deu a entrevista abaixo, a Zeca Camargo), fazia pouco tempo que Jesse havia retomado a viagem. Estava prestes a entrar no Canadá, quase concretizando seu plano de chegar ao Alasca.
Ainda neste mês, comemorava ter visitado Nova York, São Francisco e percorrido a mítica Rota 66. O motorista e seu parceiro perderam a vida numa curva na US 199, conhecida como Redwood Highway.
As pessoas pelo caminho
Jesse, de 29 anos, não era o influenciador que buscava parcerias com hotéis e pousadas durante sua jornada. Em vez disso, no início da maratona, quando ainda não tinha a barraca onde dormia, sobre o teto de Dodongo, ele não recusava convites para ser recebido na casa de quem acompanhava sua aventura.
Isso, aliás, era uma de suas particularidades. No perfil do instagram, ele mantinha um destaque com registros de pessoas que conhecia pelo caminho — e foram muitas, muitas mesmo. Seus encontros com seguidores, antes da pandemia, eram sempre bem movimentados. Além de fãs, Jesse era querido pela comunidade viajante.
Eu viajei durante 5 anos praticamente sozinho, só eu e o Shurastey, mas nunca estive só. Sempre fiz questão de estar em contato com diversos viajantes; encontrei com viajantes de kombi, de van, de trailer, de fusca, viajantes de várias nacionalidades. Todos sempre tínhamos algo em comum: estávamos em busca da tal felicidade; todos conectados no mesmo espírito viajante que nos une"
A turma que o acompanhava e se apaixonou pelo peludo Shurastey ajudava Jesse a se manter na estrada. Uma das fórmulas que ele encontrou para fazer dinheiro foi lançar produtos que tinha, como garoto propaganda, justamente seu parceiro canino.
Amizade mais que especial
Do refrão da música "Should I Stay or Should I Go?", da banda inglesa The Clash, veio o nome do amigão inseparável, o cão que entrou na vida de Jesse em 2016.
O espírito aventureiro da dupla e as brincadeiras constantes — na praia, atolados na areia; no alto de uma pedra ou em cima Dodongo, repetindo a cena icônica de O Rei Leão; ou "cantando" juntos a música Sweet Dreams —, tudo despertava o carinho especial que os seguidores tinham por eles.
Num post da semana passada, Jesse escreveu que "se não fosse a companhia de Shurastey, tudo ficaria cinza e sem graça".
Em outra legenda recente, disse: "É difícil, pra quem está de fora, entender que tudo que estamos fazendo juntos tem um significado muito além do que eles podem ver, através de minutos compartilhados nos stories! Tudo que vivemos juntos nos últimos anos é baseado no amor, dedicação, respeito e confiança. Muito além de ser o meu cachorro de companhia, ele é meu parceiro da vida".
Entre os milhares de fãs que desacreditavam a morte da dupla, o sentimento de profunda tristeza era dividido com o alento de os dois terem partido para uma nova viagem juntos, como sempre estiveram.
Comunidade viajante lamenta mortes
Tão logo a notícia da morte de Jesse e Shurastey se espalhou, as homenagens de influenciadores que os conheciam e conviveram com eles, mesmo que virtualmente, tomou conta das redes sociais. Em comum, todos exaltam o espírito livre do aventureiro e o legado que deixou, de amor pelo seu companheiro de jornada e o empenho para conquistar um sonho.
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