Sem mochila ou albergue: conheça a versão luxuosa do Caminho de Santiago

"Buen camino!". Mesmo quem nunca passou nem perto do Caminho de Santiago provavelmente já ouviu essa saudação dita nos muitos filmes e livros que usam como pano de fundo as rotas de peregrinação.

Não à toa, percorrer os Caminhos de Santiago — são diferentes rotas passando por França, Espanha e Portugal — virou parte da lista de desejos de muitos viajantes na última década. Mas, para um número cada vez maior deles, a jornada turística e espiritual não tem nada a ver com carregar uma enorme e pesada mochila às costas nem terminar cada dia com bolhas nos pés em um dormitório compartilhado.

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No Caminho de Santiago de luxo saem de cena os albergues e os lanches rápidos e entram as camas king size de hotéis de luxo, as tapas gourmet e refeições preparadas por chefs estrelados no Michelin. Além disso, cada vez mais gente substitui boa parte do itinerário normalmente feito à pé por trechos confortavelmente rodados em carro ou trem.

Belezas históricas com conforto

Enquanto em décadas anteriores foi justamente a rede pública de albergues gratuitos oferecidos pelo governo espanhol uma das grandes razões do sucesso desse produto turístico, hoje, hotéis de luxo e restaurantes estrelados destas rotas são responsáveis por atrair toda uma nova leva de visitantes à Espanha.

Alberto Bosque, do escritório de turismo da região espanhola Castilla y Leon, garante que a procura por esse novo estilo de peregrinação está em franco crescimento, com o interesse do brasileiro por esta rota mítica multiplicado em 2022.

Oficialmente, 6.025 brasileiros peregrinaram pelo Caminho de Santiago em 2019. Mas só entra nessa conta quem percorreu pelo menos 100 quilômetros à pé ou 200 quilômetros em bicicleta e registrou a viagem com o certificado oficial de peregrino. Órgãos oficiais concordam que esse número é, na realidade, muito maior, já que muitos brasileiros viajam pelo país com passaporte europeu e cada vez mais gente percorre as rotas do Caminho em carro ou trem.

O turista que procura o tal "Camino de lujo", seja brasileiro ou não, quer ter a chance de testemunhar o misticismo e ver as muitas belezas históricas, naturais e culturais das regiões atravessadas ao longo do itinerário, mas sem precisar abrir mão do conforto.

Foi o caso da mineira Jéssica Paranhos, que fez parte da rota com o marido, no ano passado.

Vimos fotos do Caminho de Santiago em uma revista e ficamos encantados. Mas viajar com mochila nas costas nunca foi nossa praia, nem queríamos caminhar todos os dias", conta.

Segundo ela, encontrar uma solução que se encaixasse no seu jeito de viajar não foi nada difícil: "Visitamos alguns desses lugares, de León até Finisterra, do jeito que gostamos: viajando de carro, dormindo em hotéis charmosos, comendo em bons restaurantes, visitando vinícolas e fazendo tours com guias locais ótimos. Foi uma viagem linda", garante.

Mas nem todo viajante que explora o Caminho de Santiago com certo glamour abre mão da experiência da caminhada. Por isso mesmo, diversas empresas especializadas em transportar apenas bagagens (de um hotel a outro e de uma cidade a outra) surgiram nos trechos espanhóis da rota.

A Jacotrans (jacotrans.es), por exemplo, conecta destinos vizinhos ao longo do Caminho de Santiago entre Castilla y León e Galícia e cobra desde 7 euros (cerca de R$ 36) pelo transporte de cada volume em cada trecho. Assim, o turista pode caminhar quantos quilômetros quiser a cada dia sem carregar peso nenhum nas costas; ao deixar um hotel pela manhã, já sabe que sua mala estará esperando por ele no hotel do destino seguinte, ao final da tarde.

Estrelas para que te quero

Cozinha e hotelaria estrelada surgiram em abundância ao longo do Caminho, atraindo cada vez mais um perfil de turista disposto a gastar durante a aventura. Só nas regiões espanholas da Galícia e de Castilla y León, que concentram os 500 quilômetros finais dos Caminhos de Santiago, são nada menos que 29 restaurantes estrelados no guia Michelin.

Nos disputados Mu-na (Ponferrada), Concinandos (León), Pablo (León), Culler de Pau (O Grove), A Tafona (Santiago de Compostela) e Casa Marcelo (Santiago de Compostela), o clima informal e a valorização da culinária local dão o tom — e reservas são mandatórias.

Na hotelaria, as opções estreladas também se multiplicam ao longo do Caminho, incluindo hotéis lendários (como o Gran Hotel La Perla, que já recebeu Hemingway), hotéis com jeito de obra de arte (como o El Ciego, no complexo Marqués de Riscal, projetado por Frank Gehry) e até conventos, mosteiros e abadias convertidos em propriedades de charme (como a bela Abadia Retuerta Le Domaine, rodeada por vinhedos da Ribeira del Duero). Sempre com grandes camas muito confortáveis, ótimos banheiros, belo serviço de café da manhã e mimos aqui e ali.

A região da Galícia é a mais bem servida em opções mais luxuosas para descansar e dormir ao longo da rota com charme e conforto. O Quinta da Auga (diárias desde 160 euros — cerca de R$ 824), por exemplo, é uma propriedade familiar nos arredores de Santiago de Compostela e membro da associação Relais&Chateaux.

Já o bucólico Torre do Rio (diárias desde 240 euros — cerca de R$ 1237), na região de Pontevedra, transformou os 10.000 m² da propriedade que já foi uma fábrica de tecidos do século 18 em um hotel de charme de apenas 14 quartos, à beira do rio Umia. Não há serviço de maleteiro, elevador para o segundo andar ou recepção 24h.

Ao "final do caminho", em Santiago de Compostela, hospedar-se no icônico Parador de Santiago (diárias desde 240 euros — cerca de R$ 1237) pode ser o "gran finale" do itinerário espanhol. Localizado em plena Plaza do Obradoiro, fica ao lado da majestosa Catedral de Santiago (cuja restauração completa foi finalmente concluída ao custo de sete milhões de euros).

Considerado o mais belo Parador do país e o hotel mais antigo do mundo, tem preciosos claustros e corredores no majestoso edifício. Não espere serviços de hotelaria de luxo nem acomodações irretocáveis; mas a beleza do edifício histórico (antigo Hospital dos Reis Católicos) e a localização imbatível acabam justificando a regalia.

Pausa para os bons drinques

O turista que explora os itinerários do Caminho de Santiago com luxo — ou, ao menos, muito conforto — também pode beber bem ao longo da rota.

Na Galícia, o Caminho passa por diversas vinícolas, muitas delas produtoras de vinhos elaborados com uva albariño, originária da região. Produzida nas Rías Baixas, é uma das castas brancas mais prestigiadas da Península Ibérica, resultando em vinhos bem frescos e aromáticos, muitos deles premiados internacionalmente.

Uma opção de visita é a vinícola Terras Gauda, nos arredores da cidade de Pontevedra, já próxima a Santiago de Compostela. A propriedade abre todos os dias para visitas turísticas guiadas, que incluem passeios por entre os vinhedos e degustação desde 10 euros — cerca de R$ 51. Há opção de visita privativa com degustação harmonizada desde 24 euros por pessoa — cerca de R$ 123.

Menos profissional, mas igualmente satisfatória é a visita ao Pazo do Faramello, de 1714, que já foi a Real Fábrica de Papel espanhola. A visita turística (10 euros — cerca de R$ 51, reserva obrigatória) contempla parte da casa e seus jardins ao longo de uma hora e meia, com degustação de vinho local ao final.

E os bons drinques têm ainda mais vez nas cidades maiores, como Burgos, León, Pontevedra e Santiago de Compostela, repletas de bares de todos os estilos e especialidades. Na agitada vida noturna de León vale passar pela deliciosa vermuteria Rua 11, que conta com mais de duzentos rótulos diferentes de vermute em seu menu.

Como tudo começou

Os primeiros relatos de peregrinações pelos caminhos ligados à vida e à morte do apóstolo Santiago — que pregou em diferentes destinos de França, Espanha e Portugal, foi decapitado no Oriente Médio e teve seu corpo levado de volta à Espanha para ser enterrado no território que hoje fica na região da Galícia — datam do século 10, pouco depois que seu sepulcro foi encontrado pela primeira vez.

Por muitos séculos, as peregrinações eram feitas para render homenagens ao santo da Igreja Católica. Foi só na segunda metade do século 20 que a ideia de "fazer o Caminho de Santiago" acabou ganhando corpo.

Os diferentes "caminhos de Santiago" — Caminho Francês, Caminho Português, Caminho Espanhol, Caminho da Costa, Caminho da Muxia, Caminho Britânico etc. — atravessam belos povoados, pequenos vilarejos, montanhas, pradarias e até destinos à beira-mar e grandes cidades turísticas, como as vibrantes Burgos ou León. Dá até para fazer trechos do caminho em barco, como na eclusa de Frómista.

E as melhores épocas para fazer a rota são o outono e a primavera europeia, preferencialmente de abril a junho e de setembro a outubro.